quinta-feira, dezembro 26, 2024

HABEAS PINHO

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca :

O instrumento do crime que se arrola

Neste processo de contravenção

Não é faca, revólver nem pistola.


É simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade

Não matou nem feriu um cidadão.

Feriu, sim, a sensibilidade


De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,

Instrumento de amor e de saudade.

Ao crime ele nunca se mistura.


Inexiste entre eles afinidade.

O violão é próprio dos cantores,

Dos menestréis de alma enternecida

Que cantam as mágoas e que povoam a vida


Sufocando suas próprias dores.

O violão é música e é canção,

É sentimento de vida e alegria,

É pureza e néctar que extasia,


É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,

Porém seu destino se perpétua.

Ele nasceu para cantar na rua


E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo pelo Amor da noite

Que se sente vazia em suas horas,

Para que volte a sentir o terno açoite


De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,

Em nome da Justiça e do Direito.

É crime, porventura, o infeliz,


cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,

Será delito de tão vis horrores,

perambular na rua um desgraçado


derramando na rua as suas dôres?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,

Na certeza do seu acolhimento.

Juntando esta petição aos autos nós pedimos

e pedimos também DEFERIMENTO.


Ronaldo Cunha Lima, advogado.


O juiz Arthur Moura sem perder o ponto deu a sentença no mesmo tom:

“Para que eu não carregue

Muito remorso no coração,

Determino que seja entregue,

Ao seu dono, o malfadado violão!“

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