sexta-feira, novembro 27, 2020

ODE SOBRE UMA URNA GREGA. John Keats. Poesia

 

John Keats

 





ODE SOBRE UMA URNA GREGA

                    Tradução: Augusto de Campos

I

Inviolada noiva de quietude e paz,
   Filha do tempo lento e da muda harmonia,
Silvestre historiadora que em silêncio dás
   Uma lição floral mais doce que a poesia:
Que lenda flor-franjada envolve tua imagem
   De homens ou divindades, para sempre errantes.
      Na Arcádia a percorrer o vale extenso e ermo?
Que deuses ou mortais? Que virgens vacilantes?
   Que louca fuga? Que perseguição sem termo?
      Que flautas ou tambores? Que êxtase selvagem?


II

A música seduz. Mas ainda é mais cara
   Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom;
Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara,
   O supremo saber da música sem som:
Jovem cantor, não há como parar a dança,
   A flor não murcha, a árvore não se desnuda;
      Amante afoito, se o teu beijo não alcança
A amada meta, não sou eu quem te lamente:
   Se não chegas ao fim, ela também não muda,
      É sempre jovem e a amarás eternamente.


III

Ah! folhagem feliz que nunca perde a cor
   Das folhas e não teme a fuga da estação;
Ah! feliz melodista, pródigo cantor
   Capaz de renovar para sempre a canção;
Ah! amor feliz! Mais que feliz! Feliz amante!
   Para sempre a querer fruir, em pleno hausto,
      Para sempre a estuar de vida palpitante,
Acima da paixão humana e sua lida
   Que deixa o coração desconsolado e exausto,
      A fronte incendiada e língua ressequida.


IV

Quem são esses chegando para o sacrifício?
   Para que verde altar o sacerdote impele
A rês a caminhar para o solene ofício,
   De grinalda vestida a cetinosa pele?
Que aldeia à beira-mar ou junto da nascente
   Ou no alto da colina foi despovoar
      Nesta manhã de sol a piedosa gente?
Ah, pobre aldeia, só silêncio agora existe
   Em tuas ruas, e ninguém virá contar
      Por que razão estás abandonada e triste.


V

Ática forma! Altivo porte! em tua trama
   Homens de mármore e mulheres emolduras
Como galhos de floresta e palmilhada grama:
   Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas
Tal como a eternidade: Fria Pastoral!
   Quando a idade apagar toda a atual grandeza,
      Tu ficarás, em meio às dores dos demais,
Amiga, a redizer o dístico imortal:
   "A beleza é a verdade, a verdade a beleza"
      — É tudo o que há para saber, e nada mais.




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