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segunda-feira, setembro 27, 2010

ECONOMIA/POLÍTICA

O petróleo e o sangue
Memórias de luta
Mauro Santayana

Quando vejo a Petrobrás (com acento no á) transformada na segunda empresa petroleira do mundo, confesso meu orgulho. A empresa é profundamente associada ao meu destino humano, e ao destino de milhares de brasileiros. Foi a Petrobrás que promoveu o meu encontro com Wânia, minha mulher há mais de meio século. Filha de um ferroviário, militante na esquerda, Wânia, ainda adolescente, participava do movimento popular em defesa da Petrobrás. Embora criada em 1953, por Getúlio, a empresa estava sob o fogo de seus inimigos quatro anos depois, e procurava consolidar-se com dificuldades. Ainda havia os que defendessem, na imprensa subsidiada pela Standard Oil, a entrega do petróleo aos estrangeiros.

Por isso mesmo, o movimento popular em sua defesa se mantinha de pé. Wânia, aos 15 anos, participava do movimento, e entre outras de suas atividades estava a de vender torrinhas da Petrobrás, a fim de financiar a campanha. Era o ano de 1957, e eu, então repórter do Diário de Minas, de Belo Horizonte, regressara de uma reportagem no Vale do Jequitinhonha, e, como era de meu hábito, fui diretamente para a redação, a fim de revelar as fotos e redigir a matéria, que narrava a viagem com um grupo de tropeiros. Era um sábado, no início da tarde, a redação estava vazia, eu estava absolutamente só, quando eu vi a mocinha, indecisa, à porta, e lhe disse que entrasse. Ela conhecia um de meus colegas, e procurava por ele. O fato é que nos encontramos depois e, no ano seguinte, nos casamos. Naquele tempo casava-se cedo, e cedo se participava do processo político.

Desde a adolescência o problema do petróleo me interessava. Ainda menino, li um livro importante, A luta pelo petróleo, de Essad Bey, pseudônimo do aventureiro e escritor judeu ucraniano Lev Nussimbaum. Filho de um barão, que tinha negócios petrolíferos em Baku, e de mãe judia, que participara de movimentos de esquerda e suicidara, Nussimbaum assumiu nova identidade, a de um imaginário príncipe muçulmano, e se tornou excelente jornalista e escritor. Seu livro, publicado em 1935, é um clássico sobre a disputa pelas jazidas petrolíferas do Oriente Médio, com o envolvimento das grandes potências e das sete irmãs do óleo negro. O título de sua obra, em inglês, é mais instigante (e atualíssimo) do que o da tradução brasileira: Blood and Oil in Orient. Convertido ao Islã, Essad Bey não foi exatamente homem de esquerda; era anti-socialista e monarquista. Estreando com o livro sobre o petróleo, em 1930, aos 24 anos, o jornalista morreria aos 36, em 1942, deixando uma extensa obra, entre as quais romances, biografias e excitantes memórias pessoais. Sua verdadeira identidade só foi conhecida depois de morto, com a revelação dos arquivos oficiais de Kiev, onde nasceu.

O petróleo foi, e continua a ser, o sangue da civilização que o seu aproveitamento como fonte principal de energia iniciou. É uma maldição, da qual não podemos escapar tão cedo. Quem não dispõe de energia, e deve importá-la, como fazíamos até há pouco tempo, está sempre dependente dos outros. Os jovens não sabem que, até a metade do século passado, os pobres das grandes cidades brasileiras, e os moradores do campo, iluminavam suas casas com lamparinas a querosene, distribuídos em latas de vinte litros, com o desenho de uma Jacaré e, abaixo, o logotipo da Esso. Os pobres compravam o querosene aos litros, nos armazéns em que se abasteciam de feijão e arroz. Imaginem se Getúlio não houvesse criado a Petrobrás há 57 anos, o que seria hoje o Brasil?

A exploração do petróleo pelos brasileiros possibilitou encaminhar as parcas divisas que obtínhamos com a exportação de café, minério de ferro e madeira (que consumiu vastas parcelas da mata atlântica nativa), para a aquisição de máquinas e equipamentos industriais. O grande salto da economia brasileira se iniciou, assim, com a Petrobrás. Mais ainda: a economia na importação de combustíveis ajudou a financiar o fantástico parque hidrelétrico nacional.

A Petrobrás concluiu a sua volumosa capitalização, que é um recorde na história do capitalismo. A empresa só obteve esses êxitos, graças à intervenção decisiva do Estado na atividade econômica, ao criá-la, sustentá-la e administrá-la, ao longo destas quase seis décadas. Foi assim que a Petrobrás pôde desenvolver tecnologia de exploração e refino das mais avançadas do mundo. Como resumiu o presidente Lula, não há empresas privadas fortes quando o Estado é fraco.

Ao acompanhar, anteontem, o noticiário sobre a grande vitória da empresa fui obrigado a controlar a emoção. Nunca trabalhei para a Petrobrás, jamais visitei suas instalações ou seus escritórios. Tenho alguns amigos que nela trabalharam e aos quais me uni, no esforço para impedir que a privatizassem totalmente, na onda neoliberal, temerária e irresponsável do governo anterior. Mas sempre a defendi, e, mais; desde que possuo automóvel, jamais o abasteci em postos de outra bandeira, embora saiba que toda gasolina nacional procede de seus poços. É uma forma de manter a coerência de minha mocidade.

Na defesa do monopólio estatal do petróleo, que foi decisivo para o desenvolvimento da grande empresa, muitos morreram, foram espancados pela polícia de alguns estados, presos e torturados. Os sobreviventes desses tempos duros têm o direito de comemorar a grande vitória de nosso povo – e de seu patriotismo.

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