RETRATO DE FAMÍLIA
Ana Santos
O avô finge ler contos de fadas,
um volume pesado e púrpura
que ele aproxima
dos olhos iletrados. Girassóis nascem
das mãos da avó, virados para o leste.
Na cadeira de vime, tia Sybille come
doces, os papéis coloridos
sobre ventre e pernas: uma rainha
em seu trono. Anton puxa as tranças
de Johanna, cobiçando-lhe as asas
de frango; entre os dois, o cão espera
os ossos novos.
Saias secam no varal. Uma libélula
invade a cena. Tio Otto exibe amoras
e sapatos de verniz. Descalço, meu pai
me leva nas costas, não me deixa
cair. A luz recorta e guarda
o rosto de minha mãe.
***
“O breu consome tudo”, disse a avó
naquela manhã; consumiu também
aquela manhã. O açúcar não adoça
a língua amarga do tempo.
Num poço fundo, afogam-se
as fadas dos contos. Tombadas
casa e amoreira, nada resta
nesse chão de ervas daninhas.
(Se alguém escavasse
o quintal da infância, acharia ossos
de aves e cães, uns brinquedos
terrosos, o corpo desfeito
de um fantoche antigo.)
Os mortos ignoram sua força,
a vida que gravam nos retratos.
Sorríamos, e a noite maior
já se formava (o fim de cada um
vedado aos sais de prata):
em pleno ocaso, reluzimos
mais que sóis.
domingo, abril 26, 2020
RETRATO DE FAMÍLIA. Ana Santos
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