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terça-feira, fevereiro 09, 2016

A psiquiatria e o hospital psiquiátrico tem mais é de acabarem mesmo. Marcelo Caixeta

Não resta a menor dúvida, para ninguém, que a IstoÉ, hoje, é uma revista anti-esquerdista. No entanto, vejamos um fato curioso que aparentemente derruba esta informação : em sua edição de 10.fev.16, a coluna “Brasil Confidencial”, da repórter Débora Bergamasco ( da qual reproduzo pequena parte na ilustração ), ocupa uma tira vertical de página inteira para ripar o atual coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, nunca empossado, pelo jeito só porque é médico, é psiquiatra, só porque já foi diretor de um “abominável” hospital psiquiátrico ( que a autora, assim como os esquerdistas-corporativistas-coitadistas, optam por propalar, prejorativamente, como “manicômios”). Tudo é muito bem escondido nas entrelinhas, é claro. Vejamos:
1/ a autora grifa o nome do “psiquiatra” ( sim, faz também questão de dizer esta “abominável” palavra ) em negrito, assim como também , logo abaixo, faz questão de também grifar em negrito – “o maior manicômio da América Latina” - também o hospital onde trabalhou. Mais “propaganda subliminar” do que isto, impossível. Mas não acaba por aí, tem muito mais.
2/ a reportes ( jornalista ?) continua destilando seu veneno subliminar : logo após o negrito “MAIOR MANICÔMIO”, ela diz : “interditado”, “denúncias”, “violações de direitos humanos”.
3/ Para mostrar a “força coletiva” antipsiquiátrica, a autora diz : “mais de 600 entidades assinam manifesto”.
4/ Diz que “preparam um dossiê de memória e da verdade” sobre o tratamento dado a 70 anos de funcionamento do MANICÔMIO no Rio.
5/ Continua a coluna da revista : o grupo que invadiu o Ministério da Saúde, há quase 2 meses, só sai quando vencer o atual ministro ( PMDB ) da saúde, “coincidentemente” também psiquiatra, Marcelo Castro. Não se leva em conta que o atual ministro, no que pese o estigma e a “delinqüência” de ser psiquiatra, possa estar com boas intenções para os cofres públicos : estancar a sangria de recursos para centros governamentais antipsiquiátricos que só tem feito aumentar as estatísticas de doenças psiquiátricas : suicídios, homicídios, mortes nas ruas, encarceramento de doentes mentais, toxicomanias, “loucos nas ruas”, infanticídios, overdoses, etc. Não que a hospitalização psiquiátrica maciça seja a solução para nada; como tudo , em medicina, só tem razão de ser para diagnóstico e tratamento especializado e complexo. Mas, pelo menos, que se mostre então, cientificamente, estatisticamente, que a atual política antipsiquiátrica dos centros governamentais têm razão de continuar sorvendo bilhões dos cofres públicos, num momento em que falta dinheiro até para a merenda das criancinhas. Não se diz, nem na IstoÉ, nem em momento algum, que a relativa retirada de força e poder de décadas, dos antipsiquiátricos no Ministério da Saúde, possa ser uma estratégia plausível de Marcelo Castro : tudo tem de ser escamoteado para mostrar só seu abominável lado “médico”, lado “´psiquiátrico”, lado “pró-manicômio-particular-de-70-anos-de-tortura”.
6/ A revista continua sua peçonha antipsiquiátrica : Só desocuparão o Ministério, continua a coluna, quando Dilma nomear, é claro, um antipsiquiatra, diz a reportagem “identificado com as políticas antimanicomiais”.
7/ E, para fechar sua tese do apoio coletivo-social-esquerdista- coitadista-antiautoritarista-governamental aos anti-hospitais-psiquiátricos, a autora diz que a política antimanicomial é bem chancelada pelas Conferências Nacionais de Saúde.
Eu particularmente já considero a batalha do nome da psiquiatria perdido no Brasil- portanto que meus contendores sorvam , felizes e calmos, a doce taça da vingança contra o médico.... Assim como o “hospital psiquiátrico”, já sou cachorro-morto que, sadicamente, pode ser alegremente pisado e cuspido, vocês venceram ....
Quanto aos hospitais psiquiátricos, nem preciso dizer nada : já estão quase todos fechados mesmo ( 95% em 10 anos ) , apesar de, -na surdina, como se procura uma prostituta na escuridão- nós, psiquiatras hospitalares, fomos transformados nas Genis do sistema judiciário, delegados, pronto-socorros, ambulâncias de convênios médicos, etc, que vivem nos IMPLORANDO por vagas psiquiátricas. Estes, no entanto, sobretudo o sistema judiciário-ministério público-setor público da saúde, para não dizer usuários e familiares, jamais vêm em nosso socorro dizer : “peraí, hospitalização psiquiátrica, assim como qualquer hospitalização médica, ainda é necessária, tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento”.
Quando o problema não ocorre dentro de casa, todos têm algum motivo para negar a hospitalização psiquiátrica. Vejamos :
a/ Entidades religiosas : precisam açambarcar fiéis dizendo que “depressão não é problema médico, é problema espiritual”. Todas as religiões, a começar da Cientologia do Tom Cruise, passando pelas evangélicas, católicas, e até espírita ( da qual sou adepto ), adoram negar o fato do adoecimento cerebral com repercussão mental. Estes dias li em folders e banners numa livraria espírita, Chico Xavier, em Caldas Novas : “depressão é problema fácil de resolver”, “não se entregue à medicações alopáticas”, “a cura é espíritual”, etc.
b/ Pacientes psiquiátricos, sobretudo aqueles menos graves, que têm um problema de personalidade ou temperamento, odeiam a psiquiatria, o médico, o hospital, pois estes “restringem sua criatividade”, “sua capacidade de amar”, querem tolhê-los, prendê-los, dopá-los. Tão logo quando melhoram de seus surtos são os melhores antipsiquiatras que existem. É claro, são cheios de história, sobretudo de “médicos e hospitais frios e desumanos” ( que, exatamente por serem tão desvalorizados, não recebem o suficiente para darem um atendimento mais “humano” para seus clientes ).
c/ Estes pacientes acima são usados como “massa -de-manobra” ideal ( assim como os universitários para o esquerdismo ) para as lutas “antipsiquiátricas”. São massa-de-manobra fundamentalmente para os grupos de pressão corporativa-profissional para o aumento de vagas de emprego nos centros psicossociais do Governo. Aqui entra também o viés “feminista” da luta contra o “falo” do abominável “homem-frio-ganancioso- psiquiatra”, pois a maioria dos funcionários destes centros é de mulheres , e , para uma mulher, é bem mais fácil ser “antiautoridade” do que para um homem.
d/ Ser “anti-psiquiatra”, ser “anti-hospital”, “anti-prisão”, “anti-manicômio”, ser “anti-retirar-a-pessoa-do-convívio-social”, “anti-truculência-masculina-capitalista”, tudo isso é, hoje, tão “na moda” quanto ser pró-direitos humanos, pró-direitos dos animais, pró-defesa-do-verde, pró-defesa-das-vítimas-da-pedofilia, pró-crianças-exiladas-mortas-nas-prais-da-Europa, etc. Não há como não ser tudo isso, é o completo “espírito dos tempos” e ninguém está fora dele. Esta é uma agenda tão poderosa que, como mostra a revista IstoÉ - repetindo, notoriamente de direita - ultrapassou e venceu a pretensa rejeição da ideologia esquerdista ( provavelmente nem a revista se deu conta de que está fazendo uma apologia governista ). Quem não tem alguém muito próximo, tipo um parente, um amigo, uma namorada, um fiel da Igreja, um ativista pelos direitos humanos, um estudante de psicologia, sociologia, filosofia, serviço social, um pastor, um médium, etc, que estão cheios de “razão anti-psiquiátrica” de ser ?
d/ Vejam bem, só até aqui, já temos fortíssimos grupos de pressão anti-médico-psiquiátrico : o esquerdismo ( para quem é importante acabar com a “iniciativa privada dos hospitais psiquiátricos” ), o governismo ( para quem é importante acabar com redes privadas para aumentar o poder de contratação no Estado e o poder da “saúde pública” face à “saúde privada” ), o feminismo ( para quem é importante “fincar o pé” contra a autoridade fálica ), os coitadinhos ( que tem de ser protegidos da sanha dos capitalistas, da sanha dos frios, truculentos, torturadores ), a imprensa ( que tem de jogar para toda esta galera aí acima ), os poderes constituídos, executivo, judiciário, legislativo, promotores, etc ( que têm de fazer seus cabides-de-emprego, seus currais-eleitorais, seus “fãs-que-adoram-as-ações-politicamente-corretas-justificando-assim-altos-cargos-altos-salários” ), os convênios médicos ( para quem é muito interessante negar a necessidade da hospitalização psiquiátrica para baixar custos : “manda todo mundo para a “fazendinha-clínica-religiosa de recuperação” ) . Há também o fortíssimo corporativismo, para o qual seria muito interessante se a psiquiatria desaparecesse da face da Terra, como vem acontecendo nos EUA, onde , p.ex., psicólogos, já viraram psiquiatras forenses, já prescrevem medicações, avaliam e solicitam exames médicos, internam, dão alta, etc. É até paradoxal falarem tanto contra a “dopação psiquiátrica” e depois, como nos EUA, como aqui no Brasil, numa lei de autoria da senadora-psicóloga Marta Suplicy, reivindicarem o “poder médico” de prescreverem as mesmas abomináveis drogas... Como se vê , é muito importante, e para muita gente, que a psiquiatria desapareça, e ela vai desaparecer, creia-me. Ela, hoje, é o “contrário de tudo que aí está”, não há prognóstico...
e/ Portanto, caro leitor, é inimigo demais, a psiquiatria não agüenta, não vai agüentar, por isso, como eu disse acima, estou “jogando a toalha” de ser psiquiatra, e se depender de mim, nenhum hospital mais se intitula “hospital psiquiátrico” ( diga-se : “manicômio” ). Você vai ser psiquiatra e trabalhar em hospital psiquiátrico para quê ? Para fugirem de você ? Para o paciente dizer que o hospital onde você trabalha “parece hospital mesmo e não aqueles manicômios veiculados no filme do “Bicho-de-Sete-Cabeças?” Para o paciente que você cuida com o maior carinho e atenção virar e dizer : “Que não sei porque me trouxeram em você , aqui neste hospital, pois tenho problema no cérebro, é coisa neurológica, não sou louco, não sou delinqüente para ficar preso, não tenho desvio de caráter para ter privação de liberdade deste jeito” ? Não é tudo mais fácil dizer que você é um “médico do cérebro” e que trabalha em um hospital de “doenças do cérebro?”.
e/ E é muito fácil para todos estes aí acima serem antipsiquiatras, pois a doença psiquiátrica não sangra; não se “morre” de doença psiquiátrica : suicídio, homicídio, mutilações ( auto e hetero ), overdose, cirrose, hepatite, afogamento, atropelamento, acidente automobilístico, AVC, convulsão, arritmia, tudo isto é “conseqüência” ( quase nunca vista ) da doença mental, mas não “é” a doença mental. Ninguém, portanto, morre ou se seqüela de doença psiquiátrica, por isto é muito fácil, facílimo, acabarem com a especialidade, como vem acontecendo e vai continuar acontecer. Asfixiados desse jeito, não há defesa possível para o psiquiatra, a psiquiatria e seu hospital.
f/ Os próprios médicos já jogaram a toalha, e por vários motivos. Algumas especialidades médicas adorariam ver o fim da psiquiatria. Um exemplo, uma porcentagem esmagadora de doentes “neurológicos”, na verdade, padecem de problemas psiquiátricos ( e para estes, há a feliz associação do profissional médico-não-psiquiatra com a profissional não-médica, sobretudo psicóloga ). É uma vertente que favorece aos dois, tanto médicos quanto não-médicos, para o fim-da-psiquiatria.
g/ Outra vertente : as próprias entidades psiquiátricas ( como “toda” boa entidade médica ) engalfinham-se entre si, médicos são os maiores inimigos de si mesmos. Já vi associações psiquiátricas fazerem até homenagens públicas repetidas para os anti-manicomiais que vivem com a faca em suas costas. Mas, para muitos psiquiatras, muitos à cabeça de instituições, é muito importante serem “amigos” de profissionais que verdadeiramente conversam com seus pacientes, pois estes lhes encaminham para a “sedação” ( olha o dindin aí ), do mesmo modo que eles, psiquiatras, têm de “dopar” e encaminhar para alguém fazer o “serviço humanizado” para eles ( “eu não converso, quem conversa é a psicóloga”). É , importante, portanto, dentro da própria psiquiatria, ser “humanista”, “jogar para a galera”, mesmo que , com isto, tenha de destruir a própria atividade profissional e os próprios locais de trabalho. Se o psiquiatra é um "mero prescritor de remédios para o cérebro" ( perdeu sua função humanística-psicoterápica ) , não é muito melhor ir no neurologista, pois afinal o "médico do cérebro não é ele?". E, não se preocupem, a própria medicina já preparou “nomes” para renomear a prática psiquiátrica dentro da medicina, p.ex., “neurologia cognitiva”, “neurologia comportamental”, “neuropsicologia”, “pediatria do desenvolvimento e do comportamento”, “psicologia médica”, “psicossomática”, etc, etc, e por aí vai...
Como eu já disse lá em cima, não escrevo tanta coisa para defender um cadáver, portanto não tenho esperanças de melhora nem da psiquiatria, do psiquiatra ou do hospital psiquiátrico. Escrevo por mero exercício intelectual, pelo “prazer lógico” de mostrar à jornalista (?) de IstoÉ que há muuuuuito mais coisa por debaixo da manifestação em sua coluna do que mostra sua horizontalidade superficial ( isto apesar de ser uma coluna vertical que pega a página inteira ).
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Marcelo Caixeta é médico, "especializado em doenças cerebrais, trabalha em hospital especializado em doenças cerebrais".

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