Pesquisar este blog

domingo, maio 16, 2010

MEDICINA

Tratamento (transtorno de déficit de atenção/hiperatividade)

O tratamento do TDAH envolve uma abordagem múltipla, englobando intervenções psicossociais e psicofarmacológicas.15

No âmbito das intervenções psicossociais, o primeiro passo deve ser educacional, através de informações claras e precisas à família a respeito do transtorno. Muitas vezes, é necessário um programa de treinamento para os pais, a fim de que aprendam a manejar os sintomas dos filhos. É importante que eles conheçam as melhores estratégias para o auxílio de seus filhos na organização e no planejamento das atividades. Por exemplo, essas crianças precisam de um ambiente silencioso, consistente e sem maiores estímulos visuais para estudarem.16

Intervenções no âmbito escolar também são importantes. As intervenções escolares devem ter como foco o desempenho escolar. Nesse sentido, idealmente, as professoras deveriam ser orientadas para a necessidade de uma sala de aula bem estruturada, com poucos alunos. Rotinas diárias consistentes e ambiente escolar previsível ajudam essas crianças a manterem o controle emocional. Estratégias de ensino ativo que incorporem a atividade física com o processo de aprendizagem são fundamentais. As tarefas propostas não devem ser demasiadamente longas e necessitam ser explicadas passo a passo. É importante que o aluno com TDAH receba o máximo possível de atendimento individualizado. Ele deve ser colocado na primeira fila da sala de aula, próximo à professora e longe da janela, ou seja, em local onde ele tenha menor probabilidade de distrair-se. Muitas vezes, as crianças com TDAH precisam de reforço de conteúdo em determinadas disciplinas. Isso acontece porque elas já apresentam lacunas no aprendizado no momento do diagnóstico, em função do TDAH. Outras vezes, é necessário um acompanhamento psicopedagógico centrado na forma do aprendizado, como, por exemplo, nos aspectos ligados à organização e ao planejamento do tempo e de atividades. O tratamento reeducativo psicomotor pode estar indicado para melhorar o controle do movimento.16

Em relação às intervenções psicossociais centradas na criança ou no adolescente, a psicoterapia individual de apoio ou de orientação analítica pode estar indicada para: a) abordagem das comorbidades (principalmente transtornos depressivos e de ansiedade); e b) a abordagem de sintomas que comumente acompanham o TDAH (baixa auto-estima, dificuldade de controle de impulsos e capacidades sociais pobres). A modalidade psicoterápica mais estudada e com maior evidência científica de eficácia para os sintomas centrais do transtorno (desatenção, hiperatividade, impulsividade), bem como para o manejo de sintomas comportamentais comumente associados (oposição, desafio, teimosia), é a cognitivo-comportamental, especialmente os tratamentos comportamentais.6 Entretanto, os resultados recentes do MTA (ensaio clínico multicêntrico, elegantemente desenhado, que acompanhou 579 crianças com TDAH por 14 meses divididas em quatro grupos: tratamento apenas medicamentoso, apenas psicoterápico comportamental com os crianças e orientação para os pais e professores, abordagem combinada e tratamento comunitário) demonstram claramente uma eficácia superior da medicação nos sintomas centrais do transtorno quando comparada à abordagem psicoterápica e ao tratamento comunitário. Entretanto, a abordagem combinada (medicação + abordagem psicoterápica comportamental com os crianças e orientação para os pais e professores) não resultou em eficácia maior nos sintomas centrais do transtorno quando comparada a abordagem apenas medicamentosa.17 A interpretação mais cautelosa dos dados sugere que o tratamento medicamentoso adequado é fundamental no manejo do transtorno.

Em relação às intervenções psicofarmacológicas, serão discutidos apenas os aspectos mais recentes ou controversos. Para uma revisão mais aprofundada do tema, sugere-se a revisão de Spencer et al. (1996).15 Na atualidade, a indicação de psicofármacos para o TDAH depende das comorbidades presentes.18 A literatura apresenta os estimulantes como as medicações de primeira escolha.19 Existem mais de 150 estudos controlados, bem conduzidos metodologicamente, demonstrando a eficácia destes fármacos.15 É importante frisar que a maioria desses estudos restringe-se a meninos em idade escolar, embora Smith et al. (1998)20 demonstrem efetividade semelhante para crianças e adolescentes. Sharp et al. (1999)21 encontraram resposta similar aos estimulantes em meninas com diagnóstico de TDAH. No Brasil, o único estimulante encontrado no mercado é o metilfenidato. A dose terapêutica normalmente se situa entre 20 mg/dia e 60 mg/dia (0,3 mg/kg/dia a 1 mg/kg/dia). Como a meia-vida do metilfenidato é curta, geralmente utiliza-se o esquema de duas doses por dia, uma de manhã e outra ao meio dia. Cerca de 70% dos pacientes respondem adequadamente aos estimulantes e os toleram bem.15 Essas medicações parecem ser a primeira escolha nos casos de TDAH sem comorbidades e nos casos com comorbidade com transtornos disruptivos, depressivos, de ansiedade, da aprendizagem e retardo mental leve.18,22,23 O Texas Children's Medication Algorithm Project23 desenvolveu um consenso de experts para uso de medicação em crianças com transtorno depressivo e TDAH. A primeira indicação é de uso de estimulante e , se necessário, indica-se agregar um inibidor seletivo da recaptação de serotonina, como a fluoxetina. Este posicionamento é justificado pela falta de eficácia dos antidepressivos tricíclicos nas depressões de crianças. São aspectos controversos em relação ao uso de metilfenidato: a) interferência no crescimento. Estudos recentes têm demonstrado que o uso não altera significativamente o crescimento. Adolescentes tratados e não tratados com metilfenidato chegam ao final da adolescência com alturas similares;24 b) potencial de abuso. Estudo recente demonstra claramente uma prevalência significativamente maior de uso abusivo/dependência a drogas em adolescentes com TDAH que não foram tratados com estimulantes quando comparados com jovens com o transtorno tratados com estimulantes;25 e c) tempo de manutenção do tratamento. Embora inexistam estudos sobre a questão, clinicamente as indicações para os chamados "feriados terapêuticos" (fins de semana sem a medicação), ou para a suspensão da medicação durante as férias escolares são controversas. A pausa no uso de metilfenidato nos fins de semana talvez possa ter indicação naquelas crianças em que os sintomas causam prejuízos mais intensos apenas na escola, ou naqueles adolescentes em que o controle do uso de álcool ou de outras drogas ilícitas é difícil nos fins de semana. A indicação para a suspensão parece ocorrer quando o paciente apresenta um período de cerca de um ano assintomático, ou quando há melhora importante da sintomatologia. Suspende-se a medicação para a avaliação da necessidade de continuidade de uso.

Mais de 25 estudos apontam a eficácia dos antidepressivos tricíclicos (ADT) no TDAH. Novamente, a maioria dos estudos restringe-se a crianças em idade escolar.15 Clinicamente, os ADT são indicados nos casos em que não há resposta aos estimulantes e na presença de comorbidade com transtornos de tique ou enurese.18 Em relação ao uso de ADT, merecem destaque os seguintes aspectos: a) dosagem. A dosagem adequada de imipramina situa-se na faixa entre 2 mg/kg/dia a 5 mg/kg/dia. É prática comum no nosso meio a utilização de subdosagem de ADT para o tratamento de crianças; e b) efeitos cardiotóxicos. Existem, na literatura mundial, alguns relatos de morte súbita em crianças em uso de desipramina. Muito provavelmente, essas mortes não se relacionem diretamente ao uso da medicação. Entretanto, por cautela, deve-se sempre monitorizar, através de eletrocardiograma, qualquer criança recebendo ADT, antes e durante o tratamento.26

Alguns estudos também demonstram a eficácia de outros antidepressivos no TDAH, principalmente a bupropiona. A dosagem de bupropiona utilizada é de 1,5 mg/kg/dia a 6 mg/kg/dia, divididos em 2 a 3 tomadas; doses acima de 450 mg/dia aumentam muito o risco de convulsões, que é a principal limitação para sua utilização. Seus principais efeitos colaterais são agitação, boca seca, insônia, cefaléia, náuseas, vômitos, constipação e tremores.27

Recentemente, um estudo de metanálise sobre uso da clonidina no TDAH encontrou um efeito positivo nos sintomas; sua efetividade pode ser comparada à dos antidepressivos tricíclicos.28 Seu uso é indicado quando houver presença de comorbidades que contra-indiquem o uso dos estimulantes ou quando estes não forem tolerados. As doses utilizadas situam-se entre 0,03 mg/kg/dia e 0,05 mg/kg/dia e a principal contra-indicação é a preexistência de distúrbios da condução cardíaca, devido aos seus efeitos colaterais relacionados com alterações cardiovasculares.29 Entretanto, clinicamente, ela tem sido associada aos estimulantes, principalmente nos casos em que o uso isolado dos últimos produz alterações do sono ou rebote sintomatológico no final do dia.



Conclusão

O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é uma síndrome psiquiátrica de alta prevalência em crianças e adolescentes, apresentando critérios clínicos operacionais bem estabelecidos para o seu diagnóstico. Modernamente, a síndrome é subdividida em três tipos principais e apresenta uma alta taxa de comorbidades, em especial com outros transtornos disruptivos do comportamento. O processo de avaliação diagnóstica é abrangente, envolvendo necessariamente a coleta de dados com os pais, com a criança e com a escola. O tratamento do TDAH envolve uma abordagem múltipla, englobando intervenções psicossociais e psicofarmacológicas, sendo o metilfenidato a medicação com maior comprovação de eficácia neste transtorno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário