quinta-feira, agosto 21, 2025

NO PAÍS DE JOSÉ PAULO PAES

 Miguel Sanches Neto



A voz era grossa e compassada. Movia-se com calma, ultimamente ajudado por uma bengala, como um grande animal mítico nos campos sagrados do Senhor.


Para nos receber em seu escritório, que ficava no fundo do quintal, fazia-nos cruzar a cozinha. Isso dava à visita, principalmente a quem conhecia a carga simbólica da cozinha nos hábitos da província, a certeza de ter franqueado o coração da casa.


Um ou outro gato, acolhido por Dora, a diligente companheira, se espreguiçava no pequeno jardim protegido por altos muros. Longe, na avenida, movimentavam-se as águas do trânsito em seu burburinho contínuo.


No escritório, móveis e livros tudo transpirava uma tranquilidade do sem tempo. A conversa nunca era exaltada, nem havia farpas vibrando no ar. Com sua voz franca, o poeta iluminava a tarde.


Depois, quando nos conduzia de volta ao portão, nós nos víamos órfãos na grande avenida barulhenta — como se, expulsos do tempo sem margens, caíssemos numa prosaica realidade.

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