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domingo, setembro 08, 2024

As mentiras do Soares

Na década 40 chegou à Bertolínia para assumir o posto de guarda-fios dos correios, seu Antônio Soares, e foi recebido por seus futuros colegas. Veio de Fortaleza com a família, esposa e 3 filhos homens, em um avião até Teresina, daí por terra até seu destino. Era um moreno esbelto cabelo escuro liso. , bigodinho aparado, estatura mediana, ar alegre e conversador. Ficou hospedado em residência previamente providenciada pela repartição. Contou seu Antônio Soares, que, logo na saída, quando o avião estava para levantar voo, houve entre os passageiros o maior rebuliço, gritos de pânico. É que alegaram existir uma cobra na aeronave. Com a evacuação dos passageiros, e a remoção do animal peçonhento, é que puderam reembarcar e seguir viagem.

Quando foi apresentado na repartição, foi orientado sobre as condições do serviço. Bertolínia possuía ligações telegráficas com Jerumenha e Uruçuí. As redes, com postes de madeira lavrada, um fio estendido, fixado com isolador de louça. Todo mês devia ser feita uma percorrida, para avaliar as condições das instalações e resolver qualquer contratempo. Para isso foi-lhe disponibilizado um bom burro de sela e um ajudante, conhecedor da região, para lhe servir de companhia. Com o tempo e a rotina, foi se integrando ao trabalho e passou até a gostar, sempre alegre e sem nada reclamar. Seus filhos foram matriculados na escola municipal, mas, meio malandros, gostavam mais de brincadeiras e travessuras: tomar banhos no Xixá, jogar peteca, empinar papagaio e roubar manga nos quintais. Iniciados no tabagismo, o menor pedia ao mais velho : “me dá uma segunda!” Consistia em tragar, soprar a fumaça direto na boca do menor e este tragava em seguida.

Contava seu Antônio Soares, que numa das percorridas parou em uma sombra, armou a rede, para um bom descanso. No silêncio do meio dia, ouviu pequemos sons de algo caindo na folha seca. Procurando saber o que era, descobriu um filhote de papa-mel no tronco da árvore recebendo da mão alguns favos, que ele ia jogando a cera fora. Retirou o filhote do lugar e posicionou-se para receber os favos. Quando já estava farto e a mãe papa-mel descobriu, ela virou-se pra ele e disse: “ eu desconfiei logo que isso era artimanha de seu Antônio Soares !”.

De outra feita, já cansado da longa viagem, soltou as rédeas do burro, este já sabia o caminho. Com o embalo da viagem, um tanto sonolento, sentiu o burro baixar a cabeça, apanhar um tatu -bola e entregá-lo para botar no alforje. Admirado da inteligência do seu burro, seguiu em frente e , mais adiante, o burro baixou a cabeça novamente e lhe entrou um jornal que noticiava um aumento do funcionalismo público. Muito grato, prometeu ao burro uma mochila de milho.

Nos dias vagos, para sua diversão, gostava de caçar. Informado por amigos, procurou um dia um bom ponto, lustrou sua lazarina, carregou só com pólvora e bucha. Montou no burro e seguiu para o ponto. Em lá chegando, notou um veado no tronco da árvore e sete jacus nos galhos. Amarrou o burro, colocou sete caroços de chumbos e uma bala na lazarina e uma bucha. Aproximou-se de mansinho, fez pontaria no veado, disparou e imediatamente deu uma saraivada nos jacus. Acertou o veado e caíram seis jacus. Intrigado, pois eram sete caroços de chumbo, então ouviu um farfalhar de asas, era o outro jacu que vinha chegando com o caroço de chumbo em sua perseguição. Atingido, caiu morto e ele juntou-o aos outros. Com tamanho feito, resolveu agradecer a Deus. Antes notou um pequeno córrego que não estava ali quando chegou, não era água e sim mel. É que a bala perfurou o tronco e atingiu uma colmeia, aproveitou, então, e encheu seu cantil. Amarrou o veado na garupa do burro e botou as jacus no alforje. Procurou uma pedra, ajoelhou-se, assustou-se com uma perdiz que levantou voo aos seus pés, conseguiu pegá-la e torcer o pescoço. Contrito, fez sua oração de agradecimento. Ao levantar-se notou a pedra mover-se, era um tatu, que ele prontamente levou com a perdiz para o alforje. Então pensou, “se eu contar ninguém acredita!”

Esse era o maior mentiroso que conhece no meu tampo de menino.

Edmilson Rocha, setembro/ 2024.

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