domingo, junho 10, 2012

As Loucuras do Minotauro. Dalton Trevisan

As Loucuras do Minotauro
Dalton Trevisan


— Sabe que toda família curitibana tem um louquinho fechado no porão?

— ...

— Não. Sente no sofá. Aqui é melhor.

— Estou com pressa doutor.

— É loiro natural teu cabelo?

— Clareio com xampu.

— Pensou na minha proposta?

— Não vim aqui para isso.

— De fato. É que a assinatura na procuração não confere.

— Uns rabinhos que inventei. Para enfeitar. Só de nervosa.

Pego na mãozinha — ela deixa.

— O que eu quero é isso. Por mim ficava a manhã inteira. Namorando você. Mãozinha dada. É o que me basta.

Longe o olhinho azul, quem está enjoada de ouvir elogio.

Me achego e beijo a face — sem pintura, que maravilha. Fagueira penugem de nêspera madurinha.

— Na boquinha? Bem de leve.

— Não.

— Hoje está cheirosa.

Perfumou-se para vir aqui. Mais indiferente que pareça.

— É francês.

— Nem precisa. Já viu macieira iluminada em flor toda suspirosa de abelha?
É você.

— ...

— Me conte a tua vida. Disse que trabalha desde os onze anos. O que aconteceu nos últimos dez?

— Primeiro a mãe veio morar aqui. Viúva, uma tropa de filhos. De oito sou a terceira. Ela não se acostumou. Daí eu fiquei. Como um traste esquecido.

— Morava com quem?

— Na casa de outra menina.

— Pagava com meu trabalhinho. Na vida nada é de graça. Daí fui mudando de emprego. E hoje aqui estou. Sofrida e triste.

— Esses anos terão sido difíceis. Não quer ou não gosta de falar? A palma de tua mão está úmida. Será de aflita?

Os dedos entrelaçados, vez em quando os aperto — uma em cinco ela responde.

— Acho que sim.

— De mim não tenha medo.

— E hei de ter?

— Já que não fala de tua vida. Me conte como você é. Que mãozinha linda. Quanto você tem de quadril?

— Não sei.

Afagando e medindo coxa acima.

— Calculo uns noventa.

— Emagreci bastante.

— E o teu peitinho? Posso pegar?

Alcanço o primeiro botão da blusinha branca, já se defende.

— Assim não.

— Como será que é? Muita vontade de ver o biquinho.

— Igual ao das outras.

— Aí que se engana. Cada peitinho é diferente. Um tem o bico mais escuro. Outro durinho e rosado. O teu deve ser assim.

— Nunca reparei.

— Sabe que um é mais pequeno que outro? Será o teu esquerdo?

— ...

— De uma, o seio raso da taça de champanha. De outra, bojudo copo de conhaque para aquecer na palma da mão.

— ...

— Pensou na minha proposta? Umas poucas de concessões.

— Como assim?

— Primeiro pego na tua mão. O que já deixou. Isso é bom. Me faz tanto bem.

Não me contenho e agarro uma e outra.

— Depois te apalpo. Aqui.

Em delírio apalpo a coxa trêmula.

— Daí te beijo. Não esse beijinho na face. Um turbilhão louco de beijos.

E dou um, dois, três. De leve, para não assustar.

— Enfim um beijo de língua. Que você retribui.

Dardejo a lingüinha de lagartixa sequiosa debaixo da pedra.

— Sabe o que é acabar?

— ...

— Sabe ou não?

— Para mim é terminar alguma coisa.

— Não é bem isso. Os livros dizem orgasmo. A parte mais gostosa do ato sexual. Já experimentou?

— Não sei o que é.

— Será que é fria? Ou não achou quem te entendesse. Te iniciasse com doçura e paciência. Sabe o que eu faria?

— ...

— Te ajudava a baixar essa calça azul. Abria as tuas pernas. E com este dedinho acordava o teu vulcão.

— Credo, doutor.

Interessada, quem sabe. Um tantinho incrédula.

— Nunca mais seria a mesma. Chamaria você de nuvem, anjo, estrela. O que alguém jamais disse a ninguém. Sabe, Maria?

— ...

— Você é a redonda lua verde do olho amarelo...

— Nossa, doutor.

— ...que, aos cinco anos, desenhei na capa do meu caderno escolar.

— ...

— Mimosa flor com duas tetas. Dália sensitiva com bundinha.

— ...

— Uma empadinha recheada de camarão e premiada com azeitona preta.

— ...

— Já viu canarinha branca se banhando de penas arrepiadas na sua tigela florida?

— ...

— Você faz de mim uma criança com bichas que come terra.

— Assim eu encabulo, doutor.

— No meio das pernas um botão chamado cli-tó-ris. Ali é que meu dedinho ia bulir.

Cada vez mais afrontada e afogueada.

— Depois te beijava da ponta do cabelo até a unha encarnada do pé. Cada pedacinho escondido de teu corpo. Afastava essa coxa branquinha de arroz lavado em sete águas. E me perdia no teu abismo de grandes lábios de rosa.

Agora a mãozinha quente e molhada.

— Sou homem de certa idade. Com a minha vivência faria você sentir prazer até no terceiro dedinho do pé esquerdo. De tanto gozo sairia flutuando pela janela sobre os telhados da praça Tiradentes.

— ...

— E virgem, se quiser, você continua.

—...

— Juro que te respeito. Como está me vendo assim eu fico: todinho vestido. De colete abotoado e gravata.

— ...

— Até de óculo. Só tiro o paletó. Nenhum perigo para você.

— ...

— Em troca dessa alegria lhe ofereço um prêmio. Duas notas novas.

—...

— Quer experimentar hoje?

— Próxima vez eu resolvo.

— Por que não agora? Já está aqui. Tão fácil. Até chovendo. Mais aconchegante.

— Hoje, não.

— Você que sabe. Só não creio na tua frieza. Tudo me diz que é moça fogosa. Essa boca vermelha e carnuda. É de quem gosta. Mais uma coisa, anjo. Enquanto eu falava, o teu narizinho abria e fechava.

— ...

— Veja. Como está fremente.

— ...

— Ninguém te diz nada? O noivinho não te canta?

— Cantar, todos cantam. Eu sei me defender.

— Por que a cisma da virgindade? Se gosta dele, algum mal em deitar no sofá?

— Prefiro assim. Ele é ciumento. Sempre está brigando.

— Monstro moral. Só quer para ele. Já provou beijo de noventa segundos?

— Não contei.

— Ao teu noivo falta imaginação. Fico um dia inteiro olhando você. De joelho e mão posta. Louvado essas graças que Deus te deu. Agora um beijinho. Na boca.

Seguro o rosto, forcejo, ela resiste.

— Ah, ingrata. Que tamanho o teu pé. Isso você sabe.

— Trinta e cinco.

— Bonitinho deve ser. Aposto que sem joanete. Sabe que as moças se masturbam? Você não tem experiência? Todas têm. De noite pensa num rapaz bonito e brinca com o dedinho. Nunca fez isso?

Sem resposta.

— Teu noivo é bonito?

— Nem tanto.

— Então algum artista famoso. Deixa ler a palma da mão.

De repente muito curiosa.

— Este xis é uma boa notícia. Que não esperava.

— O quê?

— Rolar comigo no tapete.

Nem sorri.

— Você não sonha, amor?

— Todos sonham. Eu, ter o meu cantinho.

— Não é isso. De olho aberto. Visões eróticas. Em toda família...

— É tarde. Preciso ir, doutor.

-- Então me dá um abraço. Assim.

Envolvo-a nos braços. Ela não corresponde.

— Ai, me deixa. Beijar essa carinha mais santa.

E osculo as duas faces rosadinhas.

— Agora a tua vez.

Um furtivo beijo. Seco, unzinho só.

— Aqui o teu presente.

— Não posso, doutor.

-— Sabe que toda família curitibana...

— Sou moça de princípios.

— ...tem um louquinho fechado no porão?

— Cruzes, doutor.

Ó maldito Minotauro uivando e babando perdido no próprio labirinto.

— Me trate de você. Doutor já não sou. Apenas um doidinho manso. De paixão cativo.

Indecisa, morde o beicinho.

— De mim o que vai pensar?

Guarda na bolsa as duas notas. E concede o primeiro sorriso.

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