domingo, julho 13, 2025

POUCOS SABEM, MAS EXISTE UM BAOBÁ NO RECIFE. João Cabral de Melo Neto

Existe um baobá no Recife,

árvore de alguma semente

caída de um vago botânico,

de seu bauzinho de flandres.

(Daqui decerto levou plantas

mais úteis que o pouco que rende

o baobá que dá sombra à praça

de quase nenhum transeunte.)


*


Esse baobá, que por acaso

cresceu em terreno de mangues,

pôs-se a florir pernambucano

como florescemos caçanje.

Cá, floresceu em recifense,

com esse sotaque, esse dengue,

que fala quem cresceu na lama

ou a deixou filtrar-se no sangue.


*


Como, do Sahel, ele pode

a alma úmida do recifense?

Pois como mangueira ou jaqueira

fala a mesma língua da gente:

que é enfolhando a cabeleira,

dando essa sombra inutilmente

à rede que não se ousa armar

frente às janelas presidentes.


João Cabral de Melo Neto


*


Os baobás são do Sahel seco.

O nosso leva a vida que antes

baobá não viveu, pois dá sombra

(o que não deu nenhum parente).

No Sahel, é uma árvore calva.

É sem copa seu grande ventre.

Só no Recife pôde ser

antibaobá, ou idealmente.

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