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quarta-feira, junho 20, 2018

Quando encaminhar ao psiquiatra?. Marcelo Caixeta.

A colega Tábita me pergunta quando encaminhar para neurologista ou psiquiatra.

Eu poderia aumentar a pergunta para “quando encaminar para “neurologista\psicóloga\fonoaudióloga” ou para psiquiatra, já que a primeira equipe,ao se unirem tentam “resolver o problema em equipe, sem o psiquiatra”.

A colega Consuelo replica que em caso de transtornos mentais, comportamentais, deveria ir para psiquiatra. Isso parece um tanto banal - a não ser para os encaminhamentos a psicólogos, não a neurologistas .

A colega Tabita replica , então, o que fazer em casos de demencia, hiperatividade, autismo, dislexia.

A resposta é bem complexa, me desculpe a extensão e o eventual “cabotinismo” ( “puxar a sardinha para o meu lado”) pois sou psiquiatra e dou , em nosso hospital, formação psiquiátrica, não só de psiquiatria geral, mas também forense, infantil, geriátrica. Portanto, estou falando da prátiica que aprendi com meus mestres, Delfino Machado, Isaías Paim, Ajuriaguerra, Dugas, Mazet, Lebovici, Aicardi,Eneida Matarazzo. Também de uma prática que eu transmito em nosso serviço hospitalar ( Hospital Asmigo ). Não posso responder por psiquiatras não-muito-bem-formados, daquele tipo que : 1- “não atendo paciente que eu preciso conversar, estes eu mando para o psicólogo. 2- “demência” eu encaminho para neurologista. 3- não entendo nada de distúrbio de aprendizagem. 4- aqui não tem psiquiatra infantil, autismo, hiperatividade, mando para neuropediatra. Para estes não vou oferecer resposta, além de uma só : prepare-se melhor.

Vou me limitar a falar de nossa prática, que pode ser, evidentemente, rebatida.

a- O bom psiquiatra tem desaber fazer um bom exame psicopatológico. O bom exame psicopatlógico pressupõe várias coisas :
a.1. que o psiquiatra saiba reconhecer todas as manifestações semiológicas de transtornos que afetem o comportamento, as funções mentais ( sensopercepção, representação, juízo, pensamento, memória, orientação, psicomotricidade, linguagem, afetividade, humor, atenção, consciência, crítica, volição, temperamento, caráter, personalidade, sexualidade, sono, alimentação, funções instintivas, impulsividade, toxicomanias\conduta aditivas, atividades do eu, controles do impulso, atividade social\gregária , aí inclusive as funções cognitivas, afásico-agnosico-apráxico-dismnêmicas, lexicográficas-discalcúlicas.
a.2.Não basta saber reconhecer os sinais e sintomas, tem de saber identificá-los com base na fenomenologia dilthey\jasperiana.
a.2. além de conhecer as manifestações semiológicas, tem de saber como as coisas se relacionam entre si. Por exemplo, não basta reconhecer que uma criança tem uma dislexia e tem uma hipoprosexia; não basta reconhecer uma criança com autotoposomatoagnosia e comportamento hiperegocentrado; tem de entender como um se relaciona à outra. Isto é psicopatologia. O psiquiatra bem-formado tem de saber como se joga a fisiopatologia dos sinais\sintomas mentais-comportamentais com eventuais alterações fisiopatológicas cerebrais e corporais, tem de saber como os sintomas\sinais se relacionam entre si. Por exemplo, uma criança com discalculia pode ter um problema no funcionamento da atividade hemisférica parietal direita que altere sua atenção ( hipoprosexia ), altere sua atenção para com os demais ( egocentração ), altere sua gnosia espacial , altere sua simultaneognosia e suas atividades fásicas quase-espaciais, gerando problemas da compreensão das atividades matemáticas\discursivas complexas. Por exemplo, para compreender a fala :”se Maria é mais loira que Joana, qual das duas é a menos morena “? Exige-se uma habilidade linguística de modalidade quase-espacial. Isso pode estar relacionado com os problemas comportamentais de uma criança aparentemente hiperativa “simples”, mas que , na verdade, tem uma disfunção parietal-direita. Para o reconhecimento deste funcionamento, necessita-se de um conhecimento psiquiátrico.
b- diagnosticos diferenciais de autismo, requerem : psicose desintegrativa de Heller, psicose simbiótica de Mahler, psicopatia autística de Asperger, disturbio do apego infantil , depressão anaclítica de Spitz, nanismo psicogênico\failure to thrive ( transtorno de desaferentação afetiva-sensorial ), disfasia semântico-pragmática,, transtorno de ansiedade generalizada com inicio na infância , fobia social, transtorno bipolar de inicio na infância, transtorno severo da emocionalidade infantil ( dsm V), hiperatividade, síndrome de afasia adquirida-epilepsia da infância, transtorno obsessivo da criança, personalidade evitativa ou esquizoide ou esquizotípica no adolescente, esquizofrenia infantil, hiperatividade orgânico\oligofrênica, etc. Por aí vê-se que, para o diagnóstico de autismo, é necessário um profundo e rígido exame psiquiátrico.
c- o mesmo se aplica à hiperatividade\deficit atencional infantil, cuja diferenciação tem de ser feita pelo psiquiatra com os quadros de ansiedade infantil, mania infantil, estados mistos, depressão agitada, bipolaridade de início infantil, transtorno de personalidade borderline na adolescência, trnastornos dissociativos, heboidofrenia, hebefrenia, síndrome abandônica, síndrome de Landau-Kleffner, hiperatividade\hipoprosexia orgânica, esquizofrenia infantil, transtorno de apego na infância, fobia escolar, distúrbio de conduta, distúrbio opositivo-desafiante, psicose encefalitica, transtorno obsessivo, síndrome de tiques múltiplos com hiperatividade\estereotipias, síndrome de Asperger, Espectro autístico,psicoses deficitárias de Mises, Desarmonias Evolutivas de Lang, Psicose desintegrativa de Heller, Psicose simbiótica de Mahler. Portanto, a hiperatividade também, como os quadros acima, exigem atenção psiquiátrica profunda e especializada. Não vejo como um médico que não tenha profundos conhecimentos \ prática hospitalar psiquiátrica possa conseguir resolver esse tipo de problema.
d- Demência, por definição, é uma síndrome com sintomas psiquiátricos, problemas cognitivos, problemas mnêmicos, problemas comportamentais, problemas afetivos, problemas psicóticos. Ou seja, por definição, não cursa, pelo menos inicialmente, com sintomas neurológicos ( sensitivo-motores ). Não há , na definição, necessidade de plegias, paresias, parestesias, convulsões, disautonomias, dis-sensoriopatias. Portanto, por definição - repetindo - é uma síndrome cognitivo-comportamental, que ao meu ver, necessita de atendimento psiquiátrico, inclusive porque grande parte de sintomas cognitivo-demenciais têm causas afetivas, a chamada “pseudodemencia depressiva”, alem de parafrenias discognitiva, rebaixamentos vesânicos, envelhecimento da bipolaridade ou esquizofrenia, síndromes tóxico-demenciais ( tabagismo, alcoolismo, voláteis, etc ), ou seja, quadros extremamente comum em psiquiatria geriatrica. Evidentemente, quando e se o quadro demencial tornar-se neurológico, com os típicos sintomas sensitivo-motores, deve ser enviado ao médico neurologista. Por outro lado, evidentemente, quadros geriátricos puramente ou sobremaneiramente sensitivo-motores, sem sintomas psiquiátricos, p.ex., alguns Parkinson, Esclerose Múltiplas, epilepsias, etc, não necessitam de irem para médico\hospital psiquiátrico.
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Marcelo Caixeta, médico psiquiatra

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