Pesquisar este blog

terça-feira, janeiro 22, 2013

A igreja protestante. Charles Fonseca.

Embora não mais o sendo tenho boas lembranças da igreja protestante em que fui criado. Mais liberal que a igreja doméstica. No seu interior como adolescente ganhei alguns concursos de conhecimento bíblico, um me marcou: ganhei um livro de poemas de Natur de Assis chamado "Harpa de Prata". O meu professor da escola dominical sucumbiu aos "encantos da carne" e comeu não sei quem. Um escândalo. Uma amiguinha minha, de linda voz, também sucumbiu e a notícia correu ai de boca em boca. Um amigo meu começou namoro com uma prima que durou dois dias e, desistindo, argumentou com ela sobre minha augusta pessoa. Aí namorei com a mesma durante oito meses. Os irmãos não queriam o idílio. Queriam mesmo era me bater. O primo dizia: namore que eu garanto. Ele namorava uma linda coleguinha de maravilhosos olhos verde canavial. Fiz um acróstico com o nome dela e entreguei sem comentário diretamente para ele. Depois de uma pequena cena de ciúme, superou o trauma. Continua meu amigo até hoje. E minha paixão continuava. Era um frio que sentia no estômago quando a via, afora outras reações típicas da adolescência de tal monta que quando sobrevinham o altaneiro porta bandeira me deixava constrangido. Pensava em Deus, em Jesus, em Maria, mas a sagrada família demorava de me atender. A imaginação era uma labareda. A ação, uma fumacinha. Era a menina mais rica da igreja, especialista em vestir cassa rendada, um tecido fino. E eu lá, curtindo intensamente a paixão que recomendo pra qualquer um vivê-la se ainda não o fez. Mas precisa de uma boa musa. Era o tempo das vacas magras. Meu pai, puritano, como empregado da receita estadual com sua autoridade resolveu prender umas boiadas do prefeito mais tarde governador do Estado. Tinha que pagar o imposto devido. Foi demitido. E minha mãe, professora leiga, ganhava os altos salários que até hoje ganham os reconhecidos professores. O dinheiro encurtou. Mas eu passava e engomava minha roupa pra ir à igreja ver a amada. Calça infestada, vinco perfeito. Pra economizar, bico de ferro na ponta e no calcanhar dos sapatos e o cascalho das ruas roendo no centro. Quando furava, ainda tinha o brilho da pasta preta ou marrom, escova e flanela. Se abria do lado, Jesus me perdoe, ia com um pé só calçado e ia assim mesmo ver a amada, com o sólido argumento de que havia cortado o pé descalço. Como eu era o ganhador dos concursos bíblicos, era o líder do rebanho de cordeirinhos. “Vinde, meninos, vinde a Jesus, ele ganhou-vos bênçãos na cruz!” E eu ia ver a cordeirinha que, depois eu conto, deu uma de cabrita. O pastor da igreja me concedeu a subida honra de fazer o sermão nas sextas feiras à noite na praça da feira, quando chegavam os mateiros com suas verduras pra vender no dia seguinte. E eu ia, paletó e gravata, uns oito fieis ao meu lado, abria o peito com a voz já barítono que a adolescência me trouxe, cantávamos hinos de conclamação às almas perdidas, abria a Biblia, lia o evangelho e fazia minha homilia, usando o modelo de sermões de Jorge Buarque Lira, o autor do livro “Cem sermões”.  Um ou outro mateiro, em silêncio, me ouvia com seu olhar bronco. Até que chegou o dia em que fui convidado pelo pastor da igreja para domingo à noite fazer o sermão de cabo a rabo. Todo o ritual. Passo seguinte, me colocou de vez em quando no programa da radio AM do prefeito para pregar aos incrédulos, ou seja, todos os que não eram protestantes. Mas ele era suave, pacífico, de ir à igreja católica numa boa e, com freqüência, citar nos seus sermões o padre Antonio Vieira de quem terminei lendo todos os seus sermões, glória da literatura da língua portuguesa. Assim era a igreja: um ponto de inserção social dos pobres coitados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário