Numa tarde de fim do ano de 1962, uma turma se reuniu, com ânimos exaltados, no Terreiro de Jesus, em frente à Escola de Medicina, onde estava sendo divulgada a relação dos aprovados no Vestibular daquele ano. Já tendo sido aprovado na Escola Baiana de Medicina, que era particular, eu, com a cabeça raspada, vivia um momento de dúvida e incerteza, que me deixava com um frio na barriga. Se fosse reprovado ali, teria que cursar em uma escola paga, com maior dificuldade para meus pais, que tinham uma família numerosa para educar. Com a sala de entrada da escola lotada, fiquei sem coragem de enfrentar a multidão, todos céticos e nervosos, para conferir o resuntado. Pedi, então, a um amigo, João Emílio, que já sabia seu resultado, por meio de seu irmão mais velho, e demonstrava contentamento com sua aprovação, que pedisse para verificar se meu nome constava da lista. Quando ele voltou, me abraçou, e confirmou minha vitória; quase desmaiei de júbilo, na maior alegria da minha vida, uma conquista totalmente incerta. Imediatamente elevei ao Pai minha gratidão pelo esforço compensado de um ano inteiro de intensa preparação, me sentindo aliviado daquela tensäo avassaladora, sentindo que naqule momento estava sendo decidido o meu futuro, da melhor maneira possível. Uma leve sensação de tristeza senti, por alguns colegas do cursinho que não lograram êxito. Em seguida, me dirigi ao correio, para telegrafar para meus pais, que, com certeza, ficariam tão alegres quanto eu.
O ano de 1963 me trouxe grandes mudanças. Com minha boina verde, orgulhoso e cheio de otimismo, iniciei meus estudos na faculdade. Professores novos, turma grande, novos colegas. Em anatomia tinhamos o famoso Professor Rafael (Fafá), orgulhoso e prepotente, mas competente, exigia que todos se levantassem ao entrar na sala de aula e não dispensava as palmas no final. As aulas práticas, com o Professor Bororó, de profunda sapiência e grande didática, com seu ajudante, Ralf, um preto alto, gozador, que se exibia para os calouros, como conhecedor das diversas peças anatômicas, quer fosse osso, músculo, artéria, veia ou nervo. Na química orgânica, o Professor Trípoli, estatura mediana, um pouco gordo, face arredondada e alegre, proferia as aulas com clareza, despertando em todos intersse pela matéria. A Histologia ficava a cargo do Professor Tulio Miraglia, baixo, franzino, rosto oval, olhos escuros, óculas redondos, e um bigode bem cuidado, profundo conhecedor da matéria, consegua que todos se interessasem e aprendessem com facilidade. As aulas práticas, com rãns descerebradas e dissecadas, permitiam, com uso do microscópio, o estudo da circulação no intestino e das diferentes células dos tecidos. A Física, matéria mais difícil, ia nos introduzindo na matemática do funcionamento do nosso organismo.
Assim, íamos descobrindo um mundo novo, mágico e fascinante, que iria se prolongar até o fim do curso, no sexto ano, quando estaríamos preparados para colocar o anel no dedo e receber, das mãos do Dr. Rodrigo Bulcão D’Argolo Ferrão, o tão sonhado e precioso canudo.
A convivência e a amizade com os colegas fez com que muitos se considerassem como verdadeiros irmãos.
Edmilson Rocha, 10/2024
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