terça-feira, outubro 20, 2020

Poema de cem faces. Cem Poetas. Poesia

 

Poema de cem faces

Cem Poetas*

 



Aquele rio
era como um cão sem plumas.

Ó máquina, orai por nós.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas.

Nós merecemos a morte,
porque somos humanos.

Todos, todos estão dormindo na colina.

Por que não dizer baixinho, como quem reza:
— Ó doce e incorruptível Aurora...

Estou sozinho na praia...
Ó mundo, vamos dançar!

O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!


lamente
uma
       vez

Minha alma se tornou profunda como os rios.

Pensem nas feridas
Como rosas cálidas

Meus olhos marinheiros
Pressentiram o desastre.

De onde vem essa
chuva trazida
na ventania?

Agora vire a página e olhe o anjo que ele
                                                 [ possuiu,
veja esta mantilha sobre este ombro puro

Ontem caminhei
Nos campos de chuva; hoje
chove dentro de mim.

Na gaiola cheia
(pedreiros e carpinteiros)
o dia gorjeia.

E eis que, dançando, saímos
além da sala e do tempo.

Eu boi.
Boi de mim mesmo.
Boi sonso.
Boi de canga.

Como te chamas, pequena chuva inconstante e
                                                 [ breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Tereza? Maria?

se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito

Pouco me importa.
Pouco me importa o quê? Não sei: pouco me
                                                     [ importa.

Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou.

Somos contos contando contos, nada.

A palavra passa
o gesto fica

Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono

a lua sobre o mar
era um sabre
aparando a água

A perfeição reside nos tumultos, nos
escombros, nas sinopses
de um homem

Dobram sinos
batem sinos
choram alguém?

A mãe faz tricô
O filho vai à guerra
Tudo muito natural acha a mãe

Palavra carece de pátria
lugar de raiz e eleição.

Mulher jovem corpulenta sem chapéu
de avental

um casal na noite
expande o vulto duro
de uma árvore

Mas para que serve o pássaro?
Nós o contemplamos inerte.

não há um
sentido único
num
poema

Cala, poesia,
A dor dos homens não se pode exprimir em
                                      [ nenhuma língua.

Meus pensamentos são meus camelos
Meus pensamentos são meus cavalos

Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

O ferro do despeito
vaza a sintaxe,
            fere e desnorteia

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança

Você não sabia? Deu no jornal:

amanheço todo dia nua e estreita
como uma rua de comércio

Aprende-se muito
com a ausência.

Por mais que eu me seqüestre, aquele rio me
                                                 [ retoma.

viver
é cobrir os outros
de cicatrizes
e ser coberto

Também não gosto.
    Lendo-a, no entanto, com total desprezo, a
                                [ gente acaba descobrindo
    nela, afinal de contas, um lugar para o
                                [ genuíno.

As testemunhas cegas da existência,
sempre a te olhar sem que você se importe,

O mundo começava nos seios de Jandira.

Para quem me queira ouvir:
Sou um homem aos frangalhos.

Descobre-se um amor
na iminência de perdê-lo.

E logo ela é só flama, inteiramente.

As garças não eram feitas: surgiam. Leves,
                                            feitas de vôo

os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

                                  Palavras, deixai-me
celebrar o vão movimento dos ponteiros do
relógio, os episódios vãos, a nossa morte.

As barcas afundadas. Cintilantes
Sob o rio. E é assim o poema. Cintilante
E obscura barca ardendo sob as águas.

E o homem disse: "As coisas tais como são

Se modificam sobre o violão".

este tiroteio de silêncios
esta salva de arrepios

pitangas no travesseiro,
cama com cheiro de fruta.

a poesia está morta

mas juro que não fui eu

O mais era morte e apenas morte

às cinco horas da tarde.

(O amor me busca

como um predador.)

O poema é antes de tudo um inutensílio.

O amolador de tesouras
atravessa a rua
atrás do assobio
                          do realejo.

Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.

O que esperamos na ágora reunidos?

      É que os bárbaros chegam hoje.

Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

               quis
mudar      tudo
mudei      tudo

Tive uma jóia nos meus dedos —
E adormeci —

Escrevem brancas palavras de um sal agudo
e triste. Dói olhar o mar de uma cadeira.

Virei no vento
Da primavera.
Em tua boca
Serei carícia,

Um pouco mais de sol 
 eu era brasa.
Um pouco mais de azul 
 eu era além.

Tygre! Tygre! Brilho, brasa
que a furna noturna abrasa,

A ceifeira espera
e sabe da hora
A ciência não

As folhas enchem de ff as vogais do vento.

Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

um
dois
três
o juro:o prazo

Na palma do vento
pouso a fronte. Nele confio.

Então, atiro sobre as palavras outras palavras,

Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões
As altas torres do meu coração exausto.

Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.

Lembro-me bem. A ponte era comprida,
E a minha sombra enorme enchia a ponte,

Tudo o que vejo engulo no mesmo momento
Do jeito que é, sem manchas de amor ou desprezo.

Dói o vôo cortante desta tarde.

Tenho a rua, findando em outra rua de músculo e trégua, tenho o braço-de-ferro.

       E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,
Nesta acumulação de corpos enfezados;

Talvez um lírio. Máquina de alvura
Sonora ao sopro neutro dos olvidos.

ir
pelo puro prazer
da paisagem

Há um tigre em casa
que dilacera por dentro aquele que o olha.

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu

Áspera guitarra rasga o ar da praça.
Há um pássaro parado na garganta de Carmen.

Ó solidão, minha mãe,
medusa erguida sem pai.

De novo me invade.
Quem? 
 A Eternidade.

o real me escapa,
paródia de labirinto.

De todas as perguntas,
só quero reter a centelha.

É leve a criatura vaporosa
Como a frouxa fumaça de um charuto.

Não é minha esta casa, aí entrarei no entanto.
Quebrarei o portão, marcharei entre as flores.

Ouça
as mãos
tecendo a língua
e sua linguagem

Daquele que amo
quero o nome, a fome
e a memória.

            Você é
            Testemunha —
            A pá é irmã do canhão.


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 * OS POETAS

Adélia Prado. Affonso Manta. Alberto Caeiro. Alexei Bueno. Alphonsus de Guimaraens. Alphonsus de Guimaraens Filho. Álvares de Azevedo. Ana Cecília de Sousa Bastos. Antonio Brasileiro. Antonio Carlos Secchin. Arthur Rimbaud. Augusto de Campos. Augusto dos Anjos. Betty Vidigal. Bueno de Rivera. Carl Sandburg. Carlito Azevedo. Carlos Drummond de Andrade. Carlos Pena Filho. Carpinejar. Casimiro de Brito. Cassiano Ricardo. Cecília Meireles. Cesário Verde. Charles Baudelaire. Dalila Teles Veras. Dante Milano. Décio Pignatari. Donizete Galvão. Dora Ferreira da Silva. Edgar Lee Masters. Eduardo Lizalde. Elizabeth Bishop. Emílio Moura. Emily Dickinson. Erorci Santana. Fabio Weintraub. Federico García Lorca. Fernando Paixão. Florisvaldo Mattos. Fred Souza Castro. Guilherme de Almeida. H. Dobal. Haroldo de Campos. Henriqueta Lisboa. Hilda Hilst. Iacyr Anderson Freitas. Ieda Estergilda de Abreu. Jacques Prévert. João Cabral de Melo Neto. João Camilo. Joaquim Cardozo. Jorge de Lima. José Paulo Paes. Konstantinos Kaváfis. Langston Hughes. Luís Vaz de Camões. Manoel de Barros. Manuel Bandeira. Maria Esther Maciel. Maria Lúcia Martins. Marianne Moore. Mário Chamie. Mário de Andrade. Mário de Sá-Carneiro. Mario Quintana. Mauro Mota. Murilo Mendes. Myriam Fraga. Nauro Machado. Nuno Júdice. Orides Fontela. Paul Verlaine. Paulo Ferraz. Paulo Henriques Britto. Paulo Leminski. Rainer Maria Rilke. Renata Pallottini. Reynaldo Damazio. Ribeiro Couto. Ricardo Rizzo. Roberval Pereyr. Rosana Piccolo. Ruy Espinheira Filho. Ruy Proença. Sá de Miranda. Salgado Maranhão. Sergio Cohn. Sônia Régis. Sophia de Mello Breyner Andresen. Sosígenes Costa. Sylvia Plath. Tarso de Melo. Vera Lúcia de Oliveira. Vinicius de Moraes. Wallace Stevens. William Blake. William Carlos Williams.

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