Existe um baobá no Recife,
árvore de alguma semente
caída de um vago botânico,
de seu bauzinho de flandres.
(Daqui decerto levou plantas
mais úteis que o pouco que rende
o baobá que dá sombra à praça
de quase nenhum transeunte.)
*
Esse baobá, que por acaso
cresceu em terreno de mangues,
pôs-se a florir pernambucano
como florescemos caçanje.
Cá, floresceu em recifense,
com esse sotaque, esse dengue,
que fala quem cresceu na lama
ou a deixou filtrar-se no sangue.
*
Como, do Sahel, ele pode
a alma úmida do recifense?
Pois como mangueira ou jaqueira
fala a mesma língua da gente:
que é enfolhando a cabeleira,
dando essa sombra inutilmente
à rede que não se ousa armar
frente às janelas presidentes.
João Cabral de Melo Neto
*
Os baobás são do Sahel seco.
O nosso leva a vida que antes
baobá não viveu, pois dá sombra
(o que não deu nenhum parente).
No Sahel, é uma árvore calva.
É sem copa seu grande ventre.
Só no Recife pôde ser
antibaobá, ou idealmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário