Finalmente Pasárgada
Carlos Coqueijo
A morte ameaçava-o há bem uns cinqüenta anos. Só agora ganhou a parada. Enquanto ele folgou, nesse longo entremês para o último ato, continuou manipulando a matéria prima do seu pensamento, de onde sangrava os poemas.
E assim se fez rico, riquíssimo esse pernambucano ermitão, que acaba de desencarnar. Mas "almaticamente" — para usar do lindo neologismo recém criado por Tom Jobim — continua conosco, na cinza de todas as horas, até a consumação dos tempos.
Sua riqueza declarada são seus versos. O preço pago foi morrer, morrer sempre, sem parar, esvaindo-se, "dando à angústia de muitos uma palavra fraterna", como ele mesmo disse faz pouco tempo.
— "Eu faço versos como quem morre".
"Agora a morte pode vir — essa morte que espero desde os dezoito anos: tenho a impressão de que ela encontrará, como em Consoada está dito, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar".
Manuel Bandeira, poeta imenso, passou a limpo a história de sua vida nos poemas que cometeu. Sempre na mesma linguagem: a da poesia, em que se diz o que não se pode dizer.
Imagino que Bandeira nunca teve inimigos. Só implicava com as coisas absolutamente implicáveis.
— "Há três coisas que incompatibilizam a gente com uma pessoa. Uma é o esperanto. As outras duas são o positivismo e o xarope de groselha"!
Era um simples e um santo (há santos complicadíssimos). Seu Aqueronte seria assim: uma porção de diabinhos pregando o positivismo em esperanto e uma forte redolência de groselha, menu único em todas as refeições.
O poeta inventou a sua cidade, para onde se foi. Quem não sonha com a sua Pasárgada, numa Pérsia intangível, que a magia dos versos traz para tão perto de nós?
Lá, ele é amigo do rei. Aqui, seus milhões de herdeiros universais (basta que saibam a língua portuguesa) continuarão desfrutando o cabedal infinito da beleza que ele criou. À luz da sua poesia, espero purificar-me o suficiente para um dia merecer Pasárgada, ser amigo do rei, ter a mulher que eu quero, na cama que escolherei. E Joana a Louca da Espanha, rainha e falsa demente, virá a ser contraparente da nora que nunca tive".
Que lindo é ser Manuel Bandeira! Que eu seja amigo do amigo do Rei, é o quanto me basta.
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sábado, maio 26, 2012
Finalmente Pasárgada. Carlos Coqueijo. Prosa
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Prosa.
Escreva para o meu e-mail: silvafonseca@gmail.com
quarta-feira, março 21, 2012
Finalmente Pasárgada. Carlos Coqueijo.
Finalmente Pasárgada
Carlos Coqueijo
A morte ameaçava-o há bem uns cinqüenta anos. Só agora ganhou a parada. Enquanto ele folgou, nesse longo entremês para o último ato, continuou manipulando a matéria prima do seu pensamento, de onde sangrava os poemas.
E assim se fez rico, riquíssimo esse pernambucano ermitão, que acaba de desencarnar. Mas "almaticamente" — para usar do lindo neologismo recém criado por Tom Jobim — continua conosco, na cinza de todas as horas, até a consumação dos tempos.
Sua riqueza declarada são seus versos. O preço pago foi morrer, morrer sempre, sem parar, esvaindo-se, "dando à angústia de muitos uma palavra fraterna", como ele mesmo disse faz pouco tempo.
— "Eu faço versos como quem morre".
"Agora a morte pode vir — essa morte que espero desde os dezoito anos: tenho a impressão de que ela encontrará, como em Consoada está dito, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar".
Manuel Bandeira, poeta imenso, passou a limpo a história de sua vida nos poemas que cometeu. Sempre na mesma linguagem: a da poesia, em que se diz o que não se pode dizer.
Imagino que Bandeira nunca teve inimigos. Só implicava com as coisas absolutamente implicáveis.
— "Há três coisas que incompatibilizam a gente com uma pessoa. Uma é o esperanto. As outras duas são o positivismo e o xarope de groselha"!
Era um simples e um santo (há santos complicadíssimos). Seu Aqueronte seria assim: uma porção de diabinhos pregando o positivismo em esperanto e uma forte redolência de groselha, menu único em todas as refeições.
O poeta inventou a sua cidade, para onde se foi. Quem não sonha com a sua Pasárgada, numa Pérsia intangível, que a magia dos versos traz para tão perto de nós?
Lá, ele é amigo do rei. Aqui, seus milhões de herdeiros universais (basta que saibam a língua portuguesa) continuarão desfrutando o cabedal infinito da beleza que ele criou. À luz da sua poesia, espero purificar-me o suficiente para um dia merecer Pasárgada, ser amigo do rei, ter a mulher que eu quero, na cama que escolherei. E Joana a Louca da Espanha, rainha e falsa demente, virá a ser contraparente da nora que nunca tive".
Que lindo é ser Manuel Bandeira! Que eu seja amigo do amigo do Rei, é o quanto me basta.
Carlos Coqueijo
A morte ameaçava-o há bem uns cinqüenta anos. Só agora ganhou a parada. Enquanto ele folgou, nesse longo entremês para o último ato, continuou manipulando a matéria prima do seu pensamento, de onde sangrava os poemas.
E assim se fez rico, riquíssimo esse pernambucano ermitão, que acaba de desencarnar. Mas "almaticamente" — para usar do lindo neologismo recém criado por Tom Jobim — continua conosco, na cinza de todas as horas, até a consumação dos tempos.
Sua riqueza declarada são seus versos. O preço pago foi morrer, morrer sempre, sem parar, esvaindo-se, "dando à angústia de muitos uma palavra fraterna", como ele mesmo disse faz pouco tempo.
— "Eu faço versos como quem morre".
"Agora a morte pode vir — essa morte que espero desde os dezoito anos: tenho a impressão de que ela encontrará, como em Consoada está dito, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar".
Manuel Bandeira, poeta imenso, passou a limpo a história de sua vida nos poemas que cometeu. Sempre na mesma linguagem: a da poesia, em que se diz o que não se pode dizer.
Imagino que Bandeira nunca teve inimigos. Só implicava com as coisas absolutamente implicáveis.
— "Há três coisas que incompatibilizam a gente com uma pessoa. Uma é o esperanto. As outras duas são o positivismo e o xarope de groselha"!
Era um simples e um santo (há santos complicadíssimos). Seu Aqueronte seria assim: uma porção de diabinhos pregando o positivismo em esperanto e uma forte redolência de groselha, menu único em todas as refeições.
O poeta inventou a sua cidade, para onde se foi. Quem não sonha com a sua Pasárgada, numa Pérsia intangível, que a magia dos versos traz para tão perto de nós?
Lá, ele é amigo do rei. Aqui, seus milhões de herdeiros universais (basta que saibam a língua portuguesa) continuarão desfrutando o cabedal infinito da beleza que ele criou. À luz da sua poesia, espero purificar-me o suficiente para um dia merecer Pasárgada, ser amigo do rei, ter a mulher que eu quero, na cama que escolherei. E Joana a Louca da Espanha, rainha e falsa demente, virá a ser contraparente da nora que nunca tive".
Que lindo é ser Manuel Bandeira! Que eu seja amigo do amigo do Rei, é o quanto me basta.
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