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domingo, abril 01, 2018

Encontros e partidas. Charles Fonseca. Prosa

Encontros e partidas
Charles Fonseca

Não era o 7 de setembro. Era o 8. Um mês antes do 8 de outubro, aniversário de um dos meus irmãos, o segundo. Cinco da manhã. Recebo um telefonema de um outro meu irmão, daqui de Salvador. Anunciava que recebeu um telefonema de minha irmã do Rio de Janeiro, dizendo que houvera um acidente com o futuro aniversariante, o de outubro, na entrada da cidade, aqui mesmo. E eu querendo saber da pessoa e ele me dizendo que iria buscar o corpo. Cambaleando, voltei para a cama ante a sensação de desmaio.
Fui ao Instituto Médico Legal, querendo não acreditar, reconhecer o corpo. Com a fratura da mandíbula que lhe antecedeu outras que lhe ceifaram a vida, parecia um passarinho. Um tico-tico. Ele que tanto tinha recitado em criança: “tico-tico rasteirinho, tira o galho do caminho, que eu quero passear, tenho medo do espinho!”. Não tiraram o galho do caminho.
Já na casa da viúva, o mesmo meu irmão anunciante, logo após um telefonema do irmão desta, surpreendentemente, pediu a todos os amigos que aguardassem em suas casas pois que ela deveria ficar só naqueles primeiros momentos. Estaria eu ouvindo o que ouvi? Silentes, um a um, todos os que já haviam chegado se retiraram. Eu também.
No Jardim da Saudade, a viúva, na cabeceira do caixão, virando-se para minha então mulher disse apenas: “Me desculpe”. Não havia de que. Por que haveria?
O celebrante religioso começou a fala, a da estação de trem que é a vida, uns chegando, outros partindo. Pai e irmãos, sangue do meu sangue derramado, juntos e de mãos dadas ouviram a oração final. Menos um, o que me anunciou o evento, que, à distância, tudo observava e que acompanhou conosco o levar do meu irmão até seu retorno ao pó. Que se passava naquela alma atormentada e sozinha?

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