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sexta-feira, maio 26, 2017

GARÇAS
Maria Lúcia Martins

Antes não havia garças. (Antes
dos ventos).
Restos de estrelas navegavam a noite
(a nuvem escura)
e se alvejavam em seixos e ossos.
À mesma noite
acrescentam-se sombras: eram as penas
e a plumagem.
As garças não eram feitas: surgiam. Leves,
feitas de voo
(o voo primeiro). Garças de asas
emendadas em asas,
as garças passam penhascos, além,
os prados cinza.
O verde inda é longe. Longe, as aves
adivinham a terra.
As garças descem (como atraídas) e
sentem a primeira
sede. A água compreendida pela
sede. Jamais
a informação da água: as garças gestadas
de puro voo.

Nos ventos, o olhar enfastiou-se.
As garças buscam clarão de madrugadas
(ou de crepúsculos: nenhum sinal
por distinguir a cor das horas).
As garças pisam areias virgens
(imprimem sua chegada: a cruz aberta)
beiras de charcos, beiras de lagos,
restos de mar incendiados ao meio-dia.

Às vezes, as garças se animam
com o assovio dos ventos chamando
a noite. E dançam. Dançam o passado
cravado às asas. Nunca procuram
caminhos de volta: foram apagados.

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