domingo, outubro 19, 2025

O vaso que verte

 O vaso que verte 


Entre Ovídio e Lacan, há um mesmo gesto: o de tentar dizer o que transborda o dizer.

Em Metamorfoses, Ovídio narra a história de Biblis, tomada por um amor impossível, que chora até se transformar em fonte. O corpo se desfaz em lágrimas e o sofrimento encontra passagem na matéria. A dor, que não cabe na linguagem, escorre. O corpo verte o que não pode calar.


Lacan, séculos depois, fala do vaso como metáfora do sujeito. O vaso não é o barro que o compõe, mas o vazio que o estrutura. É o furo central que o faz ser o que é. Assim também o sujeito: não se define pelo que o preenche, mas pelo que o falta.


O vaso que verte é o instante em que o furo já não sustenta o contorno.

É quando o excesso atravessa o corpo e o real escorre pela borda do simbólico.

Na imagem de Ovídio, isso aparece como a lágrima que brota e transforma; em Lacan, como o gozo que escapa à palavra.


Entre a metamorfose e o furo, há um mesmo movimento: o de dar forma ao impossível.

O corpo, ao verter, fala. A lágrima é a linguagem do que não pode ser dito.

O vaso que verte é o símbolo da travessia entre o corpo e a palavra, o ponto em que o sujeito se escreve no limite entre o gozo e o sentido.


Referência: Seminário 15 - O Ato Psicanalítico


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