sexta-feira, janeiro 06, 2012

MARANHÃO 66




O avesso do avesso - Nelson Motta

Está bombando no YouTube e provocando acessos de gargalhadas e deboches um filme de sete minutos em preto e branco, com o prosaico título "Maranhão 66". Aparentemente, é um documentário sobre a posse de José Sarney, no governo do Estado, feito por encomenda do eleito, mas é assinado por Glauber Rocha.
Com 35 anos, cabelos e bigode pretos, Sarney discursa para o povo na praça, num estilo de oratória que evoca Odorico Paraguaçu, mas sem humor, a sério, que o faz ainda mais caricato e engraçado. Sobre seu palavrório demagógico, Glauber insere imagens da realidade miserável do Maranhão, cadeias cheias de presos, doentes morrendo em hospitais imundos, mendigos maltrapilhos pelas ruas, crianças esquálidas e famintas, enquanto Sarney fala do potencial do
babaçu.
Só alguém muito ingênuo, ou mal-intencionado, poderia imaginar que Glauber Rocha fizesse um filme chapa-branca. Em 1964, com 25 anos, ele tinha se consagrado internacionalmente com "Deus e o diabo na terra do sol" e vivia um momento de grande prestígio, alta criatividade e absoluto domínio da técnica e da narrativa cinematográfica. E odiava a ditadura que Sarney
apoiava.
O filme dentro do filme é imaginar o susto de Sarney quando o viu. Em vez de filmar uma celebração vitoriosa, Glauber usou e abusou da vaidade e do patrocínio de Sarney para fazer um devastador documentário sobre um arquetípico político brasileiro.

Glauber dizia que o artista também tem de ser um profeta; mas a sua
obrigação é de profetizar, não de que as suas profecias se realizem. O
discurso de Sarney e as imagens de "Maranhão 66" são os mesmos do Maranhão
2011, num filme trágico, cômico, e, 46 anos depois, profético.

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