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quarta-feira, setembro 28, 2011

Escultura, Fotografia, Literatura, Musica, Pintura, etc.


I. Paisagem do Capibaribe



A cidade é passada pelo rio

como uma rua

é passada por um cachorro;

uma fruta

por uma espada.



O rio ora lembrava

a língua mansa de um cão,

ora o ventre triste de um cão,

ora o outro rio

de aquoso pano sujo

dos olhos de um cão.



Aquele rio

era como um cão sem plumas.

Nada sabia da chuva azul,

da fonte cor-de-rosa,

da água do copo de água,

da água de cântaro,

dos peixes de água,

da brisa na água.



Sabia dos caranguejos

de lodo e ferrugem.

Sabia da lama

como de uma mucosa.

Devia saber dos polvos.

Sabia seguramente

da mulher febril que habita as ostras.



Aquele rio

jamais se abre aos peixes,

ao brilho,

à inquietação de faca

que há nos peixes.

Jamais se abre em peixes.



Abre-se em flores

pobres e negras

como negros.

Abre-se numa flora

suja e mais mendiga

como são os mendigos negros.

Abre-se em mangues

de folhas duras e crespos

como um negro.



Liso como o ventre

de uma cadela fecunda,

o rio cresce

sem nunca explodir.

Tem, o rio,

um parto fluente e invertebrado

como o de uma cadela.



E jamais o vi ferver

(como ferve

o pão que fermenta).

Em silêncio,

o rio carrega sua fecundidade pobre,

grávido de terra negra.



Em silêncio se dá:

em capas de terra negra,

em botinas ou luvas de terra negra

para o pé ou a mão

que mergulha.



Como às vezes

passa com os cães,

parecia o rio estagnar-se.

Suas águas fluíam então

mais densas e mornas;

fluíam com as ondas

densas e mornas

de uma cobra.



Ele tinha algo, então,

da estagnação de um louco.

Algo da estagnação

do hospital, da penitenciária, dos asilos,

da vida suja e abafada

(de roupa suja e abafada)

por onde se veio arrastando.



Algo da estagnação

dos palácios cariados,

comidos

de mofo e erva-de-passarinho.

Algo da estagnação

das árvores obesas

pingando os mil açúcares

das salas de jantar pernambucanas,

por onde se veio arrastando.



(É nelas,

mas de costas para o rio,

que "as grandes famílias espirituais" da cidade

chocam os ovos gordos

de sua prosa.

Na paz redonda das cozinhas,

ei-las a revolver viciosamente

seus caldeirões

de preguiça viscosa).



Seria a água daquele rio

fruta de alguma árvore?

Por que parecia aquela

uma água madura?

Por que sobre ela, sempre,

como que iam pousar moscas?



Aquele rio

saltou alegre em alguma parte?

Foi canção ou fonte

Em alguma parte?

Por que então seus olhos

vinham pintados de azul

nos mapas?

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