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sexta-feira, novembro 25, 2011

CIDADE

João José de Melo Franco


Na madrugada bateram em minha porta.
Eram os mortos.
Clamavam por algo que pudesse lhes matar a sede.
Eu bem sabia não ser água
o que havia de matar-lhes a sede.
Eu bem sabia a sede que sentiam
e que água alguma há para matá-la.

Era o cheiro da cidade o que queriam,
o cheiro da fuligem,
o senso pleno na vertigem dos cheiros
nascidos de milhares de fontes de suor.
O cheiro de suas casas,
dos armários entulhados de suas coisas,
que, sem eles, parecem inúteis e são dadas,
por misericórdia, ou para os esquecerem,
e para se livrarem de seus cheiros mortos.

Homens que foram, só agora o sabem
do faro que os guiou nessa vida de porco-odor.
E porcos que foram, só agora se sabem
seguidores da vida e de seu acre odor.
Homens-porcos que foram,
farejam agora o verdadeiro cheiro do corpo,
do seu amor-porco, do seu apego pútrido e louco,
matéria de sua carne histórica,
nos chiqueiros quânticos dessas ruas insones.

Esquecidos habitantes dos umbrais…
Por seus guinchos bestiais abro meu peito e canto,
um hino de horror a esta fétida morada,
testemunho de uma alma incurável e franca,

meu bafo poético, podre por perenidade,
pá de cal, grãos de terra, pétalas semimortas,
e minhas palavras, olfato e tato, minha alavanca.

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