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quarta-feira, março 27, 2024

AS PESSOAS DE MIRA-CELI. Jorge de Lima

 



AS PESSOAS DE MIRA-CELI



25.

O avô tinha sido um ancião convencional,
que se enterrou de sobrecasaca, e polainas;
e a avó 
 uma menina pálida que morreu ao pari-la;
o pai fez algumas baladas;
contam que tinha uma luneta para olhar ao longe.
Daí 
 a mão dobra a página do livro,
e a história da tetraneta finda com uma estocada
   [ no ventre:
há destinos travados, lenços quentes de lágrimas,
algum incesto, uma violação sobre um sofá antigo.

Quando a mão dobra a página, há rastros de sangue
   [ no soalho.
Esta é a mais nova das cinco.
Veja que os seios são como neve que nós nunca  
   [ vimos
e ninguém nunca viu o pai que lhe fez um filho;
e o filho desta menina é este moço de luto.
Agora vire a página e olhe o anjo que ele possuiu,
veja esta mantilha sobre este ombro puro,
e estes olhos que parecem contemplar as nuvens
através da luneta avoenga. Veja que sem o fotógrafo
   [ querer
as cortinas dão a impressão de caras
   [ impressionantes
por detrás da gravura: um estudante de cavanhaque
   [ e outro de capa.
Repare bem o braço que ninguém sabe de onde
circunda o busto da moça e a quer levar para um
   [ lugar esconso.
Fixe bem o olhar com o ouvido à escuta para
   [ perceber a respiração grossa,
os gritos, os juramentos... A saia negra parece
   [ um sino de luto,
e o decote é a nau que a levou para sempre. E este
   [ fundo de água
pode ser o mar muito bem; mas pode ser as
   [ lágrimas do fotógrafo

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