Ana Rüsche |
|
LUGAR COMUM 10: SALOMÉ
E ela dança.
Seus guizos ainda molhados,
olhos de cocaína e peito
arfando. E ela brada:
— Tragam-me a cabeça de João Baptista!
Trouxeram-lhe na bandeja de prata, os cabelos de mendigo escorriam na palidez arroxeada dos anjos decepados.
Anticlímax e luzes brancas no palco. Algum espectador tossiu, sacos de pipoca.
E por não haver palavras suficientes, inventou-se o beijo:
Cravo com ódio os lábios naquela boca de impropérios.
E ela suga — os lábios duros com o resto da última saliva,
a língua do morto solta como pedra forrada de veludo.
Ela acaba e olha ao redor.
Salomé em luz, com o vestido branco pela lua falsa, com a cabeça horrenda a escorrer pela mão.
E por não haver palavras suficientes, os aplausos vieram:
No início a balir como rebanho lerdo, depois exultantes, o exército de mãos brancas, ante a plasticidade romântica da cena.
E ela dança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário