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terça-feira, abril 07, 2015

Os faróis. Bruno Tolentino. Poesia

OS FARÓIS
Bruno Tolentino

Rubens, rio de olvido e jardim da indolência,
travesseiro carnal onde é vedado amar,
mas por onde se agita e flui esta existência
como o ar pelo céu e o mar dentro do mar.

Leonardo da Vinci, sombrio espelho fundo
onde anjos sedutores sorriem com brandura
e, entre, penhascos e pinheiros do outro mundo,
sugerem-nos mistérios vedados à criatura.

Rembrandt, um hospital cheio de sons inquietos,
onde a um enorme crucifixo erguem-se a prece
e o coro de soluços de um monte de dejetos
a que a um raio invernal subitamente desce.

Michelangelo, ar vago onde os vultos hercúleos
e os Cristos se confundem, onde estranhos espectros,
poderosos fantasmas com seus dedos eretos,
estraçalham sudários à hora dos crepúsculos;

Puget, rei melancólico de um povo de forçados,
com impudências de fauno, de boxeador aos socos,
peito inchado de orgulho, homem débil e pálido,
resgastaste a beleza dos rudes e dos toscos.

Watteau, um carnaval de corações ilustres
a imitar borboletas, cada qual mais brilhante
ante os leves cenários em que o lume dos lustres
derrama o desvario no baile rodopiante.

Goya, onde o pesadelo não conhece mais peias:
fetos cozidos em sabás, velhas megeras
medindo-se ao espelho, ninfetas pondo as meias
para melhor tentar demoníacas feras.

Delacroix, lago cheio de sangue e anjos morosos
à sombra de pinheiros perenemente verdes,
onde passam fanfarras sob céus dolorosos
como se suspirasse Karl Maria von Weber.

Tantas blasfêmias, maldições, queixas e ais,
são um longo Te Deum de êxtases, de ecos
que, por mil labirintos, atravessando os séculos,
vertem ópios divinos aos corações mortais.

De boca em boca, inumeráveis sentinelas
repetem a mesma ordem, o mesmo grito passa
a cada caçador perdido atrás da caça
e um farol brilha aceso sobre mil cidadelas.

É o melhor testemunho da nossa dignidade,
Senhor, essa enxurrada ardente de soluços
que rola de era em era até cair de bruços
e morrer junto à orla da Tua eternidade!

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