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quarta-feira, maio 31, 2017

A fome do primeiro grito. Hilda Hilst

A fome do primeiro grito
Hilda Hilst


XII

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
desejasse.

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há um tempo.
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

De Júbilo Memória Noviciado da Paixão (1974)




XLII

As barcas afundadas. Cintilantes
Sob o rio. E é assim o poema. Cintilante
E obscura barca ardendo sob as águas.
Palavras eu as fiz nascer
Dentro de tua garganta.
Úmidas algumas, de transparente raiz:
Um molhado de línguas e de dentes.
Outras de geometria. Finas, angulosas
Como são as tuas
Quando falam de poetas, de poesia.

As barcas afundadas. Minhas palavras.
Mas poderão arder luas de eternidade.
E doutas, de ironia as tuas
Só através de minha vida vão viver.

De Amavisse (1989)




LXII

Que as barcaças do Tempo me devolvam
A primitiva urna de palavras.
Que me devolvam a ti e o teu rosto
Como desde sempre o conheci: pungente
Mas cintilando de vida, renovado
Como se o sol e o rosto caminhassem
Porque vinha de um a luz do outro.

Que me devolvam a noite, o espaço
De me sentir tão vasta e pertencida
Como se as águas e madeiras de todas as barcaças
Se fizessem matéria rediviva, adolescência e mito.

Que eu te devolva a fome do meu primeiro grito.

Degas. Pintura

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Apocalipse, 4

1.Depois disso, tive uma visão: vi uma porta aberta no céu, e a voz que falara comigo, como uma trombeta, dizia: Sobe aqui e mostrar-te-ei o que está para acontecer depois disso. 2.Imediatamente, fui arrebatado em espírito; no céu havia um trono, e nesse trono estava sentado um Ser. 3.E quem estava sentado assemelhava-se pelo aspecto a uma pedra de jaspe e de sardônica. Um halo, semelhante à esmeralda, nimbava o trono. 4.Ao redor havia vinte e quatro tronos, e neles, sentados, vinte e quatro Anciãos vestidos de vestes brancas e com coroas de ouro na cabeça. 5.Do trono saíam relâmpagos, vozes e trovões. Diante do trono ardiam sete tochas de fogo, que são os sete Espíritos de Deus. 6.Havia ainda diante do trono um mar límpido como cristal. Diante do trono e ao redor, quatro Animais vivos cheios de olhos na frente e atrás. 7.O primeiro animal vivo assemelhava-se a um leão; o segundo, a um touro; o terceiro tinha um rosto como o de um homem; e o quarto era semelhante a uma águia em pleno vôo. 8.Estes Animais tinham cada um seis asas cobertas de olhos por dentro e por fora. Não cessavam de clamar dia e noite: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Dominador, o que é, o que era e o que deve voltar. 9.E cada vez que aqueles Animais rendiam glória, honra e ação de graças àquele que vive pelos séculos dos séculos, 10.os vinte e quatro Anciãos inclinavam-se profundamente diante daquele que estava no trono e prostravam-se diante daquele que vive pelos séculos dos séculos, e depunham suas coroas diante do trono, dizendo: 11.Tu és digno Senhor, nosso Deus, de receber a honra, a glória e a majestade, porque criaste todas as coisas, e por tua vontade é que existem e foram criadas."

A soneca


terça-feira, maio 30, 2017

Apocalipse, 12

1.Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. 2.Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias de dar à luz. 3.Depois apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, e nas cabeças sete coroas. 4.Varria com sua cauda uma terça parte das estrelas do céu, e as atirou à terra. Esse Dragão deteve-se diante da Mulher que estava para dar à luz, a fim de que, quando ela desse à luz, lhe devorasse o filho. 5.Ela deu à luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações pagãs com cetro de ferro. Mas seu Filho foi arrebatado para junto de Deus e do seu trono. 6.A Mulher fugiu então para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um retiro para aí ser sustentada por mil duzentos e sessenta dias. 7.Houve uma batalha no céu. Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão. O Dragão e seus anjos travaram combate, 8.mas não prevaleceram. E já não houve lugar no céu para eles. 9.Foi então precipitado o grande Dragão, a primitiva Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado na terra, e com ele os seus anjos. 10.Eu ouvi no céu uma voz forte que dizia: Agora chegou a salvação, o poder e a realeza de nosso Deus, assim como a autoridade de seu Cristo, porque foi precipitado o acusador de nossos irmãos, que os acusava, dia e noite, diante do nosso Deus. 11.Mas estes venceram-no por causa do sangue do Cordeiro e de seu eloqüente testemunho. Desprezaram a vida até aceitar a morte. 12.Por isso alegrai-vos, ó céus, e todos que aí habitais. Mas, ó terra e mar, cuidado! Porque o Demônio desceu para vós, cheio de grande ira, sabendo que pouco tempo lhe resta. 13.O Dragão, vendo que fora precipitado na terra, perseguiu a Mulher que dera à luz o Menino. 14.Mas à Mulher foram dadas duas asas de grande águia, a fim de voar para o deserto, para o lugar de seu retiro, onde é alimentada por um tempo, dois tempos e a metade de um tempo, fora do alcance da cabeça da Serpente. 15.A Serpente vomitou contra a Mulher um rio de água, para fazê-la submergir. 16.A terra, porém, acudiu à Mulher, abrindo a boca para engolir o rio que o Dragão vomitara. 17.Este, então, se irritou contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus. 18.E ele se estabeleceu na praia."

Larga é a porta. Charles Fonseca. Fotografia


O primeiro self nunca se esquece


À flor da pele. João Camilo. Poesia

À FLOR DA PELE
João Camilo

Acende o cigarro, rapariga. E olha para a
rua onde passam transeuntes desconhecidos.
A tarde vai avançando e nós morrendo nela
ou morrendo nela as nossas esperanças,
a ilusão de eternidade. A beleza o que é?
Braços nus, o ventre liso nu, os cabelos caídos
nos ombros. A desconhecida concentra em si
a atenção do homem desocupado. Para
distrair-se, ele olha para ela e recorda-se
da história antiga do amor, reconstrói
ficções que sabe serem apenas ficções. Assim
passa o tempo, depois irá para casa. Quem
sabe o segredo mais secreto da existência
de cada um? Todos nós temos uma
história. Uns calam-na, outros murmuram
entre dentes os episódios essenciais, outros
encontram palavras com que construir o
poema hermético. Que diferença é que faz?
De tudo se constrói a existência, se alimenta
o sentido. Camisa branca à flor da pele, a
rapariga levantou-se e foi lá dentro do café
comprar qualquer coisa. Palavras, deixai-me
celebrar o vão movimento dos ponteiros do
relógio, os episódios vãos, a nossa morte.

segunda-feira, maio 29, 2017

O Protestantismo

Atos dos Apóstolos, 12

1.Por aquele mesmo tempo, o rei Herodes mandou prender alguns membros da Igreja para os maltratar. 2.Assim foi que matou à espada Tiago, irmão de João. 3.Vendo que isto agradava aos judeus, mandou prender Pedro. Eram então os dias dos pães sem fermento. 4.Mandou prendê-lo e lançou-o no cárcere, entregando-o à guarda de quatro grupos, de quatro soldados cada um, com a intenção de apresentá-lo ao povo depois da Páscoa. 5.Pedro estava assim encerrado na prisão, mas a Igreja orava sem cessar por ele a Deus. 6.Ora, quando Herodes estava para o apresentar, naquela mesma noite dormia Pedro entre dois soldados, ligado com duas cadeias. Os guardas, à porta, vigiavam o cárcere. 7.De repente, apresentou-se um anjo do Senhor, e uma luz brilhou no recinto. Tocando no lado de Pedro, o anjo despertou-o: Levanta-te depressa, disse ele. Caíram-lhe as cadeias das mãos. 8.O anjo ordenou: Cinge-te e calça as tuas sandálias. Ele assim o fez. O anjo acrescentou: Cobre-te com a tua capa e segue-me. 9.Pedro saiu e seguiu-o, sem saber se era real o que se fazia por meio do anjo. Julgava estar sonhando. 10.Passaram o primeiro e o segundo postos da guarda. Chegaram ao portão de ferro, que dá para a cidade, o qual se lhes abriu por si mesmo. Saíram e tomaram juntos uma rua. Em seguida, de súbito, o anjo desapareceu. 11.Então Pedro tornou a si e disse: Agora vejo que o Senhor mandou verdadeiramente o seu anjo e me livrou da mão de Herodes e de tudo o que esperava o povo dos judeus. 12.Refletiu um momento e dirigiu-se para a casa de Maria, mãe de João, que tem por sobrenome Marcos, onde muitos se tinham reunido e faziam oração. 13.Quando bateu à porta de entrada, uma criada, chamada Rode, adiantou-se para escutar. 14.Mal reconheceu a voz de Pedro, de tanta alegria não abriu a porta, mas, correndo para dentro, foi anunciar que era Pedro que estava à porta. 15.Disseram-lhe: Estás louca! Mas ela persistia em afirmar que era verdade. Diziam eles: Então é o seu anjo. 16.Pedro continuava a bater. Afinal abriram a porta, viram-no e ficaram atônitos. 17.Ele, acenando-lhes com a mão que se calassem, contou como o Senhor o havia livrado da prisão, e disse: Comunicai-o a Tiago e aos irmãos. Em seguida, saiu dali e retirou-se para outro lugar. 18.Logo que amanheceu, houve um sobressalto pouco comum entre os soldados sobre o que acontecera a Pedro. 19.Herodes, procurando-o e não o achando, instaurou um processo contra os guardas e mandou supliciá-los. Em seguida, desceu da Judéia para Cesaréia, onde permaneceu. 20.Estava Herodes em conflito com os habitantes de Tiro e de Sidônia. Estes, porém, de comum acordo, se apresentaram a ele, e, com o favor de Blasto, que era camareiro do rei, pediram a paz. (Porque a sua região era abastecida por ele.) 21.No dia marcado, Herodes, vestido em traje real, sentou-se no tribunal e lhes dirigiu uma alocução. 22.O povo aplaudia: É a voz de um deus, e não de um homem! 23.No mesmo instante, o anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado honra a Deus. E, roído de vermes, expirou. 24.Entretanto, a palavra de Deus crescia e se espalhava sempre mais. 25.Tendo Barnabé e Saulo concluído a sua missão, voltaram de Jerusalém (a Antioquia), levando consigo João, que tem por sobrenome Marcos."

Roger Fenton. Fotografia

Imagen relacionada

Kandisnki. Pintura

Resultado de imagen para Parque de Achityrka (1901)

Aponto a ponte


domingo, maio 28, 2017

Mestre Julio Retrato Pintado ~ 27 min

São João, 12

1.Seis dias antes da Páscoa, foi Jesus a Betânia, onde vivia Lázaro, que ele ressuscitara. 2.Deram ali uma ceia em sua honra. Marta servia e Lázaro era um dos convivas. 3.Tomando Maria uma libra de bálsamo de nardo puro, de grande preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos. A casa encheu-se do perfume do bálsamo. 4.Mas Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, aquele que o havia de trair, disse: 5.Por que não se vendeu este bálsamo por trezentos denários e não se deu aos pobres? 6.Dizia isso não porque ele se interessasse pelos pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, furtava o que nela lançavam. 7.Jesus disse: Deixai-a; ela guardou este perfume para o dia da minha sepultura. 8.Pois sempre tereis convosco os pobres, mas a mim nem sempre me tereis. 9.Uma grande multidão de judeus veio a saber que Jesus lá estava; e chegou, não somente por causa de Jesus, mas ainda para ver Lázaro, que ele ressuscitara. 10.Mas os príncipes dos sacerdotes resolveram tirar a vida também a Lázaro, 11.porque muitos judeus, por causa dele, se afastavam e acreditavam em Jesus. 12.No dia seguinte, uma grande multidão que tinha vindo à festa em Jerusalém ouviu dizer que Jesus se ia aproximando. 13.Saíram-lhe ao encontro com ramos de palmas, exclamando: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel! 14.Tendo Jesus encontrado um jumentinho, montou nele, segundo o que está escrito: 15.Não temas, filha de Sião, eis que vem o teu rei montado num filho de jumenta (Zc 9,9). 16.Os seus discípulos a princípio não compreendiam essas coisas, mas, quando Jesus foi glorificado, então se lembraram de que isto estava escrito a seu respeito e de que assim lho fizeram. 17.A multidão, pois, que se achava com ele, quando chamara Lázaro do sepulcro e o ressuscitara, aclamava-o. 18.Por isso o povo lhe saía ao encontro, porque tinha ouvido que Jesus fizera aquele milagre. 19.Mas os fariseus disseram entre si: Vede! Nada adiantamos! Reparai que todo mundo corre após ele! 20.Havia alguns gregos entre os que subiram para adorar durante a festa. 21.Estes se aproximaram de Filipe (aquele de Betsaida da Galiléia) e rogaram-lhe: Senhor, quiséramos ver Jesus. 22.Filipe foi e falou com André. Então André e Filipe o disseram ao Senhor. 23.Respondeu-lhes Jesus: É chegada a hora para o Filho do Homem ser glorificado. 24.Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer, produz muito fruto. 25.Quem ama a sua vida, perdê-la-á; mas quem odeia a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. 26.Se alguém me quer servir, siga-me; e, onde eu estiver, estará ali também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará. 27.Presentemente, a minha alma está perturbada. Mas que direi?... Pai, salva-me desta hora... Mas é exatamente para isso que vim a esta hora. 28.Pai, glorifica o teu nome! Nisto veio do céu uma voz: Já o glorifiquei e tornarei a glorificá-lo. 29.Ora, a multidão que ali estava, ao ouvir isso, dizia ter havido um trovão. Outros replicavam: Um anjo falou-lhe. 30.Jesus disse: Essa voz não veio por mim, mas sim por vossa causa. 31.Agora é o juízo deste mundo; agora será lançado fora o príncipe deste mundo. 32.E quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim. 33.Dizia, porém, isto, significando de que morte havia de morrer. 34.A multidão respondeu-lhe: Nós temos ouvido da lei que o Cristo permanece para sempre. Como dizes tu: Importa que o Filho do Homem seja levantado? Quem é esse Filho do Homem? 35.Respondeu-lhes Jesus: Ainda por pouco tempo a luz estará em vosso meio. Andai enquanto tendes a luz, para que as trevas não vos surpreendam; e quem caminha nas trevas não sabe para onde vai. 36.Enquanto tendes a luz, crede na luz, e assim vos tornareis filhos da luz. Jesus disse essas coisas, retirou-se e ocultou-se longe deles. 37.Embora tivesse feito tantos milagres na presença deles, não acreditavam nele. 38.Assim se cumpria o oráculo do profeta Isaías: Senhor, quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor (Is 53,1)? 39.Aliás, não podiam crer, porque outra vez disse Isaías: 40.Ele cegou-lhes os olhos, endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos nem entendam com o coração e se convertam e eu os sare (Is 6,10). 41.Assim se exprimiu Isaías, quando teve a visão de sua glória e dele falou. 42.Não obstante, também muitos dos chefes creram nele, mas por causa dos fariseus não o manifestavam, para não serem expulsos da sinagoga. 43.Assim preferiram a glória dos homens àquela que vem de Deus. 44.Entretanto, Jesus exclamou em voz alta: Aquele que crê em mim, crê não em mim, mas naquele que me enviou; 45.e aquele que me vê, vê aquele que me enviou. 46.Eu vim como luz ao mundo; assim, todo aquele que crer em mim não ficará nas trevas. 47.Se alguém ouve as minhas palavras e não as guarda, eu não o condenarei, porque não vim para condenar o mundo, mas para salvá-lo. 48.Quem me despreza e não recebe as minhas palavras, tem quem o julgue; a palavra que anunciei julgá-lo-á no último dia. 49.Em verdade, não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, ele mesmo me prescreveu o que devo dizer e o que devo ensinar. 50.E sei que o seu mandamento é vida eterna. Portanto, o que digo, digo-o segundo me falou o Pai."

A mulher virtuosa paga a conta do seu marido


sábado, maio 27, 2017

Passagem do ano. Carlos Drummond de Andrade. Poesia

PASSAGEM DO ANO
Carlos Drummond de Andrade

O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
de lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles...e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

Gal Costa - "Alguém como tu" (Fantástico 2003)

Internação forçada de toxicomanos. Marcelo Ferreira Caixeta. Médico psiquiatra.

"O que acontece com um dependente químico que é HOSPITALIZADO À FORÇA ? O tratamento médico dele não dá certo ? A medicina, o hospital, não tem recursos para ele ? Ele terá um futuro ?Muitos me CRITICARAM quanto à isso quando defendi as internações forçadas de Dória na Cracolândia. Tento responder isso com uma experiência, estudos e pesquisas médico-psiquiátrico-hospitalares de 36 anos.
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1/ O paciente chega ao hospital revoltado, quer ir embora, fugir, não quer ser privado de liberdade, “vocês não tem o direito”, “não estou louco”, “paro quando eu quero”, “se não quiser ninguém me faz parar”, “sair daqui e volto tudo de novo”, “vocês não sabem quem eu sou, irão pagar, vou te pegar”, “vou quebrar tudo”, “vou acabar com sua vida, sei de sua rotina”, “vou te processar”. Não acredita que pode ficar livre da droga, “quer largar dela, sabe que lhe prejudica, mas não quer o tratamento”. Agressividade muito grande. Necessário uso de medicação ataráxica/neuroléptica.
2/ com um ou dois dias de medicação psiquiátrica adequada, a resistência diminui, muitos até já começam a aceitar a hospitalização. Surgem a abstinência, a depressão, ansiedade, hiperatividade, grande inquietação, doença bipolar subjacente à droga. Têm de ser convenientemente tratados, com uso de medicação para estas situações, ou seja, medicações : normotímica/antidepressiva/ansiolítica/psicoestimulante/dopaminérgica/serotoninérgica/ antiabstinência ( p.ex., clonidina, propranolol, benzodiazepínicos, antipsicóticos, etc, para abstinência cocaínica ) .
3/ Em quase 100% dos casos de toxicomania grave há uma patologia psiquiátrica outra subjacente. Por exemplo, hiperatividade, depressão, ansiedade, bipolaridade, transtorno delirante. O paciente irá precisar de medicação para o tratamento dessas patologias.
4/ Irá também precisar de medicação que “corte” o efeito das drogas. Para cada droga há medicações específicas, que ajudam a manter a abstinência. Por exemplo, grosso modo, para o tabagismo há vareniclina ( sim, para nós, psiquiatras, cigarro também é considerado droga ) , para a cocaína há a bupropiona, para maconha há levomepromazina, para o álcool há benzodiazepínicos, naltrexone, acamprosato.
5/ Estudos mostram que , se não tratar o tabagismo, a chance de haver recaída de drogas mais graves – p.ex., cocaína – é muito mais alta. O tabagismo é a droga mais difícil de ser tratada. Muitas casas de recuperação/hospitais não atacam o problema , pois dá canseira demais, mas sem atacá-lo, a chance de recaída aumenta muito.
6/ Com estas medicações, em breve tempo o paciente já está melhor da toxicomania, da abstinência, ansiedade, depressão, psicoses, ou outros sintomas. Agora começa uma fase difícil, pois a maioria não quer trabalhar, não querem fazer algo para passar o tempo, aí entregam-se a um tédio preguiçoso que será o principal obstáculo ao tratamento. O dependente que trabalha durante a hospitalização tem uma chance bem maior de recuperação, mas a maioria não gosta de trabalhar, não aprendeu a trabalhar, não foi forçada a isso pelo pai, família, comunidade.
7/ O tratamento médico-hospitalar da toxicomania é relativamente fácil e exitoso. Nessa fase, aproximadamente 95% daqueles que ameaçavam por terem sido internados à força dizem que concordam com a internação. A frase mais ouvida é : “eu precisava mesmo, estava muito ruim”. Salvo intercorrências médicas ou psiquiátricas mais graves, em pouco tempo o paciente já está melhor. Agora entra em cena o que é realmente mortal para o dependente : a Família, o Estado, as Instituições ( “casas de recuperação”, hospitais, profissionais de saúde ). Sobre estas instâncias “mortais” falarei em um próximo artigo.
Marcelo Ferreira Caixeta
Médico psiquiatra

São Lucas, 12

1.Enquanto isso, os homens se tinham reunido aos milhares em torno de Jesus, de modo que se atropelavam uns aos outros. Jesus começou a dizer a seus discípulos: Guardai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. 2.Porque não há nada oculto que não venha a descobrir-se, e nada há escondido que não venha a ser conhecido. 3.Pois o que dissestes às escuras será dito à luz; e o que falastes ao ouvido, nos quartos, será publicado de cima dos telhados. 4.Digo-vos a vós, meus amigos: não tenhais medo daqueles que matam o corpo e depois disto nada mais podem fazer. 5.Mostrar-vos-ei a quem deveis temer: temei àquele que, depois de matar, tem poder de lançar no inferno; sim, eu vo-lo digo: temei a este. 6.Não se vendem cinco pardais por dois asses? E, entretanto, nem um só deles passa despercebido diante de Deus. 7.Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois. Mais valor tendes vós do que numerosos pardais. 8.Digo-vos: todo o que me reconhecer diante dos homens, também o Filho do Homem o reconhecerá diante dos anjos de Deus; 9.mas quem me negar diante dos homens será negado diante dos anjos de Deus. 10.Todo aquele que tiver falado contra o Filho do Homem obterá perdão, mas aquele que tiver blasfemado contra o Espírito Santo não alcançará perdão. 11.Quando, porém, vos levarem às sinagogas, perante os magistrados e as autoridades, não vos preocupeis com o que haveis de falar em vossa defesa, 12.porque o Espírito Santo vos inspirará naquela hora o que deveis dizer. 13.Disse-lhe então alguém do meio do povo: Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança. 14.Jesus respondeu-lhe: Meu amigo, quem me constituiu juiz ou árbitro entre vós? 15.E disse então ao povo: Guardai-vos escrupulosamente de toda a avareza, porque a vida de um homem, ainda que ele esteja na abundância, não depende de suas riquezas. 16.E propôs-lhe esta parábola: Havia um homem rico cujos campos produziam muito. 17.E ele refletia consigo: Que farei? Porque não tenho onde recolher a minha colheita. 18.Disse então ele: Farei o seguinte: derrubarei os meus celeiros e construirei maiores; neles recolherei toda a minha colheita e os meus bens. 19.E direi à minha alma: ó minha alma, tens muitos bens em depósito para muitíssimos anos; descansa, come, bebe e regala-te. 20.Deus, porém, lhe disse: Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma. E as coisas, que ajuntaste, de quem serão? 21.Assim acontece ao homem que entesoura para si mesmo e não é rico para Deus. 22.Jesus voltou-se então para seus discípulos: Portanto vos digo: não andeis preocupados com a vossa vida, pelo que haveis de comer; nem com o vosso corpo, pelo que haveis de vestir. 23.A vida vale mais do que o sustento e o corpo mais do que as vestes. 24.Considerai os corvos: eles não semeiam, nem ceifam, nem têm despensa, nem celeiro; entretanto, Deus os sustenta. Quanto mais valeis vós do que eles? 25.Mas qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? 26.Se vós, pois, não podeis fazer nem as mínimas coisas, por que estais preocupados com as outras? 27.Considerai os lírios, como crescem; não fiam, nem tecem. Contudo, digo-vos: nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles. 28.Se Deus, portanto, veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã se lança ao fogo, quanto mais a vós, homens de fé pequenina! 29.Não vos inquieteis com o que haveis de comer ou beber; e não andeis com vãs preocupações. 30.Porque os homens do mundo é que se preocupam com todas estas coisas. Mas vosso Pai bem sabe que precisais de tudo isso. 31.Buscai antes o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo. 32.Não temais, pequeno rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o Reino. 33.Vendei o que possuís e dai esmolas; fazei para vós bolsas que não se gastam, um tesouro inesgotável nos céus, aonde não chega o ladrão e a traça não o destrói. 34.Pois onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração. 35.Estejam cingidos os vossos rins e acesas as vossas lâmpadas. 36.Sede semelhantes a homens que esperam o seu senhor, ao voltar de uma festa, para que, quando vier e bater à porta, logo lha abram. 37.Bem-aventurados os servos a quem o senhor achar vigiando, quando vier! Em verdade vos digo: cingir-se-á, fá-los-á sentar à mesa e servi-los-á. 38.Se vier na segunda ou se vier na terceira vigília e os achar vigilantes, felizes daqueles servos! 39.Sabei, porém, isto: se o senhor soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria forçar a sua casa. 40.Estai, pois, preparados, porque, à hora em que não pensais, virá o Filho do Homem. 41.Disse-lhe Pedro: Senhor, propões esta parábola só a nós ou também a todos? 42.O Senhor replicou: Qual é o administrador sábio e fiel que o senhor estabelecerá sobre os seus operários para lhes dar a seu tempo a sua medida de trigo? 43.Feliz daquele servo que o senhor achar procedendo assim, quando vier! 44.Em verdade vos digo: confiar-lhe-á todos os seus bens. 45.Mas, se o tal administrador imaginar consigo: Meu senhor tardará a vir, e começar a espancar os servos e as servas, a comer, a beber e a embriagar-se, 46.o senhor daquele servo virá no dia em que não o esperar e na hora em que ele não pensar, e o despedirá e o mandará ao destino dos infiéis. 47.O servo que, apesar de conhecer a vontade de seu senhor, nada preparou e lhe desobedeceu será açoitado com numerosos golpes. 48.Mas aquele que, ignorando a vontade de seu senhor, fizer coisas repreensíveis será açoitado com poucos golpes. Porque, a quem muito se deu, muito se exigirá. Quanto mais se confiar a alguém, dele mais se há de exigir. 49.Eu vim lançar fogo à terra, e que tenho eu a desejar se ele já está aceso? 50.Mas devo ser batizado num batismo; e quanto anseio até que ele se cumpra! 51.Julgais que vim trazer paz à terra? Não, digo-vos, mas separação. 52.Pois de ora em diante haverá numa mesma casa cinco pessoas divididas, três contra duas, e duas contra três; 53.estarão divididos: o pai contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a nora contra a sogra. 54.Dizia ainda ao povo: Quando vedes levantar-se uma nuvem no poente, logo dizeis: Aí vem chuva. E assim sucede. 55.Quando vedes soprar o vento do sul, dizeis: Haverá calor. E assim acontece. 56.Hipócritas! Sabeis distinguir os aspectos do céu e da terra; como, pois, não sabeis reconhecer o tempo presente? 57.Por que também não julgais por vós mesmos o que é justo? 58.Ora, quando fores com o teu adversário ao magistrado, faze o possível para entrar em acordo com ele pelo caminho, a fim de que ele te não arraste ao juiz, e o juiz te entregue ao executor, e o executor te ponha na prisão. 59.Digo-te: não sairás dali, até pagares o último centavo."

Rembrandt. Pintura

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sexta-feira, maio 26, 2017

No balanço da gangorra. Charles Fonseca. Filme


Gente humilde. Fotografia


Sebastião Salgado. Fotografia

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GARÇAS
Maria Lúcia Martins

Antes não havia garças. (Antes
dos ventos).
Restos de estrelas navegavam a noite
(a nuvem escura)
e se alvejavam em seixos e ossos.
À mesma noite
acrescentam-se sombras: eram as penas
e a plumagem.
As garças não eram feitas: surgiam. Leves,
feitas de voo
(o voo primeiro). Garças de asas
emendadas em asas,
as garças passam penhascos, além,
os prados cinza.
O verde inda é longe. Longe, as aves
adivinham a terra.
As garças descem (como atraídas) e
sentem a primeira
sede. A água compreendida pela
sede. Jamais
a informação da água: as garças gestadas
de puro voo.

Nos ventos, o olhar enfastiou-se.
As garças buscam clarão de madrugadas
(ou de crepúsculos: nenhum sinal
por distinguir a cor das horas).
As garças pisam areias virgens
(imprimem sua chegada: a cruz aberta)
beiras de charcos, beiras de lagos,
restos de mar incendiados ao meio-dia.

Às vezes, as garças se animam
com o assovio dos ventos chamando
a noite. E dançam. Dançam o passado
cravado às asas. Nunca procuram
caminhos de volta: foram apagados.

À BEIRA-MAR. Charles Fonseca. Poesia.

À BEIRA MAR
Charles Fonseca.

Era o dia da Aparecida
Era noite cheirando a jasmim
Aragem do mar chegando pra mim,
Noite escura, vela encolhida.

Sopra a brisa, balanço do mar,
Cheira o jasmim, aroma o sargaço,
O vento frio, esquenta o abraço,
Atracam barcos, nós dois a sonhar.


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Renoir. Pintura

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São Marcos, 12

1.E começou a falar-lhes em parábolas. Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar, edificou uma torre, arrendou-a a vinhateiros e ausentou-se daquela terra. 2.A seu tempo enviou aos vinhateiros um servo, para receber deles uma parte do produto da vinha. 3.Ora, eles prenderam-no, feriram-no e reenviaram-no de mãos vazias. 4.Enviou-lhes de novo outro servo; também este feriram na cabeça e o cobriram de afrontas. 5.O senhor enviou-lhes ainda um terceiro, mas o mataram. E enviou outros mais, dos quais feriram uns e mataram outros. 6.Restava-lhe ainda seu filho único, a quem muito amava. Enviou-o também por último a ir ter com eles, dizendo: Terão respeito a meu filho!... 7.Os vinhateiros, porém, disseram uns aos outros: Este é o herdeiro! Vinde, matemo-lo e será nossa a herança! 8.Agarrando-o, mataram-no e lançaram-no fora da vinha. 9.Que fará, pois, o senhor da vinha? Virá e exterminará os vinhateiros e dará a vinha a outro. 10.Nunca lestes estas palavras da Escritura: A pedra que os construtores rejeitaram veio a tornar-se pedra angular. 11.Isto é obra do Senhor, e ela é admirável aos nossos olhos (Sal 117,22s)? 12.Procuravam prendê-lo, mas temiam o povo; porque tinham entendido que a respeito deles dissera esta parábola. E deixando-o, retiraram-se. 13.Enviaram-lhe alguns fariseus e herodianos, para que o apanhassem em alguma palavra. 14.Aproximaram-se dele e disseram-lhe: Mestre, sabemos que és sincero e que não lisonjeias a ninguém; porque não olhas para as aparências dos homens, mas ensinas o caminho de Deus segundo a verdade. É permitido que se pague o imposto a César ou não? Devemos ou não pagá-lo? 15.Conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu-lhes Jesus: Por que me quereis armar um laço? Mostrai-me um denário. 16.Apresentaram-lho. E ele perguntou-lhes: De quem é esta imagem e a inscrição? De César, responderam-lhe. 17.Jesus então lhes replicou. Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. E admiravam-se dele. 18.Ora, vieram ter com ele os saduceus, que afirmam não haver ressurreição, e perguntaram-lhe: 19.Mestre, Moisés prescreveu-nos: Se morrer o irmão de alguém, e deixar mulher sem filhos, seu irmão despo-se a viúva e suscite posteridade a seu irmão. 20.Ora, havia sete irmãos; o primeiro casou e morreu sem deixar descendência. 21.Então o segundo desposou a viúva, e morreu sem deixar posteridade. Do mesmo modo o terceiro. 22.E assim tomaram-na os sete, e não deixaram filhos. Por último, morreu também a mulher. 23.Na ressurreição, a quem destes pertencerá a mulher? Pois os sete a tiveram por mulher. 24.Jesus respondeu-lhes: Errais, não compreendendo as Escrituras nem o poder de Deus. 25.Na ressurreição dos mortos, os homens não tomarão mulheres, nem as mulheres, maridos, mas serão como os anjos nos céus. 26.Mas quanto à ressurreição dos mortos, não lestes no livro de Moisés como Deus lhe falou da sarça, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó (Êx 3, 6)? 27.Ele não é Deus de mortos, senão de vivos. Portanto, estais muito errados. 28.Achegou-se dele um dos escribas que os ouvira discutir e, vendo que lhes respondera bem, indagou dele: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? 29.Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; 30.amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças. 31.Eis aqui o segundo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Outro mandamento maior do que estes não existe. 32.Disse-lhe o escriba: Perfeitamente, Mestre, disseste bem que Deus é um só e que não há outro além dele. 33.E amá-lo de todo o coração, de todo o pensamento, de toda a alma e de todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, excede a todos os holocaustos e sacrifícios. 34.Vendo Jesus que ele falara sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do Reino de Deus. E já ninguém ousava fazer-lhe perguntas. 35.Continuava Jesus a ensinar no templo e propôs esta questão: Como dizem os escribas que Cristo é o filho de Davi? 36.Pois o mesmo Davi diz, inspirado pelo Espírito Santo: Disse o Senhor a meu Senhor: senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos sob os teus pés (Sal 109,1). 37.Ora, se o próprio Davi o chama Senhor, como então é ele seu filho? E a grande multidão ouvia-o com satisfação. 38.Ele lhes dizia em sua doutrina: Guardai-vos dos escribas que gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças públicas 39.e de sentar-se nas primeiras cadeiras nas sinagogas e nos primeiros lugares nos banquetes. 40.Eles devoram os bens das viúvas e dão aparência de longas orações. Estes terão um juízo mais rigoroso. 41.Jesus sentou-se defronte do cofre de esmola e observava como o povo deitava dinheiro nele; muitos ricos depositavam grandes quantias. 42.Chegando uma pobre viúva, lançou duas pequenas moedas, no valor de apenas um quadrante. 43.E ele chamou os seus discípulos e disse-lhes: Em verdade vos digo: esta pobre viúva deitou mais do que todos os que lançaram no cofre, 44.porque todos deitaram do que tinham em abundância; esta, porém, pôs, da sua indigência, tudo o que tinha para o seu sustento."

O jogador. Charles Fonseca. Fotografia


quinta-feira, maio 25, 2017

Quer namorar comigo? Charles Fonseca. Prosa

Havia naquela igreja os bancos destinados aos adolescentes ditos intermediários, lugar de destaque entre os fiéis. Dois a dois contíguos em quatro fileiras. Vinha de dentro deles aquela inflamação sublime sem objeto definido. Eram os ardores dos ditos hormônios estrogenicos e testosterona. Aquele por quem se interessou por ela passando os olhos viu duas pombinhas que arrulhavam palpitantes, cobertas por pudico vestido azul claro. Foi ao gabinete pastoral e com um lápis escreveu para ela que estava na terceira fila à direita na ponta do banco: - Quer namorar comigo? - Sim, foi a resposta precedida de um olhar inesquecido. A roda vida os separou logo depois, depois eu conto.

São Mateus, 12

1.Atravessava Jesus os campos de trigo num dia de sábado. Seus discípulos, tendo fome, começaram a arrancar as espigas para comê-las. 2.Vendo isto, os fariseus disseram-lhe: Eis que teus discípulos fazem o que é proibido no dia de sábado. 3.Jesus respondeu-lhes: Não lestes o que fez Davi num dia em que teve fome, ele e seus companheiros, 4.como entrou na casa de Deus e comeu os pães da proposição? Ora, nem a ele nem àqueles que o acompanhavam era permitido comer esses pães reservados só aos sacerdotes. 5.Não lestes na lei que, nos dias de sábado, os sacerdotes transgridem no templo o descanso do sábado e não se tornam culpados? 6.Ora, eu vos declaro que aqui está quem é maior que o templo. 7.Se compreendêsseis o sentido destas palavras: Quero a misericórdia e não o sacrifício... não condenaríeis os inocentes. 8.Porque o Filho do Homem é senhor também do sábado. 9.Partindo dali, Jesus entrou na sinagoga. 10.Encontrava-se lá um homem que tinha a mão seca. Alguém perguntou a Jesus: É permitido curar no dia de sábado? Isto para poder acusá-lo. 11.Jesus respondeu-lhe: Há alguém entre vós que, tendo uma única ovelha e se esta cair num poço no dia de sábado, não a irá procurar e retirar? 12.Não vale o homem muito mais que uma ovelha? É permitido, pois, fazer o bem no dia de sábado. 13.Disse, então, àquele homem: Estende a mão. Ele a estendeu e ela tornou-se sã como a outra. 14.Os fariseus saíram dali e deliberaram sobre os meios de o matar. 15.Jesus soube disso e afastou-se daquele lugar. Uma grande multidão o seguiu, e ele curou todos os seus doentes. 16.Proibia-lhes formalmente falar disso, 17.para que se cumprisse o anunciado pelo profeta Isaías: 18.Eis o meu servo a quem escolhi, meu bem-amado em quem minha alma pôs toda sua a afeição. Farei repousar sobre ele o meu Espírito e ele anunciará a justiça aos pagãos. 19.Ele não disputará, não elevará sua voz; ninguém ouvirá sua voz nas praças públicas. 20.Não quebrará o caniço rachado, nem apagará a mecha que ainda fumega, até que faça triunfar a justiça. 21.Em seu nome as nações pagãs porão sua esperança (Is 42,1-4). 22.Apresentaram-lhe, depois, um possesso cego e mudo. Jesus o curou de tal modo, que este falava e via. 23.A multidão, admirada, dizia: Não será este o filho de Davi? 24.Mas, ouvindo isto, os fariseus responderam: É por Beelzebul, chefe dos demônios, que ele os expulsa. 25.Jesus, porém, penetrando nos seus pensamentos, disse: Todo reino dividido contra si mesmo será destruído. Toda cidade, toda casa dividida contra si mesma não pode subsistir. 26.Se Satanás expele Satanás, está dividido contra si mesmo. Como, pois, subsistirá o seu reino? 27.E se eu expulso os demônios por Beelzebul, por quem é que vossos filhos os expulsam? Por isso, eles mesmos serão vossos juízes. 28.Mas, se é pelo Espírito de Deus que expulso os demônios, então chegou para vós o Reino de Deus. 29.Como pode alguém penetrar na casa de um homem forte e roubar-lhe os bens, sem ter primeiro amarrado este homem forte? Só então pode roubar sua casa. 30.Quem não está comigo está contra mim; e quem não ajunta comigo, espalha. 31.Por isso, eu vos digo: todo pecado e toda blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não lhes será perdoada. 32.Todo o que tiver falado contra o Filho do Homem será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século nem no século vindouro. 33.Ou dizeis que a árvore é boa e seu fruto bom, ou dizeis que é má e seu fruto, mau; porque é pelo fruto que se conhece a árvore. 34.Raça de víboras, maus como sois, como podeis dizer coisas boas? Porque a boca fala do que lhe transborda do coração. 35.O homem de bem tira boas coisas de seu bom tesouro. O mau, porém, tira coisas más de seu mau tesouro. 36.Eu vos digo: no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido. 37.É por tuas palavras que serás justificado ou condenado. 38.Então alguns escribas e fariseus tomaram a palavra: Mestre, quiséramos ver-te fazer um milagre. 39.Respondeu-lhes Jesus: Esta geração adúltera e perversa pede um sinal, mas não lhe será dado outro sinal do que aquele do profeta Jonas: 40.do mesmo modo que Jonas esteve três dias e três noites no ventre do peixe, assim o Filho do Homem ficará três dias e três noites no seio da terra. 41.No dia do juízo, os ninivitas se levantarão com esta raça e a condenarão, porque fizeram penitência à voz de Jonas. Ora, aqui está quem é mais do que Jonas. 42.No dia do juízo, a rainha do Sul se levantará com esta raça e a condenará, porque veio das extremidades da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. Ora, aqui está quem é mais do que Salomão. 43.Quando o espírito impuro sai de um homem, ei-lo errante por lugares áridos à procura de um repouso que não acha. 44.Diz ele, então: Voltarei para a casa donde saí. E, voltando, encontra-a vazia, limpa e enfeitada. 45.Vai, então, buscar sete outros espíritos piores que ele, e entram nessa casa e se estabelecem aí; e o último estado daquele homem torna-se pior que o primeiro. Tal será a sorte desta geração perversa. 46.Jesus falava ainda à multidão, quando veio sua mãe e seus irmãos e esperavam do lado de fora a ocasião de lhe falar. 47.Disse-lhe alguém: Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te. 48.Jesus respondeu-lhe: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? 49.E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. 50.Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe."

Marcio Vasconcelos. Fotografia

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Munch. Pintura

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Doria acertou ao retirar à força os toxicômanos do crack das ruas ?

"Doria acertou ao retirar à força os toxicômanos do crack das ruas ? Como médico psiquiatra, que lida ininterruptamente com esta população há 32 anos, acho que sim. Quem perdeu a liberdade de escolher entre usar ou não uma substãncia já perdeu a capacidade mental de auto-determinar-se. É doença mental, consequentemente afeta a capacidade de auto-avaliar-se, a capacidade de avaliar o mundo. Perdeu determinadas capacidades cognitivas e também as capacidades volitivas de determinar-se de acordo com eventuais cognições. Ou alguém acha que largar a casa, família, emprego, cama-comida-e-roupa-passada, para ir morar na rua, como um rato-em-busca-de-um-cachimbo é uma “escolha ideológica”, um “efeito nefasto da burguesia?”. A doença psiquiátrica severa, em sua maioria dos casos, afeta o lobo frontal, região do cérebro que é responsável , entre outras, por julgar o próprio comportamento. O fato de um doente não julgar-se um doente não o torna menos doente, ou menos perigoso para si ou para outrem. Todo dia interno um "punhado de gente" , trazidos pelas famílias, com base nestas noções médicas,[sim, há critérios objetivos para isso] sem autorização de juiz, de promotor, de autoridade nenhuma. Só com a avaliação médica-psiquiátrica do paciente, com o pedido da família/companheiros, que é, note-se, "rica" ou "classe média". Mas quando é pobre, miserável, "de rua", aí é preciso que os "Direitos Humanos", a "Esquerda Coitadista", o "Socialismo Estatal Judiciário/Promotorial/Defensorial" entrem em ação. Afinal é preciso que haja uma justificativa plausível e visível para certos altos salários." Marcelo Ferreira Caixeta

quarta-feira, maio 24, 2017

A vida é bela. Charles Fonseca. Fotografia


Dançarina espanhola. Rainer Maria Rilke. Poesia

DANÇARINA ESPANHOLA
Rainer Maria Rilke


Como um fósforo a arder antes que cresça
a flama, distendendo em raios brancos
suas línguas de luz, assim começa
e se alastra ao redor, ágil e ardente,
a dança em arco aos trêmulos arrancos.

E logo ela é só flama, inteiramente.

Com um olhar põe fogo nos cabelos
e com arte sutil dos tornozelos
incendeia também os seus vestidos
de onde, serpentes doidas, a rompê-los,
saltam os braços nus com estalidos.

Então como se fosse um feixe aceso,
colhe o fogo num gesto de desprezo,
atira-o bruscamente no tablado
e o contempla. Ei-lo ao rés do chão, irado,
a sustentar ainda a chama viva.
Mas ela, do alto, num leve sorriso
de saudação, erguendo a fronte altiva,
pisa-o com seu pequeno pé preciso.

Se a doutrina sagrada é ciência prática. 4. Suma Teológica. São Tomás de Aquino

Art. 4 — Se a doutrina sagrada é ciência prática.
(I Sent., prol. a. 3, q. 1)
O quarto discute-se assim — Parece que a doutrina sagrada é uma ciência prática.
1. — Pois, segundo o Filósofo, no livro II da Metafísica, o fim do saber prático é o operar; e a doutrina
sagrada à operação se ordena, conforme a Escritura (Tg 1, 22): Sede, pois, fazedores da palavra, e não
ouvintes tão somente. Logo, é ciência prática.
2. Demais — A doutrina sagrada abrange a lei antiga e a nova. Ora, a lei respeita à ciência moral, que é
prática. Donde, é ciência prática a doutrina sagrada.
Mas, em contrário, toda ciência prática tem por objeto as coisas factíveis pelo homem; v.g. a moral, os
atos humanos e a arquitetura, os edifícios. Ora, a doutrina sagrada tem por objeto principal Deus, de
quem, pelo contrário, são obras os seres humanos. Por onde, não é ciência prática, mas, antes,
especulativa.
SOLUÇÃO. — A doutrina sagrada, sendo uma única ciência, como dissemos antes (a. 3 ad 2), contém os
objetos de várias disciplinas filosóficas pelo aspecto formal, que neles considera, de serem cognoscíveis
à luz divina. Donde, embora nas ciências filosóficas, seja uma a especulativa, e outra, a prática, a
sagrada doutrina compreende o objeto de ambas; bem como Deus, pela mesma ciência, conhece o
próprio ser e suas obras. Contudo, é mais especulativa que prática, por conhecer antes das coisas
divinas que dos atos humanos, tratando destes enquanto o homem, por eles, se ordena ao
conhecimento perfeito de Deus, essência da felicidade eterna.
Donde resultam claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES

A gangorra. Charles Fonseca. Fotografia


terça-feira, maio 23, 2017

Esquiva de chute forte.Técnicas de Luta Kung Fu Artes Marciais em Ação

Delacroix. Pintura

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Delacroix, o dândi do romantismo

Colaboração para Folha Online

Artista famoso pela intensidade de suas cores e por experimentos que o levaram a revolucionar a maneira de trabalhar os tons, Eugène Delacroix é o mais conhecido representante do estilo romântico na pintura. As cenas de paixão, violência e sensualidade, aliadas ao colorido das vestes e paisagens, fizeram a fama desse pintor da nobreza, nascido Ferdinand-Victor Eugène Delacroix a 26 de abril de 1798, no subúrbio parisiense de Saint-Maurice.

Seu pai, um membro do governo que havia votado a favor da execução de Luís 16, em 1793, morreu quando Delacroix tinha sete anos. O então pequeno Eugène vivia em Bordeaux, e alguns meses mais tarde retornaria a Paris com a família. Sua mãe morreu em 1814, restando-lhe viver com a irmã, Henriette. Um ano depois, inscreve-se como aprendiz no estúdio de Pierre-Narcisse Guérin, famoso pintor e professor de sua época. Tinha início uma produção artística que só teria fim com sua morte, 48 anos depois.

Delacroix ingressa na Escola de Belas Artes de Paris, e é ali que conhece Theódore Géricault, um jovem pintor que lhe seria de grande influência por sua dramaticidade e maneira inovadora de usar as cores. Diferentemente dos artistas mais clássicos e acadêmicos, Géricault inspira Delacroix a inovar tanto na composição quanto na escolha de temas mais políticos e atuais para suas telas.

Artista culto e bem-relacionado, Delacroix era também um homem elegante e espirituoso, apesar de demonstrar, por vezes, um temperamento explosivo. Foi amigo do casal Chopin e George Sand, e bastante influenciado pelos trabalhos intensos e dramáticos de Rubens, pelas paisagens do inglês John Constable e pelos poemas de Lord Byron, cujos temas transportou para diversos trabalhos. Sua obra mais famosa, "A Liberdade Guiando o Povo" (1831), foi um sucesso por prestar glórias à democracia e à revolução que, um ano antes, levara Luís Felipe ao poder. A obra foi imediatamente adquirida pelo governo pela quantia de 6.000 francos, bastante alta na época.

A viagem de quase seis meses à Espanha, Marrocos e Argélia, em 1832, seria importantíssima na trajetória do artista, que a partir daí passou a retratar temas e episódios do Oriente Médio. As cores se intensificaram e mostravam-se mais vibrantes. Delacroix passa a realizar trabalhos de grande escala em prédios públicos e igrejas, pintando murais e painéis. O Salão do Rei e a biblioteca do Palácio Bourbon, além da biblioteca do Palácio de Luxemburgo ostentam, até hoje, obras de grandes dimensões realizadas por ele.

Tendo participado diversas vezes do Salão de Paris e premiado com a Grande Medalha de Honra e a comenda da Legião de Honra, foi eleito, ainda, membro da Academia de Belas Artes de Paris. Até um ministério Delacroix assumiu após a revolução de 1830. Tantas honrarias, porém, não impediram que o artista passasse seus últimos anos de vida recluso em seu estúdio em Paris, sem filhos ou muitos amigos. Suas crises de laringite, que lhe afligiram durante grande parte da vida, foram a causa de sua morte, aos 65 anos.

Oh! Charles Fonseca. Poesia

Ah, lagoas de Maceió! Mulheres das Alagoas! Tão belas também tão boas, cheirosas, desmaio, oh!

segunda-feira, maio 22, 2017

Terceira elegia. Carpinejar. Poesia

TERCEIRA ELEGIA
Carpinejar

(trecho)

Estive sempre de pé no ônibus, espremido
[entre o ferro
da cadeira e o rumor dos passageiros.
Educado a ser o último, cedi o lugar a gestantes
[e idosos.
Estive sempre de pé no ônibus, me defendendo
ao largo do corrimão de tantos rumos,
alianças e ponteiros com paradas diferentes.
E o brado irritante do cobrador ainda a exigir
um passo à frente.

O fato de não ter sido é mais trabalhoso
do que a fama. Prossegui a me imaginar,
sondando o que poderia ter vivido.
Disperso, anônimo, no comício do mar
e nas trevas.

Diminuindo o risco, reduzimos a possibilidade
de nos libertar. O medo, o medo, o medo
é o que nos faz escolher.

Descobre-se um amor
na iminência de perdê-lo.


l

Por mais que uma vela
seja vizinha
de outra chama,

por mais que uma vela
seja seguida
pela caravela de sopros,

por mais que uma vela
segure a barra do vestido
na ascensão,

a vela é sempre solitária,
uma forma da luz
ser indigente.

A alegria de viver


Pra não dizer que não falei das flores - Geraldo Vandré (1968)

domingo, maio 21, 2017

Saudai o nome de Jesus

Romanos, 12

1.Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual. 2.Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito. 3.Em virtude da graça que me foi dada, recomendo a todos e a cada um: não façam de si próprios uma opinião maior do que convém, mas um conceito razoavelmente modesto, de acordo com o grau de fé que Deus lhes distribuiu. 4.Pois, como em um só corpo temos muitos membros e cada um dos nossos membros tem diferente função, 5.assim nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo em Cristo, e cada um de nós é membro um do outro. 6.Temos dons diferentes, conforme a graça que nos foi conferida. Aquele que tem o dom da profecia, exerça-o conforme a fé. 7.Aquele que é chamado ao ministério, dedique-se ao ministério. Se tem o dom de ensinar, que ensine; 8.o dom de exortar, que exorte; aquele que distribui as esmolas, faça-o com simplicidade; aquele que preside, presida com zelo; aquele que exerce a misericórdia, que o faça com afabilidade. 9.Que vossa caridade não seja fingida. Aborrecei o mal, apegai-vos solidamente ao bem. 10.Amai-vos mutuamente com afeição terna e fraternal. Adiantai-vos em honrar uns aos outros. 11.Não relaxeis o vosso zelo. Sede fervorosos de espírito. Servi ao Senhor. 12.Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação e perseverantes na oração. 13.Socorrei às necessidades dos fiéis. Esmerai-vos na prática da hospitalidade. 14.Abençoai os que vos perseguem; abençoai-os, e não os praguejeis. 15.Alegrai-vos com os que se alegram; chorai com os que choram. 16.Vivei em boa harmonia uns com os outros. Não vos deixeis levar pelo gosto das grandezas; afeiçoai-vos com as coisa modestas. Não sejais sábios aos vossos próprios olhos. 17.Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens. 18.Se for possível, quanto depender de vós, vivei em paz com todos os homens. 19.Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: A mim a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor (Dt 32,35). 20.Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Procedendo assim, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça (Pr 25,21s). 21.Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem."

Virgo Prudentissima (Assumption, Antiphon)

Um episódio de 1814. Machado de Assis. Prosa

Um episódio de 1814
Machado de Assis

Mas eu não quero passar adiante, sem contar sumariamente um galante episódio de 1814; tinha nove anos.
Napoleão, quando eu nasci, estava já em todo o esplendor da glória e do poder; era imperador e granjeara inteiramente a admiração dos homens. Meu pai, que à força de persuadir os outros da nossa nobreza acabara persuadindo-se a si próprio, nutria contra ele um ódio puramente mental. Era isso motivo de renhidas contendas em nossa casa, porque meu tio João, não sei se por espírito de classe e simpatia de oficio, perdoava no déspota o que admirava no general, meu tio padre era inflexível contra o corso, os outros parentes dividiam-se; daí as controvérsias e as rusgas.

Chegando ao Rio de Janeiro a notícia da primeira queda de Napoleão, houve naturalmente grande abalo em nossa casa, mas nenhum chasco ou remoque. Os vencidos, testemunhas do regozijo público, julgaram mais decoroso o silêncio; alguns foram além e bateram palmas. A população, cordialmente alegre, não regateou demonstrações de afeto à real família; houve iluminações, salvas, Te Deum, cortejo e aclamações. Figurei nesses dias com um espadim novo, que meu padrinho me dera no dia de Santo Antônio; e, francamente, interessava-me mais o espadim do que a queda de Bonaparte. Nunca me esqueceu esse fenômeno. Nunca mais deixei de pensar comigo que o nosso espadim é sempre maior do que a espada de Napoleão. E notem que eu ouvi muito discurso, quando era vivo, li muita página rumorosa de grandes ideas e maiores palavras, mas não sei por que, no fundo dos aplausos que me arrancavam da boca, lá ecoava alguma vez este conceito de experimentado:

-- Vai-te embora, tu só cuidas do espadim.

Não se contentou a minha família em ter um quinhão anônimo no regozijo público; entendeu oportuno e indispensável celebrar a destituição do imperador com um jantar, e tal jantar que o ruído das aclamações chegasse aos ouvidos de Sua Alteza, ou quando menos, de seus ministros. Dito e feito. Veio abaixo toda a velha prataria, herdada do meu avô Luís Cubas; vieram as toalhas de Flandres, as grandes jarras da Índia; matou-se um capado; encomendaram-se às madres da Ajuda as compotas e marmeladas; lavaram-se, arearam-se, poliram-se as salas, escadas, castiçais, arandelas, as vastas mangas de vidro, todos os aparelhos do luxo clássico.

Dada a hora, achou-se reunida uma sociedade seleta, o juiz de fora, três ou quatro oficiais militares, alguns comerciantes e letrados, vários funcionários da administração, uns com suas mulheres e filhas, outros sem elas, mas todos comungando no desejo de atolar a memória de Bonaparte no papo de um peru. Não era um jantar, mas um Te Deum; foi o que pouco mais ou menos disse um dos letrados presentes, o Doutor Vilaça, glosador insigne, que acrescentou aos pratos de casa o acepipe das musas. Lembra-me, como se fosse ontem, lembra-me de o ver erguer-se, com a sua longa cabeleira de rabicho, casaca de seda, uma esmeralda no dedo, pedir a meu tio padre que lhe repetisse o mote, e, repetido o mote, cravar os olhos na testa de uma senhora, depois tossir, alçar a mão direita, toda fechada, menos o dedo índice, que apontava para o tecto; e, assim posto e composto, devolver o mote glosado. Não fez uma glosa, mas três; depois jurou aos seus deuses não acabar mais. Pedia um mote, davam-lho, ele glosava-o prontamente, e logo pedia outro e mais outro; a tal ponto que uma das senhoras presentes não pôde calar a sua grande admiração.

-- A senhora diz isso, retorquia modestamente o Vilaça, porque nunca ouviu o Bocage, como eu ouvi, no fim do século, em Lisboa. Aquilo sim! que facilidade! e que versos! Tivemos lutas de uma e duas horas, no botequim do Nicola, a glosarmos, no meio de palmas e bravos. Imenso talento o do Bocage! Era o que me dizia, há dias, a senhora Duquesa de Cadaval...

E estas três palavras últimas, expressas com muita ênfase, produziram em toda a assembléia um frêmito de admiração e pasmo. Pois esse homem tão dado, tão simples, além de pleitear com poetas, discreteava com duquesas! Um Bocage e uma Cadaval! Ao contacto de tal homem, as damas sentiam-se superfinas; os varões olhavam-no com respeito, alguns com inveja, não raros com incredulidade. Ele, entretanto, ia caminho, a acumular adjectivo sobre adjectivo, advérbio sobre advérbio, a desfiar todas as rimas de tirano e de usurpador. Era à sobremesa; ninguém já pensava em comer. No intervalo das glosas, corria um borborinho alegre, um palavrear de estômagos satisfeitos; os olhos moles e úmidos, ou vivos e cálidos, espreguiçavam-se ou saltitavam de uma ponta à outra da mesa, atulhada de doces e frutas, aqui o ananás em fatias, ali o melão em talhadas, as compoteiras de cristal deixando ver o doce de coco, finamente ralado, amarelo como uma gema, -- ou então o melado escuro e grosso, não longe do queijo e do cará. De quando em quando um riso jovial, amplo, desabotoado, um riso de família, vinha quebrar a gravidade política do banquete. No meio do interesse grande e comum, agitavam-se também os pequenos e particulares. As moças falavam das modinhas que haviam de cantar ao cravo, e do minuete e do solo inglês; nem faltava matrona que prometesse bailar um oitavado de compasso, só para mostrar como folgara nos seus bons tempos de criança. Um sujeito, ao pé de mim, dava a outro notícia recente dos negros novos, que estavam a vir, segundo cartas que recebera de Loanda, uma carta em que o sobrinho lhe dizia ter já negociado cerca de quarenta cabeças, e outra carta em que... Trazia-as justamente na algibeira, mas não as podia ler naquela ocasião. O que afiançava é que podíamos contar, só nessa viagem, uns cento e vinte negros, pelo menos.

-- Trás... trás... trás... fazia o Vilaça batendo com as mãos uma na outra. O rumor cessava de súbito, como um estacado de orquestra, e todos os olhos se voltavam para o glosador. Quem ficava longe aconcheava a mão atrás da orelha para não perder palavra; a mor parte, antes mesmo da glosa, tinha já um meio riso de aplauso, trivial e cândido.

Quanto a mim, lá estava, solitário e deslembrado, a namorar uma certa compota da minha paixão. No fim de cada glosa ficava muito contente, esperando que fosse a última, mas não era, e a sobremesa continuava intacta. Ninguém se lembrava de dar a primeira voz. Meu pai, à cabeceira, saboreava a goles extensos a alegria dos convivas, mirava-se todo nos carões alegres, nos pratos, nas flores, deliciava-se com a familiaridade travada entre os mais distantes espíritos, influxo de um bom jantar. Eu via isso, porque arrastava os olhos da compota para ele e dele para a compota, como a pedir-lhe que ma servisse; mas fazia-o em vão. Ele não via nada; via-se a si mesmo. E as glosas sucediam-se, como bátegas d'água, obrigando-me a recolher o desejo e o pedido. Pacientei quanto pude; e não pude muito. Pedi em voz baixa o doce; enfim, bradei, berrei, bati com os pés. Meu pai, que seria capaz de me dar o sol, se eu lho exigisse, chamou um escravo para me servir o doce; mas era tarde. A tia Emerenciana arrancara-me da cadeira e entregara-me a uma escrava, não obstante os meus gritos e repelões.

Não foi outro o delito do glosador: retardara a compota e dera causa à minha exclusão. Tanto bastou para que eu cogitasse uma vingança, qualquer que fosse, mas grande e exemplar, cousa que de alguma maneira o tornasse ridículo. Que ele era um homem grave o Doutor Vilaça, medido e lento, quarenta e sete anos, casado e pai. Não me contentava o rabo de papel nem o rabicho da cabeleira; havia de ser cousa peor. Entrei a espreitá-lo, durante o resto da tarde, a segui-lo, na chácara, aonde todos desceram a passear. Vi-o conversar com Dona Eusébia, irmã do sargento-mor Domingues, uma robusta donzelona, que se não era bonita, também não era feia.

-- Estou muito zangada com o senhor, dizia ela.

-- Por quê?

-- Porque... não sei por que... porque é a minha sina... creio às vezes que é melhor morrer...

Tinham penetrado numa pequena moita; era lusco-fusco; eu segui-os. O Vilaça levava nos olhos umas chispas de vinho e de volúpia.

-- Deixe-me! disse ela.

-- Ninguém nos vê. Morrer, meu anjo? Que idéas são essas! Você sabe que eu morrerei também... que digo?... morro todos os dias, de paixão, de saudades...

Dona Eusébia levou o lenço aos olhos. O glosador vasculhava na memória algum pedaço literário e achou este, que mais tarde verifiquei ser de uma das óperas do Judeu:

-- Não chores, meu bem; não queiras que o dia amanheça com duas auroras.

Disse isto; puxou-a para si; ela resistiu um pouco, mas deixou-se ir; uniram os rostos, e eu ouvi estalar, muito ao de leve, um beijo, o mais medroso dos beijos.

-- O Doutor Vilaça deu um beijo em Dona Eusébia! bradei eu correndo pela chácara.

Foi um estouro esta minha palavra; a estupefacção imobilizou a todos; os olhos espraiavam-se a uma e outra banda; trocavam-se sorrisos, segredos, à socapa, as mães arrastavam as filhas, pretextando o sereno. Meu pai puxou-me as orelhas, disfarçadamente, irritado deveras com a indiscrição; mas, no dia seguinte, ao almoço, lembrando o caso, sacudiu-me o nariz, a rir: Ah! brejeiro! ah! brejeiro!

Elis Regina - Como Nossos Pais

À SOMBRA. Charles Fonseca,Poesia.

Enfim,
embaixo,
a sós,
à sombra,
assombra,
e nós?

Elis Regina & Tom Jobim - "Aguas de Março" - 1974

sábado, maio 20, 2017

"Atos dos Apóstolos, 11

1.Os apóstolos e os irmãos da Judéia ouviram dizer que também os pagãos haviam recebido a palavra de Deus. 2.E, quando Pedro subiu a Jerusalém, os fiéis que eram da circuncisão repreenderam-no: 3.Por que entraste em casa de incircuncisos e comeste com eles? 4.Mas Pedro fez-lhes uma exposição de tudo o que acontecera, dizendo: 5.Eu estava orando na cidade de Jope e, arrebatado em espírito, tive uma visão: uma coisa, à maneira duma grande toalha, presa pelas quatro pontas, descia do céu até perto de mim. 6.Olhei-a atentamente e distingui claramente quadrúpedes terrestres, feras, répteis e aves do céu. 7.Ouvi também uma voz que me dizia: Levanta-te, Pedro! Mata e come. 8.Eu, porém, disse: De nenhum modo, Senhor, pois nunca entrou em minha boca coisa profana ou impura. 9.Outra vez falou a voz do céu: O que Deus purificou não chames tu de impuro. 10.Isto aconteceu três vezes e tudo tornou a ser levado ao céu. 11.Nisso chegaram três homens à casa onde eu estava, enviados a mim de Cesaréia. 12.O Espírito me disse que fosse com eles sem hesitar. Foram comigo também os seis irmãos aqui presentes e entramos na casa de Cornélio. 13.Este nos referiu então como em casa tinha visto um anjo diante de si, que lhe dissera: Envia alguém a Jope e chama Simão, que tem por sobrenome Pedro. 14.Ele te dirá as palavras pelas quais serás salvo tu e toda a tua casa. 15.Apenas comecei a falar, quando desceu o Espírito Santo sobre eles, como no princípio descera também sobre nós. 16.Lembrei-me então das palavras do Senhor, quando disse: João batizou em água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo. 17.Pois, se Deus lhes deu a mesma graça que a nós, que cremos no Senhor Jesus Cristo, com que direito me oporia eu a Deus? 18.Depois de terem ouvido essas palavras, eles se calaram e deram glória a Deus, dizendo: Portanto, também aos pagãos concedeu Deus o arrependimento que conduz à vida! 19.Entretanto, aqueles que foram dispersados pela perseguição que houve no tempo de Estêvão chegaram até a Fenícia, Chipre e Antioquia, pregando a palavra só aos judeus. 20.Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene, entrando em Antioquia, dirigiram-se também aos gregos, anunciando-lhes o Evangelho do Senhor Jesus. 21.A mão do Senhor estava com eles e grande foi o número dos que receberam a fé e se converteram ao Senhor. 22.A notícia dessas coisas chegou aos ouvidos da Igreja de Jerusalém. Enviaram então Barnabé até Antioquia. 23.Ao chegar lá, alegrou-se, vendo a graça de Deus, e a todos exortava a perseverar no Senhor com firmeza de coração, 24.pois era um homem de bem e cheio do Espírito Santo e de fé. Assim uma grande multidão uniu-se ao Senhor. 25.Em seguida, partiu Barnabé para Tarso, à procura de Saulo. Achou-o e levou-o para Antioquia. 26.Durante um ano inteiro eles tomaram parte nas reuniões da comunidade e instruíram grande multidão, de maneira que em Antioquia é que os discípulos, pela primeira vez, foram chamados pelo nome de cristãos. 27.Por aqueles dias desceram alguns profetas de Jerusalém a Antioquia. 28.Um deles, chamado Ágabo, levantou-se e deu a entender pelo Espírito que haveria uma grande fome em toda a terra. Esta, com efeito, veio no reinado de Cláudio. 29.Os discípulos resolveram, cada um conforme as suas posses, enviar socorro aos irmãos da Judéia. 30.Assim o fizeram e o enviaram aos anciãos por intermédio de Barnabé e Saulo."


Girafa em chamas. Dali. Pintura

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sexta-feira, maio 19, 2017

Vendedora de balões. Suely Monteiro. Fotografia


Meu filho. Ricardo Fonseca. Prosa

MEU FILHO
Ricardo Fonseca

Hoje meu filho tomou as vacinas de dois meses: quatro vacinas, inclusive a penta. Mais uma vez ele me impressionou: chorou nas aplicações, mas cinco segundos depois parou e ficou olhando pra mim com um ar de tranquilidade como quem diz: "papai, está tudo bem". À tarde teve um pouco de febre e tal, mas por enquanto tudo certo. Meu filho é um forte.

Trocando em miúdos. Chico Buarque. Poesia

Trocando em Miúdos
Chico Buarque

Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
Não me valeu
Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim!
O resto é seu

Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar
As sombras de tudo que fomos nós
As marcas de amor nos nossos lençóis
As nossas melhores lembranças

Aquela esperança de tudo se ajeitar
Pode esquecer
Aquela aliança, você pode empenhar
Ou derreter

Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
Meu peito tão dilacerado

Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu

Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde.

A fonte e a flor. Vicente de Carvalho. Poesia

A FLOR E A FONTE
Vicente de Carvalho

"Deixa-me, fonte!” Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria
Cantava, levando a flor.

"Deixa-me, deixa-me, fonte!”
Dizia a flor a chorar:
“Eu fui nascida no monte...
Não me leves para o mar.”

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

“Ai, balanços do meu galho,
Balanços do berço meu;
Ai, claras gotas de orvalho
Caídas do azul do céu!...”

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Rolava, levando a flor.

“Adeus, sombra das ramadas,
Cantigas do rouxinol;
Ai, festa das madrugadas,
Doçuras do pôr do sol;

Carícias das brisas leves
Que abrem rasgões de luar...
Fonte, fonte, não me leves,
Não me leves para o mar!”

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...

Uma tarde ensolarada. Charles Fonseca. Fotografia


O realejo de vinho. Affonso Manta. Poesia

O REALEJO DE VINHO
Affonso Manta

Para quem me queira ouvir:
Sou um homem aos frangalhos.
Parte por culpa de tudo.
Parte por culpa de nada.

E digo mais ao casual
Ouvinte deste relato:
Não sendo herdeiro nem rico,
Não tenho crédito na praça.

Amo as japonas escuras
De mangas e tudo vasto.
E os colarinhos puídos
Uso desabotoados.

Ao pôr a minha gravata,
Fabrico um laço bem largo.
E acho triste andar com ela.
E mais tristes as gravatas.

Eu nunca faço questão
Que uma roupa seja cara.
Mas ampla e, sendo possível,
Com certo ar desesperado.

Eu prefiro aos bons charutos
Um velho e forte cigarro.
E odeio fumar cachimbo
Pois sou muito angustiado.

No mais, um vento me agita,
Interior e largado.
E me devasta os cabelos,
Rosto, sorriso e palavra.

São João, 11

1.Lázaro caiu doente em Betânia, onde estavam Maria e sua irmã Marta. 2.Maria era quem ungira o Senhor com o óleo perfumado e lhe enxugara os pés com os seus cabelos. E Lázaro, que estava enfermo, era seu irmão. 3.Suas irmãs mandaram, pois, dizer a Jesus: Senhor, aquele que tu amas está enfermo. 4.A estas palavras, disse-lhes Jesus: Esta enfermidade não causará a morte, mas tem por finalidade a glória de Deus. Por ela será glorificado o Filho de Deus. 5.Ora, Jesus amava Marta, Maria, sua irmã, e Lázaro. 6.Mas, embora tivesse ouvido que ele estava enfermo, demorou-se ainda dois dias no mesmo lugar. 7.Depois, disse a seus discípulos: Voltemos para a Judéia. 8.Mestre, responderam eles, há pouco os judeus te queriam apedrejar, e voltas para lá? 9.Jesus respondeu: Não são doze as horas do dia? Quem caminha de dia não tropeça, porque vê a luz deste mundo. 10.Mas quem anda de noite tropeça, porque lhe falta a luz. 11.Depois destas palavras, ele acrescentou: Lázaro, nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo. 12.Disseram-lhe os seus discípulos: Senhor, se ele dorme, há de sarar. 13.Jesus, entretanto, falara da sua morte, mas eles pensavam que falasse do sono como tal. 14.Então Jesus lhes declarou abertamente: Lázaro morreu. 15.Alegro-me por vossa causa, por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos a ele. 16.A isso Tomé, chamado Dídimo, disse aos seus condiscípulos: Vamos também nós, para morrermos com ele. 17.À chegada de Jesus, já havia quatro dias que Lázaro estava no sepulcro. 18.Ora, Betânia distava de Jerusalém cerca de quinze estádios. 19.Muitos judeus tinham vindo a Marta e a Maria, para lhes apresentar condolências pela morte de seu irmão. 20.Mal soube Marta da vinda de Jesus, saiu-lhe ao encontro. Maria, porém, estava sentada em casa. 21.Marta disse a Jesus: Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido! 22.Mas sei também, agora, que tudo o que pedires a Deus, Deus to concederá. 23.Disse-lhe Jesus: Teu irmão ressurgirá. 24.Respondeu-lhe Marta: Sei que há de ressurgir na ressurreição no último dia. 25.Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. 26.E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá. Crês nisto? 27.Respondeu ela: Sim, Senhor. Eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que devia vir ao mundo. 28.A essas palavras, ela foi chamar sua irmã Maria, dizendo-lhe baixinho: O Mestre está aí e te chama. 29.Apenas ela o ouviu, levantou-se imediatamente e foi ao encontro dele. 30.(Pois Jesus não tinha chegado à aldeia, mas estava ainda naquele lugar onde Marta o tinha encontrado.) 31.Os judeus que estavam com ela em casa, em visita de pêsames, ao verem Maria levantar-se depressa e sair, seguiram-na, crendo que ela ia ao sepulcro para ali chorar. 32.Quando, porém, Maria chegou onde Jesus estava e o viu, lançou-se aos seus pés e disse-lhe: Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido! 33.Ao vê-la chorar assim, como também todos os judeus que a acompanhavam, Jesus ficou intensamente comovido em espírito. E, sob o impulso de profunda emoção, 34.perguntou: Onde o pusestes? Responderam-lhe: Senhor, vinde ver. 35.Jesus pôs-se a chorar. 36.Observaram por isso os judeus: Vede como ele o amava! 37.Mas alguns deles disseram: Não podia ele, que abriu os olhos do cego de nascença, fazer com que este não morresse? 38.Tomado, novamente, de profunda emoção, Jesus foi ao sepulcro. Era uma gruta, coberta por uma pedra. 39.Jesus ordenou: Tirai a pedra. Disse-lhe Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal, pois há quatro dias que ele está aí... 40.Respondeu-lhe Jesus: Não te disse eu: Se creres, verás a glória de Deus? Tiraram, pois, a pedra. 41.Levantando Jesus os olhos ao alto, disse: Pai, rendo-te graças, porque me ouviste. 42.Eu bem sei que sempre me ouves, mas falo assim por causa do povo que está em roda, para que creiam que tu me enviaste. 43.Depois destas palavras, exclamou em alta voz: Lázaro, vem para fora! 44.E o morto saiu, tendo os pés e as mãos ligados com faixas, e o rosto coberto por um sudário. Ordenou então Jesus: Desligai-o e deixai-o ir. 45.Muitos dos judeus, que tinham vindo a Marta e Maria e viram o que Jesus fizera, creram nele. 46.Alguns deles, porém, foram aos fariseus e lhes contaram o que Jesus realizara. 47.Os pontífices e os fariseus convocaram o conselho e disseram: Que faremos? Esse homem multiplica os milagres. 48.Se o deixarmos proceder assim, todos crerão nele, e os romanos virão e arruinarão a nossa cidade e toda a nação. 49.Um deles, chamado Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano, disse-lhes: Vós não entendeis nada! 50.Nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo, e que não pereça toda a nação. 51.E ele não disse isso por si mesmo, mas, como era o sumo sacerdote daquele ano, profetizava que Jesus havia de morrer pela nação, 52.e não somente pela nação, mas também para que fossem reconduzidos à unidade os filhos de Deus dispersos. 53.E desde aquele momento resolveram tirar-lhe a vida. 54.Em conseqüência disso, Jesus já não andava em público entre os judeus. Retirou-se para uma região vizinha do deserto, a uma cidade chamada Efraim, e ali se detinha com seus discípulos. 55.Estava próxima a Páscoa dos judeus, e muita gente de todo o país subia a Jerusalém antes da Páscoa para se purificar. 56.Procuravam Jesus e falavam uns com os outros no templo: Que vos parece? Achais que ele não virá à festa? 57.Mas os sumos sacerdotes e os fariseus tinham dado ordem para que todo aquele que soubesse onde ele estava o denunciasse, para o prenderem."

quinta-feira, maio 18, 2017

72 anos. Olhando para o futuro. Charles Fonseca. Fotografia


O embrulho misterioso. Machado de Assis

Capítulo 52
O embrulho misterioso

Foi o caso que, alguns dias depois, indo eu a Botafogo, tropecei num embrulho, que estava na praia. Não digo bem; houve menos tropeção que pontapé. Vendo um embrulho, não grande, mas limpo e corretamente feito, atado com um barbante rijo, uma coisa que parecia alguma coisa, lembrou-me bater-lhe com o pé, assim por experiência, e bati, e o embrulho resistiu.
Relanceei os olhos em volta de mim; a praia estava deserta; ao longe uns meninos brincavam, — um pescador curava as redes ainda mais longe, - ninguém que pudesse ver a minha ação; inclinei-me, apanhei o embrulho e segui.
Segui, mas não sem receio. Podia ser uma pulha de rapazes. Tive ideia de devolver o achado à praia, mas apalpei-o e rejeitei a ideia. Um pouco adiante, desandei o caminho e guiei para casa.
- Vejamos, disse eu ao entrar no gabinete.
E hesitei um instante, creio que por vergonha; assaltou-me outra vez o receio da pulha. E certo que não havia ali nenhuma testemunha externa; mas eu tinha dentro de mim mesmo um garoto, que havia de assobiar, guinchar, grunhir, patear, apupar, cacarejar, fazer o diabo, se me visse abrir o embrulho e achar dentro uma dúzia de lenços velhos ou duas dúzias de goiabas podres.
Era tarde; a curiosidade estava aguçada, como deve estar a do leitor; desfiz o embrulho, e vi... achei... contei... recontei nada menos de cinco contos de réis. Nada menos. Talvez uns dez mil réis mais. Cinco contos em boas notas e dobras, tudo asseadinho e arranjadinho, um achado raro. Embrulhei-as de novo.
Ao jantar pareceu-me que um dos moleques falara a outro com os olhos. Ter-me-iam espreitado? Interroguei-os discretamente, e concluí que não. Sobre o jantar, fui outra vez ao gabinete, examinei o dinheiro, e ri-me dos meus cuidados maternais a respeito de cinco contos,— eu, que era abastado.
Para não pensar mais naquilo fui de noite à casa do Lobo Neves, que instara muito comigo não deixasse de frequentar as recepções da mulher.
Lá encontrei o chefe de polícia; fui-lhe apresentado; ele lembrou-se logo da carta e da meia dobra que eu lhe remetera alguns dias antes. Aventou o caso; Virgília pareceu saborear o meu procedimento, e cada um dos presentes acertou de contar uma anedota análoga, que eu ouvi com impaciências de mulher histérica.
De noite, no dia seguinte, em toda aquela semana pensei o menos que pude nos cinco contos, e até confesso que os deixei muito quietinhos na gaveta da secretária.
Gostava de falar de todas as coisas, menos de dinheiro, e principalmente de dinheiro achado; todavia não era crime achar dinheiro, era uma felicidade, um bom acaso, era talvez um lance da Providência.
Não podia ser outra coisa. Não se perdem cinco contos, como se perde um lenço de tabaco. Cinco contos levam-se com trinta mil sentidos, apalpam-se a miúdo, não se lhes tiram os olhos de cima, nem as mãos, nem o pensamento, e para se perderem assim totalmente, numa praia, é necessário que...
Crime é que não podia ser o achado; nem crime, nem desonra, nem nada que embaciasse o caráter de um homem. Era um achado, um acerto feliz, como a sorte grande, como as apostas de cavalo, como os ganhos de um jogo honesto e até direi que a minha felicidade era merecida, porque eu não me sentia mau, nem indigno dos benefícios da Providência.
- Estes cinco contos, dizia eu comigo, três semanas depois, hei de empregá-los em alguma ação boa, talvez um dote a alguma menina pobre, ou outra coisa assim... hei de ver...
Nesse mesmo dia levei-os ao Banco do Brasil. Lá me receberam com muitas e delicadas alusões ao caso da meia dobra, cuja notícia andava já espalhada entre as pessoas do meu conhecimento; respondi enfadado que a coisa não valia a pena de tamanho estrondo; louvaram-me então a modéstia, - e porque eu me encolerizasse, replicaram-me que era simplesmente grande.

Memórias póstumas de Brás Cubas