Wikipedia

Resultados da pesquisa

Digite uma só palavra no espaço em branco abaixo

domingo, maio 30, 2021

LUGAR COMUM 10: SALOMÉ. Ana Rüsche

 

Ana Rüsche

 

 

LUGAR COMUM 10: SALOMÉ

E ela dança.

Seus guizos ainda molhados,
olhos de cocaína e peito
arfando. E ela brada:
— Tragam-me a cabeça de João Baptista!

Trouxeram-lhe na bandeja de prata, os cabelos de mendigo escorriam na palidez arroxeada dos anjos decepados.

Anticlímax e luzes brancas no palco. Algum espectador tossiu, sacos de pipoca.
E por não haver palavras suficientes, inventou-se o beijo:

Cravo com ódio os lábios naquela boca de impropérios.

E ela suga — os lábios duros com o resto da última saliva,
a língua do morto solta como pedra forrada de veludo.
Ela acaba e olha ao redor.

Salomé em luz, com o vestido branco pela lua falsa, com a cabeça horrenda a escorrer pela mão.
E por não haver palavras suficientes, os aplausos vieram:

No início a balir como rebanho lerdo, depois exultantes, o exército de mãos brancas, ante a plasticidade romântica da cena.

E ela dança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário