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domingo, março 01, 2015

Esquizofrenia. Marcelo Caixeta. Medicina. Psiquiatria

ESQUIZOFRENIA
Marcelo Caixeta
Médico psiquiatra


1 - O que é a Esquizofrenia?

É uma doença psiquiátrica grave causada por alterações cerebrais, onde um déficit de ligação entre determinadas áreas faz com que o “eu” do indivíduo perca a capacidade de controlar a própria mente.

2- Quais as causas dessa doença?

É uma doença endógena, congênita. O indivíduo já nasce com problemas cerebrais e estes vão se avolumando até a adolescência. São problemas decorrentes da dificuldade na sinaptogênese , ou seja, há dificuldades em que determinadas áreas cerebrais comuniquem-se com outras por meio das ligações sinápticas ( que são as ligações que se estabelecem entre as células nervosas, os neurônios, no decorrer do desenvolvimento ). Sem estas ligações corretas, partes do cérebro ficam inativas, partes do cérebro deixam de reconhecer outras partes. Consequentemente, o “eu” do indivíduo deixa de reconhecer as próprias atividades e daí julga que está recebendo estas influências de fora, de perseguidores, de inimigos, de alienígenas, de pessoas que controlam sua mente, instalaram “chips” nela, influenciam-no por aparelhos, por telepatia, colocam pensamentos em sua mente, confundem sua mente com um palavrório sem fim, etc.

Sem uma conexão adequada, este “eu” também fica com uma vontade comprometida ( daí a apatia, falta de iniciativa ), fica com um pensamento vago, confuso, fica com uma linha de raciocínio caótica, pois seu “eu” não consegue nem manter o fio-da-meada do pensamento organizado.

Como já dizia o filósofo Espinosa, a vontade depende muito do pensamento, pois é pelo pensamento que julgamos o que vamos fazer. No caso da esquizofrenia estas duas instâncias, portanto, estão profudamente prejudicadas.

3 - Os sintomas?

Os sintomas podem variar , conforme o grau de gravidade da doença. Há desde casos muito leves, onde apenas uma leve apatia é detectada, até casos muito graves, onde a gente não consegue entender praticamente nada do que o paciente fala ( “salada de palavras”).

4- A Esquizofrenia pode ser confundida com alguma outra doença?

Sim, e isto é muito comum. Em uma pesquisa que fizemos no nosso serviço psiquiátrico, aproximadamente 85% dos pacientes que nos chegam com o diagnóstico de esquizofrenia estão com um diagnóstico errado.

A confusão pode estabelecer-se com praticamente qualquer diagnostico psiquiátrico, sendo o mais comum com a doença bipolar, que pode mimetizar, e muito, os sintomas da esquizofrenia. Só um médico psiquiatra muito bem treinado, tanto em teoria quanto na prática, consegue destrinchar estes casos. Os critérios diagnósticos atuais para a esquizofrenia, derivados da escola americana de psiquiatria ( que é bem ruim ) contribuem muito para esta confusão. Outro problema é o déficit de formação de psiquiatras, uma vez que a formação hospitalar tem sido muito deficitária ( o Governo tem uma política deliberada de fechamento dos hospitais, e além disto, a precariedade do trabalho médico [ p.ex., médicos que tem de trabalhar em muitos lugares para complementar a renda ] faz com que os professores dos médicos residentes - aqueles recem-formados que estão se especializando - tenham pouca disponibilidade para o ensino ).

5- Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é feito pelo médico especialista em doenças cerebrais que afetam o comportamento, o médico psiquiatra, basicamente pela análise dos sintomas clínicos , psiquiátricos, do paciente. O médico também tem de examinar o corpo e o sistema nervoso do paciente pois há muitas doenças corporais e cerebrais que podem mimetizar bastante a esquizofrenia.

Exames de neuroimagem podem ajudar, p.ex., SPECT pode mostrar funcionamento do lobo frontal prejudicado, RM / TC podem mostrar graus leves de atrofia frontal, podem mostrar graus leves de atrofia subcortical, podem mostrar graus leves de ventriculomegalia, etc.

Avaliação das funções cognitivas também mostra algumas alterações, por exemplo, o paciente tem dificuldades em deixar determinadas formas de raciocínio e engajar-se em outras formas similares mas não idênticas. Isto mostra uma certa perseveração e aderência patológica a modelos cognitivos.

O diagnóstico da esquizofrenia é muito difícil. Há pacientes que são tidos como “hipocondríacos”, preocupam-se muito com o corpo, com doenças. Alguns têm muito poucos delírios, quase imperceptíveis. Outros são apenas “isolados”, o que chamamos de “esquizoides”. Alguns são mais ativos e podem ter ideias muito bizarras, estranhas, sobre o mundo, os aparelhos, os alienígenas, pirâmides, etc. Um de meus pacientes tinha como único sintoma o fato de achar que o William Bonner, do Jornal Nacional, conversava com ele através da televisão. Outra de minhas pacientes simplesmente parou de trabalhar, ficou apática dentro de casa, achando , o tempo todo, e mesmo após vários exames negativos, que simplesmente “tinha algo de errado com seu corpo”. Outros são tidos como depressivos, por causa de sua apatia. Bipolares que deliram ou alucinam são quase sempre diagnosticados erroneamente como esquizofrênicos, e isto pode ser catastrófico para a evolução de seu tratamento, já que o tratamento da doença bipolar é bem diferente do tratamento da esquizofrenia.

Uma tese de mestrado feita em nosso serviço hospitalar mostra que aproximadamente 85% dos pacientes que chegam até nós com o diagnostico e tratamento para esquizofrenia não tem, de fato, esta doença. Geralmente são bipolares delirantes, lesionados cerebrais, depressões psicóticas, epilepsia, tumores cerebrais, processos agudos ou sequelares meningoencefalíticos, etc. Grande parte é bipolar, diagnosticado erroneamente desde a adolescência, muitos já com sintomas de seqüelas motoras irreversíveis ( discinesia tardia ) causada por medicamentos equivocados para esquizofrenia .

Lesões cerebrais também podem mimetizar muito os sintomas esquizofrênicos, o que se chama em psiquiatria de “parafrenia”.

O uso de maconha também pode gerar psicoses muito semelhantes a esquizofrenia, e também vir a precipitá-la naquelas pessoas que tinham apenas um traço da doença, uma tendência da doença, e não a forma “completa”.

Alcoolismo também pode gerar uma doença bem parecida com a esquizofrenia, denominada de “alucinose alcoólica”.

O diagnóstico diferencial , como se vê, é muito difícil, o médico tem de ter uma formação muito sólida para realizá-lo.

6- E o tratamento?

A base do tratamento é o uso de medicação antipsicótica, que visa diminuir a ação da dopamina - um neurotransmissor - em áreas límbicas, diminuindo assim o delírio e alucinações. Outras intervenções mais complexas podem ser necessárias, como por exemplo o uso de medicação serotoninergica para obsessões, fobias sociais, ansiedade ( que os pacientes com esquizofrenia podem ter ), uso de medicação que lida com sistemas de segundo mensageiro ( NMDA \ Glutamato ) para melhora de sintomas mais “negativos”, apatia, abulia ( falta de vontade ) , embotamento afetivo.

7- Como os familiares e/ou amigos devem agir com a pessoa durante uma crise? Quais as dicas que se pode dar para estes momentos?

Em caso de crise aguda, necessita ser levado para hospital com atendimento médico-psiquiátrico adequado.

No dia -a-dia devem ser tratados como qualquer ser humano, com respeito, carinho, e, quando possível, atividades ocupacionais, isto é muito importante, pois estes pacientes tendem a entregar-se muito facilmente à apatia e ao comodismo ( o que é péssimo para eles, pois assim vão-se “atrofiando psiquicamente”) .

8- O que se pode fazer para ajudar alguém diagnosticado a conviver com o prognóstico? Terapia seria um exemplo?

Todo doente tem de ser apoiado, ensinado e orientado pelo médico ( só os bons médicos fazem isto ) , assim como pela família, pelos amigos, que a doença pode trabalhar a seu favor, se ele souber aproveitar daquela carga que Deus lhe deu. Há muitos doentes com esquizofrenia que são funcionais, trabalham, têm filhos, família, são úteis. Isto depende muito da disciplina de cada paciente. Se o paciente tiver disciplina, comer bem, evitar café, cigarro, drogas, dormir bem, evitar excessos, ódio, agressividade, seguir corretamente as ordens médicas, pode ter uma vida relativamente boa e feliz. Todos podemos ajudá-los neste processo. A maior ajuda não é a “terapia” e sim o estímulo à disciplina, ao equilíbrio e sobretudo à ocupação. Não adianta “conversar”, “dizer que eu te amo” e deixar a pessoa vegetando, engordando, fumando e bebendo café num quarto escuro, sem um trabalho ou ocupação digna. Dar uma ocupação para um familiar doente é coisa que qualquer pessoa na família pode fazer, mas infelizmente muito poucos fazem.

É claro que o paciente tem de estar bem diagnosticado e bem tratado para que isto seja possível. Daí a importância de um médico psiquiatra bem-formado , conforme eu já disse acima, para que isto possa ser implementado.

9- Quais as possíveis complicações geradas pela falta de tratamento adequado?

Sem tratamento adequado o paciente tende a cronificar-se, tende a piorar sua falta de vontade, tende a piorar seus delírios , alucinações, seu pensamento vago, sua linguagem confusa, podem tornar-se agressivos, suicidas, homicidas, fugitivos. Podem vir a desenvolver transtornos metabólicos, pois muitos ficam parados, fumando ( isto piora muito a doença ) , bebendo café, engordando, trancados em quartos escuros, etc.

10- Existe alguma forma de prevenção?

Os pacientes esquizofrênicos tendem a piorar muito seus sintomas em famílias muito nervosas, agressivas, desequilibradas, pouco afetivas, pouco complacentes, com o que se chama em psiquiatria de “alta emoção expressa”. Se esta família dessas melhorar seu padrão emocional, padrão de convívio, muitos pacientes com as formas leves da doença podem nunca manifestá-la, e aqueles com formas mais severas podem nunca surtar.

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Marcelo Caixeta, médico psiquiatra ( hospitalasmigo@gmail.com) - escreve as terças, sextas, domingos.( Diário da Manhã - dm.com.br - Seção Opinião Publica )


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