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sábado, outubro 12, 2024

Vingança por vingança

Os primos Tito e Theo eram da mesma idade, moravam vizinhos, estudavam na mesma escola, na mesma série, bons alunos, eram amigos inseparáveis, como irmãos. Nos momentos de folga, gostavam das brincadeiras da época: empinar papagaio, jogar peteca, rodar pião, fazer carros de buriti, jogar com castanha de caju, confeccionar alçapão e gaiola para prender canários e cochichos, armar arapucas para pegar juriti e nambu. Apesar de bem comportados, tinham na escola um desafeto, o Tuco, com um genuvalgo, tinha uma perna torta, a quem chamavam de Perneta. Por sua vez, o Tuco vivia atento, esperando a vez de se vingar. Se os primos armavam uma arapuca, quando iam olhar encontravam desmanchada, virada para cima ou até com algum excremento humano. Pelo rastro, com um pé virado de lado, sabiam quem tinha feito aquilo; se botavam a gaiola do canário na frente da casa, notavam os pássaros soltos e a gaiola arrebentada com uma pedra. Sabiam que era obra do Perneta e a rivalidade aumentava.

Seu Teodoro era um sapateiro famoso por seu esmero no que fazia, com habilidade e competência. Era, porém, rancoroso, tratava as pessoas com mau humor e não tolerava desaforo. Gostava de caçar veado, não desperdiçava munição em caça pequena, a espingarda carregada apenas com uma bala, para dar um pouco de chance à vítima. Tinha um pé de pequi no pé da serra considerado seu, não permitia que outro caçador invadisse o seu espaço. Ali esperava uma vez por ano, em agosto, época da floração. Naquela tarde armou sua rede na árvore já perto do sol poente, certo de ficar até o amanhecer. Com a escuridão da noite sem lua, em plena solidão, ficou a imaginar o tamanho da covardia que era ficar de tocaia a esperar por um pobre e inocente anirmal, para assassiná-lo, sem a mínima chance de defesa. Então ouviu um leve ruído de uma pisada discreta nas folhas secas. Ficou atento, o coração palpitante, pegou de leve a espingarda, focou a lanterna, mirou o meio das costas da caça, entre as espáduas, pressionou o gatílho e disparou. O estampido reverberou, provocando ecos nos vãos da serra. O animal caiu sem nenhum gemido. Ao amanhecer, desarmou a rede, apanhou a capanga, a espingarda e o cantil com água e desceu. Ao se deparar com a caça, enorme, inerte, teve grande surpresa: ao seu lado uma pequena veadinha, de poucos dias de nascida. Sentiu então uma onda de arrependimento, pelo tamanho da crueldade que fizera, deixando órfã aquele pequenino ser. Prometeu a si mesmo, daquele dia em diante , deixar de caçar, e levar aquele ser tão frágil para ser criado em casa, com todo zelo e carinho. Amarrou a caça na garupa do burro, que ficara amarrado um pouco distante. Com a veadinha na lua da sela, rumou para casa A sua chegada foi uma festa para seus filhos, com a perspectiva de adotarem aquele interessante animalzinho de estimação, prometendo seguir com rigorosa zelo as orientações de seu Teodoro. Para alegria de todos, ela cresceu saudável, livre e solta pelas redondezas, com um pequeno chocalho, para identificação. Era mansa e dócil com o pessoal da casa, porém estranhava e tentava investir contra pessoas estanhas.

Tito e Theo estavam a caçar passarinhos perto do açude, quando ouviram de longe o badalar do chocalho. Sabendo da agressividade, tentaram subir em uma cerca, mas a veadinha foi mais rápida. Indecisos, sem saber como se defender, tiveram que segurá-la. Com dualidade, conseguiram se livrar e pular a cerca.

Dias depois foram chamados à casa do seu Teodoro para se explicar ” o que estavam tentando fazer” com a veadinha. Mudos, suando frio, coração acelerado, gaguejando, tentearam explicar o acontecido. Carrancudo, demonstrando muita raiva, seu Teodoro ameaçou capar qualquer moleque que tentasse maltratar sua veadinha.

Na escola, o Tuco esboçava para eles um sorriso malicioso, como quem estava gostando daquela reprimenda e vergonha que os dois passaram.

O Theo estava, dias depois, escondido em uma moita, com sua baladeira, esperando rolinhas na beira do açude, quando notou pisadas de um cavalo se aproximando, ficou atento, escondido. Era o o Tuco que vinha, montado, sem sela, dar de beber ao cavalo do seu pai. Quando o animal baixou a cabeça para beber, o Theo, sem pensar nas consequências, esticou seu estilingue e acertou uma pedrada bem no flanco do animal. Com o susto, o cavalo empinou, derrubando sua montaria. Na queda, o Perneta fraturou o punho direito. Saindo de mansinho, sem ser visto, o Theo se deu por vingado. Sem outra explicação, acharam que o cavalo se espantou com a picada de algum inseto, abelha ou marimbondo, na beira d’água. Porém, só o Theo e o Tito sabiam o verdadeiro motivo.

Edmilson Rocha, 10/2024

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