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terça-feira, novembro 03, 2015

Homossexualidade. Bipolaridade. Marcelo Caixeta

Sou um doente psiquiátrico, sou um "doente sexual". Não me sinto diminuido por isto. Por que tantos se sentem?
Marcelo Caixeta,médico psiquiatra.


Nos últimos artigos, sobre aspectos biológicos, psicológicos e sociológicos da transexualidade, a inteligente e esclarecedora transgênero B.C. nos mostrou que sofreu e sofre muito preconceito, e julga que “ser diagnosticada por psiquiatras” é um deles. De fato, a sociedade tem de dar a mão à palmatória e confessar que tem preconceitos não só contra transexuais, mas contra o fenômeno “homossexualidade” de um modo geral. Isto tem raízes psicopatológicas profundas : uma delas advêm do fato dos homens terem verdadeiro horror ao sentirem-se penetrados passivamente, analmente, por outro. Para eles é um misto de “nojo anal”, sentimento de humilhação, de fraqueza, de “sujeira”, de submissão a outro mais forte, a outro dominador. O “dominar”, o “ser o forte”, o “ativo”, o “altivo”, faz parte da psicologia masculina profunda, e a penetração anal anula escandalosamente este fantasma. Submeter-se “femininamente” a outro, causa horror, um horror tanto mais terrorífico quanto se aproxima da bissexualidade que muitos homens viveram na infância, puberdade, adolescência. É muito comum que, nesta fase etária, ainda sem “disponibilidade sexual ” de mulheres, ou premidos por uma “hipersexualidade hormonal” favorecida por certas “oportunidades” ( “dormir na casa de amigos, acampar, embriaguez, etc), homens se entreguem à atividades francas ou fantasias homossexuais. Isto depois os horrorizará o resto da vida, transformando-se em uma espécie de “nojo homossexual”. Este “nojo” será ainda amplificado quando são “cantados”, ou mesmo imaginam-se sendo cantados por outros homens. Em muitos casos, as agressões homofóbicas advêm deste evento : serem “cantados”. A psicologia humana, cuja consciência nasce da interação social e não de fenômenos biológicos, não interpreta fenômenos comportamentais como algo que tem causa biológica e sim como algo “social”, “moral”, ou seja, que depende da vontade do indivíduo : “ele é assim por que quer”, “é falta de vergonha”, “é falta de uma taca”. Homossexuais/transexuais, por sua vez, vítimas de discriminação real, tendem a projetar este esmagamento para toda figura “máscula”, para toda “figura de autoridade” ( inclusive psiquiatras ), como vimos , nos outros artigos, no caso de B.C. Em muitos casos, homossexuais inteligentes, cheios de orgulho, energia e força, como o filósofo Michel Foucault, tendem a tornarem-se “ativistas” contra a opressão, justamente porque sentem-se oprimidos pelo próprio “masoquismo sexual” ( querer sofrer a penetração anal brutal ). Não há, nestes casos, sintonia dentro da mesma pessoa entre um “ego fálico masculino” e um “corpo feminino passivo-masoquista”. Esta “revolta interior inconsciente” projeta-se sobre o mundo exterior, daí o motivo de sempre sentirem-se “discriminados” por todos. Eu, por exemplo, não vejo vergonha nenhuma em dizer que sou um doente, inclusive doente psiquiátrico, inclusive portador de uma doença – bipolar - que, em algumas ( muitas ) ocasiões poderia levar-me a sérios descarrilamentos sexuais ( satirismo - “taradismo”, ninfomania, inversões sexuais, pedofilias, gerontofilias, sadismo sexual, masoquismo sexual, etc) . No entanto, quando se diz, entre outras coisas, que há associação entre homossexualidade e doença bipolar – alto sobejamente descrito na literatura médica – muitos se arvoram, como a transexual B.C., a dizer que “estão sendo discriminados”, “estão sendo tratados como doentes”, “estão-lhe sendo retirados direitos individuais, sociais, humanísticos”. Na verdade, não há nada disto. Eu mesmo, como bipolar, não me sinto discriminado em momento algum; é claro que, se algum dia, eu quiser atuar uma eventual pedofilia, aí sim serei discriminado, mas não pela minha condição psicopatológica, mas sim pela minha “falha de caráter” ao não impedi-la. Todos nós, humanos, somos mais ou menos “psicopatológicos”; por exemplo, um homem bem-casado, que tenha esposa boa, sexy, filhos amorosos, etc, se tiver fortes inclinações poligâmicas, que o levem a destruir sua célula psicossocial ( a família ), pode ser julgado como um “doente biológico”. Seu corpo pede coisas que irão destruí-lo psicossocialmente, justamente porque a sociedade pede um padrão de comportamento ( monogamia ) que é tolerável e realizável para a maior parte dos homens “normais” ( não “tarados”, não “obsessivamente poligâmicos” ). Se o seu corpo não consegue utilizar-se do amor dos filhos, do sexo da esposa, para manter o núcleo familiar, é provável que este corpo tenha uma condição ( “satirismo”,
“hipersexualidade”) que possa ser chamada de “biologicamente doentia”. A “doença”, portanto, não é a “vergonha”; a vergonha, socialmente denominada, advêm da “falha de caráter” em não conseguir deter a biologia. Como não conhece a “força enorme da biologia”, a sociedade tende a interpretar tudo como falta de caráter, falha de caráter, inclusive a condição homossexual. Um “homem hipersexual” não se importaria de ser chamado de “doente”, ao passo que um homossexual , sim. Talvez pelo fato de que, como dissemos acima, este último já tenha sido muito esmagado pela sociedade e , principalmente, pelos seus próprios fantasmas internos, que, de um modo geral, não aceitam e não convivem harmonicamente com sua condição de “passivo-e-agressivo”, “sádico-e-masoquista”, “orgulhoso-e-submisso”.
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Marcelo Caixeta é médico psiquiatra. Artigos às terças, sextas, domingos . ( hospitalasmigo@gmail.com

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