Pesquisar este blog

sexta-feira, setembro 08, 2006

Guerra. Cecilia Meireles. Poesia

GUERRA
Cecília Meireles

Tudo é sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.
Tanto sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.
Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpos estão por ali como tábuas sem uso.
Oh! os dedos com alianças perdidos na lama...
Os olhos que já não pestanejam como a poeira...
As bocas de recados perdidos...
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes...
Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas... -e alcançariam as estrelas.

E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres,
com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando, apenas sobre fotografias,
-tudo é tão natural armar e desarmar de andaimes
entre tempos vagarosos,
sonhando arquiteturas!!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário