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quarta-feira, março 25, 2015

Anorexia nervosa. Marcelo Caixeta. Medicina. Psiquiatria

CRÍTICA A UM ARTIGO SOBRE ANOREXIA NERVOSA ESCRITO POR DUAS PSICÓLOGAS, oportunisticamente escamoteando a necessidade de diagnóstico e tratamento médico

No último domingo vimos mais um capítulo da utilização do espaço “opinião pública” aqui do Diário da Manhã para “publicidade pública”, ou seja, o tipo de artigo cujo maior interesse, ao meu ver, é o de propaganda profissional gratuita, travestido na forma de “informação útil ao público”. Trata-se de artigo escrito por duas psicólogas sobre “anorexia nervosa”. Vamos começar a análise psiquiátrica-literária do mesmo : 1) em primeiro lugar, não há, em todo o artigo, em nenhum momento, referência às palavras “médico”, “doença”, muito menos “psiquiatra”. 2) Pelo contrário, há várias referências às palavras “psicológico”, “terapia”, “psicoterapia”. Isto é uma maneira sub-reptícia de dizer nas entrelinhas , ou seja , propaganda sub-liminar : é um “transtorno psicológico” , “procure um psicólogo”; “ procure um profissional” ( veja, sob a rubrica “profissional”, mais uma vez, a omissão muito bem planejada, voluntária, do nome “médico”, “psiquiatra” ); “ah ! – , gente, por coincidência, nós que escrevemos o artigo somos psicólogas....”. 3) há informações incorretas, p.ex., a de que “não se sabe a causa”, e depois de que a “mídia tem participação na preocupação com o corpo”. Isto é incongruente de várias maneiras : em primeiro lugar, se não se sabe das causas, por que é que cita-se a mídia como causa ? Em segundo lugar, é informação incorreta do ponto de vista médico. A literatura médico-psiquiátrica é muito abundante em apontar causa para a doença. Para começar, não são puros “distúrbios alimentares”, não são puros “distúrbios de alimentação”, são doenças psiquiátricas, que exigem diagnóstico e tratamento psiquiátrico adequado, sob o risco de grave desfecho fatal. Em segundo lugar, entre várias comorbidades psiquiátricas, há uma associação enorme com doença bipolar, algo nem arranhado no artigo das especialistas. A literatura médica aponta isto abundantemente e nossa casuística hospitalar pessoal, com recuo de já quase 35 anos atendendo casos gravíssimos de todo Estado de Goiás e adjacências, atesta em quase 100 % a presença da comorbidade com graves doenças afetivas. Portanto, ao contrário do que dizem as psicólogas, há sim “causas” muito bem estudadas e elucidadas. 4 ) basta abrir o mais simples livro de psiquiatria para ver os enormes avanços na compreensão desta doença, inclusive até do ponto de vista de detalhes microscópicos, a nível de fisiopatologia biomolecular. 4) Tanto é que há tratamentos médicos muito eficazes para o transtorno, sem necessidade , inclusive - e ao contrário do que faz entender o artigo das psicólogas – de uma imprescindível “terapia com psicólogo”. Por exemplo, nosso hospital que atende casos gravíssimos há 35 anos, por ex., pacientes com índice de massa corporal ( IMC ) baixíssimos, por exemplo, pacientes com 1 metro e 60 e 29 kg, pacientes com septicemia, com hipoproteinemia, anemia hemolítica, nefrolitíase severa , hepatite hemolítica, insuficiência renal aguda, deficiência crônica de gamaglobulina, hipotiroidismo carencial, etc, nunca perdeu uma única paciente com esta doença. Para terem uma idéia, sobre estes casos graves, a literatura médica fala em uma mortalidade hospitalar de até 30 %, e não perdemos uma única paciente. Tratamento feito exclusivamente com médicos psiquiatras, treinados para isto, ( justamente os “profissionais” sobre os quais não foi dita uma linha no artigo das especialistas ) , além , é claro, da valorosa e imprescindível Equipe de Enfermagem. Se o “profissional” da psicologia fosse imprescindível para tanto, conforme subentende o artigo ( inclusive negando, “escondendo”, o médico e o psiquiatra ), como é que trataríamos , com sucesso, tantos pacientes sem tal “terapia profissional” ? Entro nestes detalhes “sórdidos”, ( dos quais pessoalmente não gosto, justamente por parecer cabotino ), porque as referidas psicólogas, repetindo mais uma vez coisas que comumente expressam em seus artigos, fazem questão de “esconder” nele as necessárias referências ao diagnóstico e tratamento “médico” das doenças sobre as quais discorrem, aqui no caso , o “abominável” tratamento “psiquiátrico”. A crítica, portanto, antes de querer ser virulenta e ácida, queiram nos desculpar, é apenas uma resposta, uma reação, ao deliberado escamoteamento, elisão esta ao meu ver maquiavélica, corporativista, e que pode prejudicar, inclusive com risco de vida, pacientes com doenças graves.
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Marcelo Caixeta, médico psiquiatra

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