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domingo, setembro 03, 2017

Art. 10 — Se na Sagrada Escritura uma mesma letra tem vários sentidos. Suma Teológica. São Tomas de Aquino

Se na Sagrada Escritura uma mesma letra tem vários sentidos:
o histórico ou literal, o alegório, o tropológico ou moral e o anagógico.
(I Sent., prol., a. 5; IV, dist XXI, q.1, a.2, qa 1, ad 3; De Pot., q. 4, a. 1; Quodlib., III, q. 14, a. 1; VIII, q. 6; ad
Gal., c. IV, lect. VII)
O décimo discute-se assim — Parece que na Sagrada Escritura, uma mesma letra não tem vários
sentidos: o histórico ou literal, o alegórico, o tropológico ou moral e o anagógico.
1. — Pois a multiplicidade dos sentidos, num escrito, gera a confusão e o engano e obsta à segurança da
argüição. Donde, não resulta nenhuma argumentação da multiplicidade de proposições, causa esta,
antes, de sofismas. Ora, a Escritura Sagrada deve ser eficaz para mostrar a verdade, sem nenhuma
falácia. Logo, nela não deve haver, numa mesma letra, vários sentidos.
2. Demais — diz Agostinho: A Escritura chamada Antigo Testamento transmite-se quadriformemente:
pela história, pela etiologia, pela analogia e pela alegoria. Ora, essas quatro formas são completamente
diferentes das quatros supra enumeradas. Logo, não é admissível que a mesma letra da Escritura
Sagrada se exponha nos quatro sentidos preditos.
3. Demais — além dos sentidos preditos, há o parabólico, não contido nos quatro.
Mas, em contrário, Gregório: A Sagrada Escritura, pelo modo mesmo da sua locução, transcende todas
as ciências; pois, com a mesma expressão, assim narra o feito como expõe o mistério.
SOLUÇÃO. — O autor da Sagrada Escritura é Deus, em cujo poder está dar significação não só às
palavras, o que também o homem pode fazer, mas ainda às próprias coisas. Por isso, além do que se dá
com todas as ciências, nas quais as palavras têm significação, esta ciência tem de próprio que as coisas
mesmas significadas pelas palavras, por sua vez, também significam. Ora, a primeira significação, pela
qual as palavras exprimem as coisas, é a do primeiro sentido, que é o histórico ou literal. E a significação
pela qual as coisas expressas pelas palavras têm ainda outras significações, chama-se sentido espiritual,
que se funda no literal e o supõe. Mas, este sentido espiritual tem três subdivisões. Pois, como diz o
Apóstolo (Heb 7, 19), a lei antiga é figura da nova e esta, por sua vez, como diz Dionísio, o é da glória
futura; e, demais, na lei nova, as coisas feitas pelo chefe são sinais das que nós devemos fazer. Ora,
quando as coisas da lei antiga significam as da nova, o sentido é alegórico; quando as realizadas em
Cristo, ou nos que o que significam, são sinais das que devemos fazer, o sentido é moral; e quando
significam as coisas da glória eterna, o sentido é anagógico.
Mas como o sentido literal é o que o autor tem em vista, e o autor da Sagrada Escritura é Deus, cuja
inteligência tudo compreende simultaneamente, não há inconveniente, como diz Agostinho, se, mesmo
no sentido literal, uma expressão da Sagrada Escritura tem vários sentidos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A multiplicidade de tais sentidos não gera o equívoco
nem nenhuma outra espécie de multiplicidade; pois, como já se disse, esses sentidos se multiplicam,
não por ter uma palavra muitas significações, mas porque as próprias coisas significadas pelas palavras
podem ser sinais de outras coisas. Donde o não haver nenhuma confusão na Sagrada Escritura, por se
fundarem todos os sentidos em um, o literal, com o qual somente se pode argumentar, e não com o
sentido alegórico, como diz Agostinho. Mas, nem por isso, nada se perde da Escritura Sagrada; pois, não
há nada de necessário à fé, contido no sentido espiritual, que ela não explique manifestamente, alhures,
no sentido literal.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A história, a etiologia, a analogia pertencem a um mesmo sentido literal.
Pois, como expôs o próprio Agostinho, a história propõe algo pura e simplesmente; a etiologia assinala a
causa de uma expressão, como quando o Senhor assinalou a causa por que Moisés deu licença de
repudiar as mulheres, isto é, pela dureza do coração dos hebreus; a analogia mostra que a verdade de
um passo da Escritura não repugna à de outro. Ora, dentre as quatro divisões propostas, só a alegoria
abrange os três sentidos espirituais. E, assim, Hugo de São Vitor compreende, no sentido alegórico,
também o anagógico, admitindo somente três sentidos: o histórico, o alegórico e o tropológico.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O sentido parabólico se contém no literal, pois as palavras têm uma
significação própria e outra figurada; e nem é o sentido literal a figura, mas o figurado. Pois, quando a
Escritura se refere ao braço de Deus, o sentido literal não é que, em Deus, há esse membro corpóreo,
mas o que é por tal membro significado, i.e, a virtude operativa.
Por onde se vê que nunca pode haver falsidade no sentido literal da Escritura Sagrada.

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