sexta-feira, agosto 27, 2021

A PARTIDA. Augusto Frederico Schmidt. 244

 

Augusto Frederico Schmidt

 



A PARTIDA

Quero morrer de noite —
          As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda

Quero morrer de noite.
          Irei me separando aos poucos,
          Me desligando devagar.
A luz das velas envolverá meu rosto lívido.

Quero morrer de noite.
          As janelas abertas.
Tuas mãos chegarão aos meus lábios
          Um pouco de água
E os meus olhos beberão a luz triste dos teus olhos.
Os que virão, os que ainda não conheço.
          Estarão em silêncio,
          Os olhos postos em mim.

Quero morrer de noite.
          As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Aos poucos me verei pequenino de novo, muito pequenino.
O berço se embalará na sombra de uma sala
E na noite, medrosa, uma velha coserá um enorme boneco.
Uma luz vermelha iluminará um grande dormitório
E passos ressoarão quebrando o silêncio.
Depois na tarde fria um chapéu rolará numa estrada...

Quero morrer de noite —
          As janelas abertas.
Minha alma sairá para longe de tudo, para bem longe de tudo.

E quando todos souberem que já não estou mais
E que nunca mais volverei
Haverá um segundo, nos que estão
E nos que virão, de compreensão absoluta.

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