Pesquisar este blog

segunda-feira, agosto 14, 2006

O fotógrafo. Manoel de Barros. Poesia

O FOTÓGRAFO
Manoel de Barros

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada minha aldeia estava morta
não se ouvia um barulho, ninguém
passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando
um bêbado.
Preparei a máquina.
O Silêncio era o carregador ?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador
Tive outras visões naquela madrugada
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no
beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na
existência mais que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho
de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Pilhei uma paisagem velha a
desabar sobre uma paisagem
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava
na aldeia
De braços com Maiakovski - seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Nenhum outro poeta no mundof
aria uma roupa mais
Justa para cobrir a sua noiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário