sexta-feira, outubro 23, 2020

A mulher. Dostoiévski

 "Em primeiro lugar a mulher, por assim dizer, é um ser humano, como se diz em nossos dias, humano, viveu muito, muito, e por fim cansou de viver. Outrora teve filhos, marido, família, parentes, tudo isso ao seu redor, por assim dizer, fervendo, todos esses, por assim dizer, sorrisos, e de repente - não dá mais, tudo entra pelo cano, ela ficou só, como... uma mosca qualquer, carregando nos ombros a maldição do século. E eis que finalmente Deus a levou ao fim. Em um pôr do sol numa serena tardinha de verão, também a minha velha bate asas - claro que aí não sem uma ideia moralizante; e eis que nesse mesmo instante, em vez da lágrima, por assim dizer, de despedida, o sargento-mor jovem, desesperado, tomado de espanto, a acompanha da superfície da terra com os tradicionais e desmedidos xingamentos russos por causa da sopeira desaparecida! Não há dúvida de que eu sou o culpado, e embora eu veja de muito longe o meu ato, pela distância dos anos e pela mudança da minha própria natureza, como um ato estranho, ainda assim continuo a lamentar. De a sorte que, repito, acho até estranho, ainda mais porque, se é que sou culpado, não o sou de modo absoluto: por que ela achou de morrer justamente naquele momento?" - O idiota - Dostoiévski

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