sexta-feira, novembro 06, 2020

NÃO MAIS. Czeslaw Milosz. Poesia

 NÃO MAIS


Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.

Se eu pudesse descrever as cortesãs
De Veneza, como incitam com uma vareta o
                                          [ pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se
                                          [ abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das
                                          [ galeotas
Arribadas àquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus
                                          [ pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe
                                          [ o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro
                                          [ pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera
                                          [ pela luz
Não duvidaria. Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.

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