sexta-feira, janeiro 10, 2025

TEATRO DE ARENA. Gilberto Mendonça Teles

Estou desempenhando o meu papel-

carbono: aqui está o seu nome

como uma tatuagem no meu peito.

Aqui, o acetinado para as suas mãos

e o aéreo para uma viagem clandestina.


Já fui como um papel almaço

muito bem pautado e com margens

para as emendas e correções.


Amanhã serei algum papel de embrulho

se não for um desses papéis de oficio

com timbre e protocolo para comunicar

oficialmente a seu marido


que entrei em gozo de férias

ou de licença-prêmio com você.


Hoje eu sei me transformar

nos papéis mais difíceis:

ser bufão como um papel bouffant,

faminto como um papel de arroz,

discreto como um papel de alcova,


fino como um papel de linha,

sensual como um papel de rolo

para as nossas abluções.

Mas também um autêntico linha-d’água

só para ver você na contraluz.


Já representei papéis estrangeiros:

China, Índia, Holanda, Japão.

Você pode fazer de mim o seu correio,

o seu papel-moeda ou papelão.


Quando você me receber, não me olhe de soslaio,

apesar de ser muito bonita esta palavra.

Me olhe de banda, que é a coisa mais linda,

e me guarde no bolso da calça, bem em cima

daquele sinal na coxa esquerda.

Depois, antes que alguma coisa aconteça,

me tire da cabeça.


Um dia,

quando a roupa voltar da tinturaria

e este poema perder seu significado,

você me encontrará todo enrugado:


— Que papel será este? E por capricho

me deitará no lixo.

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