Fantástico! "O Quereres" é um dos poemas mais densos e filosóficos de Caetano Veloso. Embora seja popularmente conhecido como canção, sua estrutura é puramente poética, baseada na exploração de dualidades e contradições.
✨ Comentário Poético sobre "O Quereres"
"O Quereres" não é apenas uma letra sobre um relacionamento, mas uma meditação profunda sobre a natureza da vontade (o querer), a condição humana e a complexidade das relações. O poema se constrói através de uma série de oposições binárias que mapeiam a dissonância entre duas pessoas, ou entre o eu e o mundo.
1. A Dialética dos Opostos
O cerne do poema reside nos versos que expõem a incompatibilidade:
"Onde queres o ato eu sou o espírito. / E onde queres ternura eu sou tesão. / Onde queres o livre decassílabo. / E onde buscas o anjo eu sou mulher."
Caetano usa os opostos para mostrar que, no jogo do desejo e da vida, o que um busca, o outro nega ou subverte.
Ato vs. Espírito: Contrapõe a ação concreta (o ato) à reflexão abstrata (o espírito), sugerindo um desencontro entre a prática e a teoria na relação.
Ternura vs. Tesão: Revela a dualidade entre o afeto puro e suave (ternura) e o desejo físico e instintivo (tesão).
Lar vs. Revolução: Este é um dos pares mais potentes, contrapondo a estabilidade, o conforto e a tradição (lar) à mudança, ao caos e à ruptura (revolução), mostrando que a busca por segurança é frustrada pela necessidade de subversão.
Bandido vs. Herói: Mostra como os papéis sociais e morais são relativos e trocáveis, dependendo do ponto de vista e do contexto.
2. O Querer Incompatível
A estrutura se repete em vários quartetos, solidificando a ideia de que o desencontro é a regra. Em cada "onde queres...", há um desvio, uma resposta inesperada.
"Onde queres prazer sou o que dói. / E onde queres tortura, mansidão. / Onde queres um lar, revolução. / E onde queres bandido eu sou herói."
Essa repetição cria um ritmo quase épico (como uma lista de faltas ou virtudes) e acentua a impossibilidade de sincronia. A palavra que une é o "E", que não soma, mas justapõe a contradição.
3. A Conclusão e a Aceitação
O final do poema resume o paradoxo e sugere uma aceitação agridoce:
"O quereres e o estares sempre a fim. / Do que em mim é de mim tão desigual. / Faz-me querer-te bem, querer-te mal. / Bem a ti, mal ao quereres assim."
A beleza está justamente na desigualdade. A tensão entre os opostos é o que gera o desejo e, paradoxalmente, o que o torna complexo. O eu lírico reconhece que a maneira como o outro quer (o "quereres assim") é o que o faz amar e, ao mesmo tempo, sofrer. É um amor que não é pela pessoa, mas pela tensão da busca.
🔑 Em Síntese
"O Quereres" é um poema sobre a inevitável dissonância da vida a dois, usando a linguagem de forma cirúrgica para desmembrar o desejo em suas partes mais antagônicas. A poesia de Caetano revela que a essência do amor pode estar justamente na persistência em querer apesar de todas as contradições.
Gostaria de explorar a relação deste poema com alguma outra canção de Caetano que também trate de temas complexos, como "Fora da Ordem" ou "Vaca Profana"?
IA
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