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segunda-feira, junho 04, 2018

A ciência da medicina

A ciência da medicina
Por Oren Traub, MD, PhD, Departments of Internal Medicine and Adult Hospital Medicine, Pacific Medical Centers

OBS.: Esta é a versão para o consumidor.

Os médicos tratam pessoas há milhares de anos. A primeira descrição escrita de um tratamento médico é do Egito antigo e tem mais de 3.500 anos. Mesmo antes disso, os curandeiros e xamãs provavelmente ofereciam medicamentos à base de ervas ou de outros tipos para os doentes e feridos. Alguns remédios, como os usados para algumas fraturas simples e lesões menores, eram eficazes. No entanto, até muito recentemente, muitos tratamentos médicos não funcionavam e alguns eram, na realidade, prejudiciais.

Duzentos anos atrás, os remédios comuns para uma ampla gama de distúrbios incluíam cortar uma veia para tirar um pouco de sangue e oferecer várias substâncias tóxicas para provocar vômitos ou diarreia, todos perigosos para uma pessoa doente ou machucada. Há pouco mais de 100 anos, juntamente com a menção de alguns medicamentos úteis, como a aspirina e os digitálicos, o Manual da Merck mencionou a cocaína como tratamento para o alcoolismo, o arsênico e a fumaça de tabaco como tratamentos para asma e o spray nasal de ácido sulfúrico como tratamento para resfriados. Os médicos pensavam estar ajudando os pacientes. Claro, não é justo esperar que os médicos no passado soubessem o que sabemos agora, mas por que os médicos alguma vez pensaram que a fumaça de tabaco poderia beneficiar uma pessoa com asma?

Havia muitos motivos para que os médicos recomendassem tratamentos ineficazes (e algumas vezes prejudiciais) e para que as pessoas os aceitassem:

Normalmente, não havia tratamentos alternativos.

Os médicos e as pessoas doentes geralmente preferem fazer alguma coisa a não fazer nada.

As pessoas se sentem confortadas em passar seus problemas para uma figura de autoridade.

Os médicos geralmente fornecem o apoio e a garantia tão necessários.

Vale ressaltar que, no entanto, os médicos não podiam dizer quais tratamentos funcionavam.

Tratamento e recuperação: Causa e efeito?
Se um evento ocorre imediatamente antes de outro, as pessoas naturalmente supõem que o primeiro seja a causa do segundo. Por exemplo, se uma pessoa apertar um botão não marcado em uma parede e a porta de um elevador próximo se abrir, a pessoa vai supor, naturalmente, que o botão controla o elevador. A capacidade de fazer essas conexões entre eventos é uma parte importante da inteligência humana e é responsável por muito da nossa compreensão do mundo. No entanto, as pessoas normalmente veem conexões causais onde não existe qualquer conexão. É por isso que os atletas podem continuar a usar as meias "da sorte" que usavam quando ganharam um grande jogo ou que um estudante pode insistir em usar o mesmo lápis "da sorte" para fazer provas.

Essa maneira de pensar também é o motivo pelo qual, antigamente, se achava que alguns tratamentos médicos ineficazes funcionavam. Por exemplo, se a febre de uma pessoa doente começasse depois que o médico tivesse retirado sangue ou de o xamã ter feito um certo encanto de cura, as pessoas naturalmente supunham que essas ações eram a causa da febre. Para a pessoa que procurava alívio desesperadamente, melhorar era toda a prova de que precisava. Infelizmente, as relações aparentes de causa e efeito observadas no início da medicina raramente estavam corretas, mas a crença nelas foi o suficiente para perpetuar séculos de remédios ineficazes. Como isso pode ter acontecido?

As pessoas melhoram espontaneamente. Diferentemente de objetos inanimados "doentes" (como um machado quebrado ou uma camisa rasgada), que permanecem danificados até que sejam reparados por alguém, as pessoas doentes geralmente melhoram sozinhas (ou apesar do tratamento do médico) se o corpo se curar ou se a doença seguir seu curso. Os resfriados geralmente se curam em uma semana, as cefaleias duram um dia ou dois e os sintomas de intoxicação alimentar podem cessar em 12 horas. Muitas pessoas se recuperam, até mesmo, de distúrbios letais, como um ataque cardíaco ou pneumonia, sem tratamento. Os sintomas de doenças crônicas (como asma ou anemia falciforme) vêm e vão. Assim, muitos tratamentos podem parecer eficazes depois de um tempo suficiente e qualquer tratamento administrado próximo ao tempo de recuperação espontânea pode parecer drasticamente eficaz.

O efeito placebo pode ser responsável. A crença no poder do tratamento é geralmente suficiente para fazer com que a pessoa se sinta melhor. Embora a crença não possa fazer com que um distúrbio subjacente desapareça, como um osso quebrado ou diabetes, as pessoas que acreditam que estão recebendo um tratamento forte e eficaz frequentemente sentem-se melhor. Dor, náusea, fraqueza e muitos outros sintomas podem diminuir, mesmo que um comprimido não contenha princípios ativos e possa não trazer um possível benefício, como um comprimido de açúcar (chamado de placebo). O que conta é a crença.

Um tratamento ineficaz (ou até mesmo prejudicial) prescrito por um médico confiante a uma pessoa confiante e esperançosa, geralmente resulta em uma melhora incrível dos sintomas. Essa melhora é chamada de efeito placebo. Assim, as pessoas podem ver um benefício real (não simplesmente mal percebido) de um tratamento que não teve efeito real na doença em si.

Por que isso importa? Algumas pessoas argumentam que a única coisa importante é se um tratamento faz com que a pessoa se sinta melhor. Não importa se o tratamento realmente "funciona", ou seja, se ele afeta a doença subjacente. Esse argumento pode ser razoável quando o sintoma é o problema, como em muitas dores do dia a dia ou em doenças como resfriados, que sempre se curam sozinhas. Nesses casos, os médicos algumas vezes prescrevem tratamentos pelo seu efeito placebo. No entanto, em muitos distúrbios perigosos ou possivelmente sérios, o tratamento em si pode provocar efeitos colaterais e é importante que os médicos não percam a oportunidade de prescrever um tratamento que realmente funcione.

Como os médicos tentam aprender o que funciona
Como alguns médicos perceberam, muito tempo atrás, que as pessoas podem melhorar sozinhas, eles naturalmente tentaram comparar como pessoas diferentes com a mesma doença melhoraram com ou sem o tratamento. No entanto, até a metade do século XIX, era difícil fazer essa comparação. As doenças eram tão mal compreendidas que era difícil dizer quando duas ou mais pessoas tinham a mesma doença.

Os médicos que usavam um certo termo estavam, geralmente, falando sobre doenças completamente diferentes. Por exemplo, nos séculos XVIII e XIX, o diagnóstico de "hidropisia" era dado para pacientes com as pernas inchadas. Sabemos agora que o inchaço pode ser decorrente de insuficiência cardíaca, insuficiência renal ou doença grave do fígado, doenças muito diferentes e que não respondem aos mesmos tratamentos. De maneira semelhante, várias pessoas que tiveram febre e também vômitos foram diagnosticadas com "febre biliar". Agora sabemos que muitas doenças diferentes causam febre e vômitos, como tifoide, malária e hepatite.

Apenas quando diagnósticos precisos e com base científica se tornaram comuns, cerca de 100 anos atrás, os médicos puderam avaliar, de maneira eficaz, os tratamentos. No entanto, eles ainda precisavam determinar como avaliar um tratamento da melhor forma.

Tamanho da amostra
Em primeiro lugar, os médicos perceberam que tinham de examinar mais de uma resposta ao tratamento de uma pessoa doente. Uma pessoa melhorando (ou piorando) poderia ser uma coincidência. A obtenção de bons resultados em muitas pessoas é menos provável de ser devido ao acaso. Quanto maior o número de pessoas (tamanho da amostra), mais provável que qualquer efeito observado seja real.

Grupos de controle
Mesmo se os médicos encontrarem uma boa resposta a um novo tratamento em um grupo grande de pessoas, eles ainda não sabem se o mesmo número de pessoas (ou mais) melhoraria por conta própria ou teriam resultados ainda melhores com um tratamento diferente. Assim, os médicos normalmente comparam os resultados entre um grupo de pessoas que recebem um tratamento de estudo (grupo de tratamento) e um grupo (grupo de controle) que recebe

Um tratamento mais antigo

Um tratamento simulado (um placebo, como um comprimido de açúcar)

Nenhum tratamento

Os estudos que envolvem um grupo de controle são chamados de estudos controlados.

Período
Inicialmente, os médicos simplesmente administravam, em todos os seus pacientes com uma certa doença, um novo tratamento e comparavam os resultados a um grupo de controle de pessoas tratadas anteriormente (pelo mesmo médico ou por diferentes médicos). As pessoas tratadas anteriormente são consideradas um grupo de controle histórico. Por exemplo, se os médicos descobrissem que 80% dos pacientes sobreviveram à malária depois de receber um novo tratamento, enquanto anteriormente apenas 70% sobreviviam, eles poderiam concluir que esse novo tratamento era mais eficaz.

Um problema em comparar os resultados de um período anterior é que os avanços no tratamento médico geral no período entre os tratamentos antigos e novos podem ser responsáveis por qualquer melhora no resultado. Não é justo comparar os resultados de pessoas tratadas em 2015 com os de pessoas tratadas em 1985.

Para evitar esse problema com grupos de controle histórico, os médicos tentam criar grupos de tratamento e grupos de controle ao mesmo tempo e observar os resultados do tratamento conforme evoluem. Esses estudos são chamados de estudos prospectivos.

Comparação de maçãs com maçãs
A maior preocupação com todos os tipos de estudos médicos, incluindo estudos históricos, é que grupos semelhantes de pessoas devem ser comparados.

No exemplo anterior, se o grupo de pessoas que recebeu o novo tratamento (grupo de tratamento) para malária fosse composto principalmente de jovens com a doença leve e o grupo anteriormente tratado (controle) fosse composto de pessoas mais velhas com a forma grave da doença, pode ser que as pessoas no grupo de tratamento tenham melhorado simplesmente porque eram mais jovens e mais saudáveis. Assim, um novo tratamento poderia, falsamente, parecer funcionar melhor.

Muitos outros fatores, além da idade e da gravidade da doença, também devem ser levados em conta, como

A saúde geral das pessoas sendo estudadas (pessoas com doenças crônicas, como diabetes ou insuficiência renal, tendem a demorar muito mais para melhorar que as pessoas saudáveis)

O médico e o hospital específicos responsáveis pelo tratamento (alguns podem ser mais especializados e com melhores instalações que outros)

As porcentagens de homens e mulheres que compõem os grupos de estudo (homens e mulheres podem responder de maneira diferente ao tratamento)

O status socioeconômico das pessoas envolvidas (pessoas com mais recursos financeiros para ajudá-los no tratamento tendem a melhorar mais rapidamente).

Os médicos tentaram muitos métodos diferentes para garantir que os grupos sendo comparados fossem o mais semelhantes possível, mas existem duas abordagens principais:

Estudos de caso-controle: Parear com precisão pessoas que recebem o novo tratamento (casos) com os que não recebem (controles) com base no maior número possível de fatores (idade, gênero, saúde, etc.)

Estudos randomizados: Designação aleatória das pessoas para cada um dos grupos do estudo

Estudos de caso-controle parecem sensatos. Por exemplo, se um médico estivesse estudando um novo tratamento para pressão sanguínea alta (hipertensão) e uma pessoa no grupo de tratamento tivesse 42 anos e diabetes, o médico tentaria garantir que uma pessoa com cerca de 40 anos com hipertensão e diabetes também fosse colocada no grupo de controle. No entanto, há tantas diferenças entre as pessoas, inclusive diferenças que os médicos nem imaginam, que é quase impossível criar, intencionalmente, uma correspondência exata para cada pessoa em um estudo.

Os estudos randomizados cuidam desse problema com a utilização de uma abordagem completamente diferente. Talvez, de maneira surpreendente, a melhor maneira de garantir uma correspondência entre os grupos é nem tentar. Em vez disso, o médico aproveita as leis de probabilidade e designa, ao acaso (normalmente com ajuda de um programa de computador), pessoas com a mesma doença para grupos diferentes. Se um grupo grande o suficiente de pacientes for dividido aleatoriamente, há grandes chances de que os pacientes em cada grupo tenham características semelhantes.

Os estudos prospectivos e randomizados são a melhor maneira de garantir que um tratamento ou exame esteja sendo comparado entre grupos equivalentes.

Eliminação de outros fatores
Depois que os médicos tiverem criado grupos equivalentes, eles deverão garantir que a única diferença permitida seja o tratamento do estudo em si. Dessa maneira, os médicos podem garantir que qualquer diferença no resultado ocorra devido ao tratamento e não a algum outro fator, como a qualidade ou frequência do tratamento de acompanhamento.

O efeito placebo é outro fator importante. As pessoas que sabem que estão recebendo um novo tratamento real, em vez do não tratamento (ou um tratamento antigo, presumivelmente menos eficaz), geralmente esperam sentir-se melhor. Algumas pessoas, por outro lado, podem esperar ter mais efeitos colaterais com um tratamento novo e experimental. Em qualquer um dos casos, essas expectativas podem exagerar os efeitos do tratamento, fazendo com que ele pareça mais eficaz ou que tenha mais complicações do que realmente tem.

O caráter cego é uma técnica utilizada para evitar os problemas do efeito placebo. As pessoas de um estudo não devem saber se estão recebendo um novo tratamento. Ou seja, elas estão “em caráter cego” com relação a essa informação. Deixar o paciente em caráter cego normalmente é conseguido ao se administrar às pessoas no grupo de controle uma substância de aparência idêntica, normalmente um placebo, algo sem efeito médico.

Quando um tratamento eficaz para uma doença já existe, não é ético dar ao grupo de controle o placebo. Nessas situações, o grupo de controle recebe um tratamento consagrado, algo que já se sabe ser eficaz no tratamento da doença. No entanto, independentemente de um placebo ou um medicamento consagrado ser usado, a substância precisa ter aspecto idêntico ao medicamento do estudo, de modo que as pessoas não possam dizer se elas estão tomando o medicamento do estudo. Se o grupo de tratamento receber um líquido vermelho e amargo, o grupo de controle também deverá receber um líquido vermelho e amargo. Se o grupo de tratamento receber uma solução clara por injeção, o grupo de controle também deverá receber uma injeção semelhante.

O caráter duplo-cego é um avanço adicional. Como o médico ou a enfermeira podem, acidentalmente, deixar uma pessoa saber qual tratamento está recebendo, e, portanto, "revelar" o caráter cego à pessoa, é melhor que todos os profissionais da área da saúde envolvidos não saibam o que estão dando. O estudo de caráter duplo-cego normalmente requer que uma pessoa de fora do estudo, como um farmacêutico, prepare substâncias de aparência idêntica rotuladas somente com um código numérico especial. O código numérico deverá ser quebrado somente depois da conclusão do estudo.

Um motivo adicional para o estudo em caráter duplo-cego é que o efeito placebo pode afetar o médico, que pode, inconscientemente, pensar que uma pessoa que está recebendo o tratamento esteja com um melhor desempenho que uma pessoa que não está recebendo tratamento, mesmo se os dois estiverem tendo exatamente o mesmo desempenho. Nem todos os estudos médicos podem ser duplo-cegos. Por exemplo, cirurgiões estudando dois procedimentos cirúrgicos diferentes obviamente sabem qual procedimento estão realizando (embora os pacientes que estejam passando pelos procedimentos possam ficar sem saber). Nesses casos, os médicos certificam-se de que as pessoas que avaliam o resultado do tratamento estejam cegas com relação ao que está sendo feito, para que não possam, inconscientemente, afetar os resultados.

Como escolher a concepção de um estudo clínico
O melhor tipo de estudo clínico é

Prospectivo

Randomizado

Controlado por placebo

Duplo-cego

A concepção permite a determinação mais clara da eficácia de um tratamento. No entanto, em algumas situações, essa concepção do estudo pode não ser possível. Por exemplo, com doenças muito raras, normalmente é difícil encontrar pacientes suficientes para um estudo randomizado. Nessas situações, estudos de caso-controle retrospectivos são geralmente realizados.

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