quarta-feira, fevereiro 23, 2022

Por que não sou cirurgião. Charles Fonseca

POR QUE NÃO SOU CIRURGIÃO

Charles Fonseca


Quinto ano de medicina. Vagueava absorto nos corredores do Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia. Num dia, de cara amarrada, perguntei a um passante onde ficava determinado lugar. Prontamente me ensinou e, com visão clínica, me perguntou se estava precisando de alguma coisa. Era o Dr. Álvaro Rabello. Lhe disse que estava me sentindo perdido naquela hospital sem uma orientação da estrutura e o que ele me poderia oferecer.

- Venha visitar a nossa Clínica Propedêutica Cirúrgica. Todos os dias fazemos visita clínica às enfermarias, supervisionando e ensinando aos internos e médicos residentes. Detonou a bolha. Passei a frequentá-la, trabalhei como estagiário em pesquisa clínica e me capacitei já no sexto ano a ser considerado o melhor interno candidato à vaga de Médico Residente em Cirurgia: "grande capacidade para o trabalho, invulgar senso de responsabilidade, inteligência e seriedade de propósitos" dizia a carta de recomendação do Professor Dr. Jones Seabra, titular da Cátedra.


Mas a vida é real e tem viés. Pai desempregado fazendo bico numa banca de jornal. Mãe funcionária dos Correios. E cinco irmãos. Eu era o mais velho. Caí no mercado de trabalho e durante sete anos, direta ou indiretamente provi a casa com 70% dos meus rendimentos. Aos 31 anos mudei de estado civil. Só não obteve conclusão de curso universitário quem não quis ou não pôde.

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