O vaso que verte
Entre Ovídio e Lacan, há um mesmo gesto: o de tentar dizer o que transborda o dizer.
Em Metamorfoses, Ovídio narra a história de Biblis, tomada por um amor impossível, que chora até se transformar em fonte. O corpo se desfaz em lágrimas e o sofrimento encontra passagem na matéria. A dor, que não cabe na linguagem, escorre. O corpo verte o que não pode calar.
Lacan, séculos depois, fala do vaso como metáfora do sujeito. O vaso não é o barro que o compõe, mas o vazio que o estrutura. É o furo central que o faz ser o que é. Assim também o sujeito: não se define pelo que o preenche, mas pelo que o falta.
O vaso que verte é o instante em que o furo já não sustenta o contorno.
É quando o excesso atravessa o corpo e o real escorre pela borda do simbólico.
Na imagem de Ovídio, isso aparece como a lágrima que brota e transforma; em Lacan, como o gozo que escapa à palavra.
Entre a metamorfose e o furo, há um mesmo movimento: o de dar forma ao impossível.
O corpo, ao verter, fala. A lágrima é a linguagem do que não pode ser dito.
O vaso que verte é o símbolo da travessia entre o corpo e a palavra, o ponto em que o sujeito se escreve no limite entre o gozo e o sentido.
Referência: Seminário 15 - O Ato Psicanalítico
#psicanálise #lacan #ovidio #vasoqueverte #metamorfose #corpoepsicanálise #inconsciente #gozo #real #poesiapsicanalítica #clinicadapalavra #sujeitolacaniano #textopsicanalítico #universopsicanalítico #psicanalistabrasileira #filosofiaepsicanálise #corpoesimbolismo #dorquesetransforma
Nenhum comentário:
Postar um comentário