sábado, fevereiro 26, 2022

MANUEL BANDEIRA. Sophia de Mello Breyner Andresen. 88

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

 



MANUEL BANDEIRA


Este poeta está
Do outro lado do mar
Mas reconheço a sua voz há muitos anos
E digo ao silêncio os seus versos devagar

Relembrando
O antigo jovem tempo quando
Pelos sombrios corredores da casa antiga
Nas solenes penumbras do silêncio
Eu recitava
«As três mulheres do sabonete Araxá»
E minha avó se espantava

Manuel Bandeira era o maior espanto da minha avó
Quando em manhãs intactas e perdidas
No quarto já então pleno de futura
Saudade
Eu lia
A canção do «Trem de ferro»
e o «Poema do beco»

Tempo antigo, lembrança demorada
Quando deixei uma tesoura esquecida nos ramos
                                               [ da cerejeira
Quando
Me sentava nos bancos pintados de fresco
E no Junho inquieto e transparente
As três mulheres do sabonete Araxá
Me acompanhavam
Tão visíveis
Que um eléctrico amarelo as decepava.

Estes poemas caminharam comigo e com a brisa
Nos passeados campos de minha juventude
Estes poemas poisaram a sua mão sobre o meu
                                                 [ ombro
E foram parte do tempo respirado.

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