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sábado, abril 29, 2017

Meu primeiro dia de aula no ginásio de Leopoldina: sonho ou pesadelo? Suely Monteiro. Prosa

Meu primeiro dia de aula no ginásio de Leopoldina: sonho ou pesadelo?
(Para Eliana Ribeiro Abreu, Marinalda Quintao e Cidinha Machado. Onde anda você Cidinha?).

As portas do ginásio se abriram e entrei gloriosa no mundo da cultura.
Eu era magra, esquelética e aos 13 anos ocupava pouco espaço na vida social e nenhum na vida acadêmica.
Ignorante das regras de boas maneiras , busquei assento na primeira fila, mas não ignorei o mundo lá de trás, onde principalmente os meninos falavam alto, seguros de seu poder.
Ah como eu estava feliz!
Como a alegria de estar entre o fantástico e o misterioso me enchia a alma de gratidão a minha amiga Liana, a Deus e o quanto isto me dava paz!
Eu sabia que havia entrado no mundo dos sonhos, no mundo das possibilidades, no mundo da razão.
Eu sabia o quanto seria difícil para mim continuar lá, pois havia deixado no lado de fora um rastro tão forte que não seria difícil a miséria me encontrar e me obrigar a voltar para o meu mundo de origem.
Mas, lá estava eu, dentes trincados, fazendo uma super força para me manter sentada no banco da sabedoria.
Eu queria continuar ali. Eu tinha esse direitos.
Era cidadã do mundo, filha de Deus e gostava de estudar.
A professora entrou na sala. Linda, jovem, com um sorriso vindo da alma.
Olhou para a sua turma e disse da felicidade que era para ela estar ali.
Caminhando com a leveza de um pássaro que voa, ela nos pediu que lhe contassemos um pouco da nossa experiência de estar no ginásio, começando uma nova etapa na vida.
Dirigiu-se ao quadro negro e escreveu com letras marcantes: Redação: Meu Primeiro Dia de Aula no Ginásio.
Meu coração quase arrebentou com a força que tinha que fazer para enviar ao cérebro a quantidade de oxigênio necessária para organizar o vulcão de idéias que, vindas sei lá de onde, encheu aquela pequena cabeça colocada sobre meus ombros.
Em segundos vi brotarem ao lado do título sugerido pela mestra o sinal de dois pontos seguidos pelas palavras interrogativas, sonho ou pesadelo?.
Não me lembro de mais nada do que ocorreu entre aquele espaço e o alvoroço das palmas que me trouxeram de volta à sala de aula. Descobri meio sem jeito que eram para mim e que minha redação tinha sido escolhida como a melhor da turma.
Mas, como isso tinha sido possível?
Que fizera eu além de descrever a alegria de estar em sala de aula, buscando afastar-me da miserável ignorancia e o terror de não conseguir me livrar de suas garras?
O que fiz além de relatar minha história de menina pobre necessitada de trabalhar para sobreviver e o desejo ardente de aprender?
O que poderia ter de belo uma sentença de dor escrita na ante-sala da felicidade?
Será que a professora não havia lido que eu estava ali apenas por alguns dias, pois o apito da fábrica me chamava para domar os teares que construiriam os sonhos de bem vestir as meninas ricas?
Será que aquela bela dama não havia entendido a dor por baixo da minha escrita?
Se até hoje não consegui descobri o mistério dos aplausos daquele dia, minha querida professora descobriu imediatamente que naquela alma inculta escondia a vontade de aprender.
Investiu nela, enquanto pode e deu-me de presente três meses após nosso primeiro contato, no momento da nossa despedida, a certeza de que todas as portas do mundo se abrem ao toque de quem deseja aprender.
Graças a ela conheço o tamanho da minha cegueira e continuo batendo em todas as portas que podem me oferecer a Luz do conhecimento.
Estudei com sacrificios e na solidão do meu quarto, na maioria das vezes, sem ir à escola, mas cercada de mestres que se mostravam em cada canto, em cada pessoa, em cada atividade profissional que exercia.
Ah Cidinha, vou viver cada momento de minha vida lembrando do bem que você me fez!
Ah Liana , foi a amizade filha do amor e irmã da sabedoria que me conduziu àquela sala de aula que mudou minha vida .
E pensar que naquela época eu só tinha duas amigas, você e a Marinalda Quintão, minha querida Mari!
A vocês três minha eterna gratidão pela diferença que fizeram em minha vida.
Através de vocês eu homenageio à inumeráveis pessoas que enriqueceram o planeta dos sonhos, o mundo colorido de dores e alegria, esperança e fé que eu construí e venho aperfeicoando com as bênçãos de minha família e de Deus

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