O ARREPENDIMENTO
Fagundes Varela
Tens razão: já, soberana,
Viste-me curvo a teus pés!
Alma que do mal se ufana,
Tarde conheço quem és!
Mas a imagem que eu buscava,
Por quem meu ser suspirava...
Nem pressentiste sequer,
Quando uma fada invocando
Me vergava soluçando,
Prestava culto à mulher.
Tens razão, por grata estrela
Tomei teu brilho falaz,
Sinistra luz da procela,
Círio das horas fatais!
Segui-te através de enganos,
Cheio de sonhos insanos,
Cheio de amor e de afã!
Sombra de arcanjo caído!
Busto inda quente, incendido
Pelos beijos de Satã!
Na fronte cor de açucena
Tinhas brilho sedutor,
Mas eras qual essa flor,
Cujo perfume envenena!
Tinhas nos olhos brilhantes
Os reflexos cambiantes
De uma aurora de verão,
Mas como a charneca escura
Só podridão, lama impura,
Guardavas no coração!
Na negra esteira dos vícios
Que os decaídos formaram,
Teus funestos artifícios
Iludido me arrojaram!
Amei-te: amar foi perder-me!
Foi beijar da terra o verme,
Crendo-o Deus da vastidão...
Em vez do sol que buscava,
Louco afoguei-me na lava
De medonho, atroz vulcão!
Da vida estraguei por ti
Das quadras a mais risonha;
Mas hoje sinto a peçonha
Que nos teus lábios bebi!
Em meio de minha idade
Tenho nalma a soledade,
Na fronte o gelo eternal;
Sinto a morte nas artérias,
E ao medir minhas misérias
Me orgulho de ser mortal!
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
O arrependimento. Fagundes Varela. Poesia
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