Políticas governamentais prejudicam a assistência médico-hospitalar
Marcelo Caixeta
Por causa do Sistema Único de Saúde governamental (SUS), todo brasileiro, mesmo os mais ricos, acha que a assistência médico-hospitalar tem de ser dada de graça. Estes dias mesmo, chegou ao nosso hospital , filantrópico, 100% SUS, numa “caminhonetona”, o pai de um garoto gravemente psicótico. O pai ( e também o filho, apesar da psicose ), estavam muito bem vestidos, “roupa e sapatos de marca”, tinham aparelho ortodôntico estético, o pai era auditor fiscal da Fazenda . Para terem uma ideia, até site pessoal o pai dele tinha ( tipo www.fulanodetal.com). Pois bem, chegaram ao hospital com o seguinte discurso: “Estamos sem dinheiro, queremos internar pelo SUS.” A doença do filho era grave (psicose catatônica, sem comer, beber, sem dormir, etc), havia risco de vida. Todos na família tinham aparelhos nos dentes , o cabelo da mãe era impecável (daqueles que se gasta R$ 300 para arrumar ) , afora a caminhonete cabine dupla, som estéreo, filme, roda de liga, etc. Então, vejam bem, a família gasta com tudo, mas acham que hospital e médico têm de ser “de graça”.
Aí vão para o Governo, ou no máximo um plano de saúde , daqueles que pagam R$ 30 por uma “consultinha”. Aí, evidentemente, são mal atendidos, são mal acolhidos nos hospitais, a resolutividade é baixa, morre gente. Os médicos e hospitais particulares, aproveitando-se de todo este sistema que não funciona, destacam-se do resto, têm mais resolutividade, e aí “arrancam o couro”. Esta é a dinâmica que estamos vivendo, mas, ao invés de reclamarem de quem causa tudo, o Governo, reclamam é para os bois. Aliás, por falta de estudo e profundidade, a Sociedade Brasileira nem se deu conta ainda deste tipo de problema político-social.
Como a maior parte dos médicos e hospitais está comprometida com o mal-fadado SUS e com os planos de saúde (cuja maioria hoje não passa de uma extensão do SUS), acaba sobrando pouca oferta médica de qualidade. Aí o preço do serviço fica alto. Aí é hora de vir a sociedade e reclamar; o Governo aproveita-se deste ódio da classe média e, numa jogada puramente marqueteira-eleitoreira, resolve, com sucesso, eleger o médico como o vilão de todo o sistema, inclusive culpado do caos no SUS. Todos engolem : Mídia, Judiciário, Ministério Público, todos gostam de jogar para a galera, gostam de jogar para o governo, jogar para a classe média.
O governo, como todo governo esquerdista, quer um Estado forte, quer continuar “intervindo” na área da saúde, assim como tenta intervir na economia. Opta por suprir o SUS e o mercado brasileiro com profissionais não-médicos, ou seja, opta por autorizar não-médicos (cubanos com três anos e meio de curso técnico) a realizarem trabalhos médicos (outros profissionais de saúde e profissionais com formação precária em Cuba, sem diplomas válidos). Isto lhes dá mais um ano de “sobrevida”, que é o tempo necessário para reeleger Dilma e eleger o ex- ministro da Saúde Padilha em São Paulo. Não resolverá o problema, pois o “SUS não funciona” porque o problema é estrutural. Não é nem falta de dinheiro, é falta de gerenciamento. Por exemplo, no hospital filantrópico que eu dirijo há médicos que preferem trabalhar para ganhar R$ 3 mil por mês em um serviço decente a receber R$ 10 mil no governo. No entanto, apesar do SUS não funcionar, ele “contamina” todo o sistema de saúde brasileiro. O brasileiro pensa : “pagar médico para quê, se no SUS eu tenho de graça ?”.
Mas, como dizem, “o SUS não funciona”, então ele migra para o plano de saúde. Só que no plano, ele também não acha médicos bons, aí volta a pensar com a mesma filosofia do SUS: “pagar médico eu não pago, pois já pago o plano de saúde” (o paciente não quer nem saber se o plano repassa ao médico apenas uma média de R$ 30 por consulta). Então, o que acontece no país todo: muita gente morrendo, mal medicada, mal assistida, mal operada, mal examinada, etc, tudo porque o padrão de qualidade é o “padrão SUS-gratuito”. Não há, no Brasil, a filosofia do: “Se eu quiser médico ou hospital bom eu tenho de pagar algo por isto”; “não acho médicos bons no SUS ou convênios médicos”; “não há como um médico ser bom e ficar no SUS ou convênios, pois não consegue sobreviver, se tiver de fazer uma consulta boa, de duas horas, não tem como sobreviver ganhando o que irá ganhar”; “como em todo lugar, o que é bom custa caro”. Isto funciona em qualquer área da vida pública brasileira, cabeleireiros, advogados, educação, engenheiros, até a Justiça é passível de ser comprada (com bons causídicos, por exemplo) , menos na área médica.
Aqui o médico que cobra muito “é mercenário”, “não honra o sacerdócio do juramento de Hipócrates”. Em nossa área há uma subversão e distorção de valores : aqui acha-se que se tem o direito de ser atendido de graça e muito bem (aliás, o governo diz que extorque impostos é para isto, está aí a enxurrada de propaganda, inclusive propaganda eleitoral antecipada, para a qual o Ministério Público Eleitoral , sobretudo Federal, parece fazer vistas grossas - “seria porque é todo mundo funcionário público mesmo e o que é público não ataca o que é público“ ? - isto seria “atacar o próprio patrão?”) .
A consequência de tudo isto é a maior discriminação social, o maior apartheid, que se tem notícia : só uma parcela ínfima da população tem assistência adequada, a grande parte, ou seja a pobreza e grande parte da classe média, tem uma assistência muito ruim, meia-sola. Na saúde não dá para acostumar-se com isto, pois morre gente, daí as denúncias e indignações, revoltas, frequentes e crescentes (mais mídia, mais processos, promotores, centros do consumidor, etc) . O problema é que ninguém “senta” para pensar e descobrir que a raiz de tudo está lá atrás, está no Governo estatizante (“O Estado é que deve ter o poder”) que gera todas estas distorções, começando pelo SUS. Nem os partidos de oposição questionam isto (todos pregam “mais Estado”), sendo esta talvez uma das causas do porque não termos oposição de verdade neste país.
Muitos médicos que tentam sair desta teia de aranha ficam mais presos nela. Dou um exemplo: estes dias eu quis pagar particular para um médico tratar de uma parente num hospital porque sabia que convênio pagava pouco. O médico, que eu sei que é bom, diz que não tinha jeito, que, para pacientes de convênio, a cláusula só admitia que ele tratasse pelo convênio. Resultado : tratou minha parente muito mal, corrido, sem tempo de dar assistência, trabalho mal-feito, (assim como a maioria dos pacientes de convênio) e a paciente morreu. Ele disse que precisa do convênio para ter pacientes, para ter propaganda, que não conseguiria viver só de particular, disse que no hospital (de grande porte e “alta complexidade”, como gostam de dizer hoje) em que trabalha, só aceitam atendimentos por convênios. Aí gera-se um círculo vicioso, pois ele tem mais pacientes, mas recebe menos, e consequentemente trabalha mal, matando alguns. Com isto, com a má-fama, eles não têm como formar uma boa clientela particular.
A maior parte da população, que é leiga (e além do mais brasileiro lê e estuda pouco), não nota que está morrendo ou sendo sequelada por causa de uma medicina e hospitais de qualidade muito ruim. Ou quando vê, vêm em cima do médico, uma classe que está desesperada e desesperançosa (pelo menos os menos picaretas). Muitos médicos querem trabalhar bem, trabalhar melhor, mas não conseguem respaldo da sociedade : escutam sempre isto: “Eu pago imposto é para ser atendido pelo SUS; eu pago o plano de saúde é para ser bem atendido pelo médico conveniado”; “não importa se é médico do governo ou conveniado, ele fez um juramento de atender bem”. Os médicos dizem : “Eu tenho muita dificuldade em ter paciente particular, só tenho muitos pelo SUS ou convênios”. Com este problema, quando ele tem um particular, aí tem de “arrancar o couro” para tirar o atraso (“fui no consultório, longe, fiquei a manhã toda, para atender apenas uma consulta, tenho de cobrar caro”) . Com esta atitude, os particulares fogem mais ainda, fechando o círculo vicioso do qual não consegue sair. Se não houvesse todo este sistema atrapalhando, SUS-convênios, o preço da consulta particular poderia abaixar com certeza, pois haveria maior procura, maior oferta, os preços abaixariam. Os pacientes acabam não notando que é por causa da “filosofia herdeira do SUS” – a ingerência estatal cada vez maior na prática da Medicina – que estão morrendo ou ficando sequelados. Nem médicos e nem pacientes sabem as causas ou sabem muito bem como desmontar esta bomba-relógio e este aqui é um artigo que visa ajudar esclarecer isto.
Vê-se aí como esta política de “popularização” da Medicina, à lá SUS, só vem piorando a qualidade da medicina brasileira. A saída seria muito simples, se o governo e políticos quisessem : desmontar o SUS e ressarcir os muito pobres (só os pobres, pois não se justifica governo bancar o tratamento de quem pode pagar) quando forem tratados nos médicos e hospitais particulares.
Como na Economia, toda vez que o governo interfere demais, quer intervir demais, totalitariamente, gera este tipo de distorção aí acima. Mas ninguém fala nisto, nem mesmo os médicos ou suas entidades representativas, ou por ignorância, por governismo (toda a classe média é governista, neste País, pois está esperando a “eterna boquinha”) ou por simples má-fé mesmo.
(Marcelo Caixeta, psiquiatra, escreve às terças-feiras, sextas-feiras, domingos)
Diário da Manhã
domingo, março 09, 2014
Políticas governamentais prejudicam a assistência médico-hospitalar. Marcelo Caixeta. Medicina
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