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segunda-feira, março 30, 2015

O tempo linear. Olavo de Carvalho. Igreja. Cristianismo

Imaginem um homem tão primitivo, tão selvagem, que não tivesse atinado ainda com os ciclos solares e lunares, cuja única medida de tempo fossem portanto os dias e as noites. As memórias desse homem seriam uma confusão de imagens sem ligação nem nexo, coeridas tão somente por alguma associação de idéias fortuita, sem ordem temporal, sem ao menos um senso de identidade contínua.
“Mutatis mutandis”, assim vive o homem de hoje, tão orgulhoso do seu estado civilizado, quando não participa do ciclo litúrgico da Igreja, que é um condensado da existência humana, e conhece apenas o tempo linear dos calendários, sem nem mesmo lembrar que ele não passa da numeração do tempo litúrgico.
Quem assiste à Missa todos os domingos sabe que o tempo linear não é tudo, que ele se entrelaça com uma ordem cíclica na qual os vários acontecimentos de uma vida – a vida pessoal e a vida do mundo – aparecem ligados por nexos que, na pura reta do tempo linear, são invisíveis ou, quando obscuramente vislumbrados por instantes, são logo exorcizados como meras produções da fantasia.
O homem puramente mundano dos nossos dias vive num universo unidimensional e fragmentário, onde o único desenho de conjunto que pode ser de algum modo percebido é, na melhor das hipóteses, a dimensão “histórica”, que não passa da linearidade ampliada.
Ele pode, é claro, apegar-se a alguma “concepção científica do cosmos”, mas esta não é percebida, apenas pensada e, como tudo o que é apenas pensado, não pesa nada na sua existência de todos os dias.
O ciclo litúrgico, onde a origem e o destino final da espécie humana são revivenciados a cada ano, dá ao fiel a percepção clara dos temas cíclicos e recorrentes da sua própria existência, dotando a sua vida de um “Leitmotiv" e abrindo-lhe o acesso a dimensões da realidade que, para o homem mundano, são tão inexistentes quanto a noção de continuidade biográfica era inacessível para o selvagem do exemplo acima.

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