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domingo, maio 31, 2015

Cristãos. Igreja. Cristianismo

Contra fatos não há argumentos

Aphrodite (detail), William Adolphe Bouguereau. Pintura

Bouguereau. The famous academicist french painter  This is breathtaking

Interlúdio. Cecília Meireles. Poesia

Interlúdio
Cecília Meireles

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.

Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.

Fico ao teu lado.

Com vinagre não se apanham moscas

2014/11/30 Jason Mraz & Raining Jane - 'YES!' Tour - Be Honest @ TICC (T...

Épico discurso de boas vindas aos calouros da Georgia Tech. Prosa

sábado, maio 30, 2015

NOS PAISES ANGLO SAXONICOS a distância mínima entre as pessoas corresponde a um cotovelo em ação. Charles Fonseca

120 Years of Cinema

ARRIBAÇÃ. Charles Fonseca. Poesia

ARRIBAÇÃ
Charles Fonseca

Quanto ao afeto sou arribaçã
aninho nos sertões do meu Brasil
quanto à razão sou anglo saxão
quanto ao saber baiano varonil

Cana dá onde há calor
torna o campo beleza
sem inverno nem tristeza
este não, pomba voou

Voltar, digo, nunca mais
minha Santa Catarina
quanta saudade me inclina
volto a ti, terra de paz.

William Bouguereau, Cain and Abel, 1861,, Cain and Abel, 1861. Pintura

William Bouguereau, Cain and Abel, 1861,

Família. Dom João Carlos Petrini. Igreja. Cristianismo.

A humanidade passa por um momento muito especial, passamos por uma transformação. As famílias passam por uma crise humana, mas nós não somos parte da crise, somos parte da solução na medida em que abraçamos a graça que Deus nos deu, a graça de viver o amor, o amor humano como doação de si mesmo para o bem e a felicidade de outros.

Cada um sabe onde lhe aperta o sapato

"Annunciatory Angel," Fra Angelico, 1450/1455

"Annunciatory Angel," Fra Angelico, 1450/1455, gold leaf and tempera on wood panel.

LUAR DE IBICUÍ. Charles Fonseca. Poesia

LUAR DE IBICUÍ
Charles Fonseca

Uma amiga me pediu
Doce e terna mensagem
Que dissesse aos namorados
De paixão, do amor voragem.

Pensei, em reprimenda:
Escrever por encomenda?
O poeta só escreve
Se da alma aflora a verve!

De imediato respondí:
Estou noutro fado agora.
Por ora estou a curtir
Lua de mel em Ibicuí.

Balthasar Permoser, 1718-21 - Apotheosis of Prince Eugene Österreichische Galerie, Vienna, Austria. E48. Escultura

Casa de ferreiro, espeto de pau

Evangelho segundo São Marcos 11,27-33. Igreja. Cristianismo

Naquele tempo, Jesus e os discípulos foram de novo a Jerusalém. Quando Ele andava no templo, aproximaram-se os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os anciãos, que Lhe perguntaram:
«Com que autoridade fazes isto? Quem Te deu autoridade para o fazeres?».
Jesus respondeu: «Vou fazer-vos só uma pergunta. Respondei-Me e Eu vos direi com que autoridade faço isto.
O batismo de João era do Céu ou dos homens? Respondei-Me».
Eles começaram a discorrer, dizendo entre si: «Se dissermos: ‘É do Céu’, Ele dirá: ‘Então porque não acreditastes nele?’.
Vamos dizer-Lhe que é dos homens?». Mas eles temiam a multidão, pois todos pensavam que João era realmente um profeta.
Então responderam: «Não sabemos». Disse-lhes Jesus: «Também Eu não vos digo com que autoridade faço isto».

sexta-feira, maio 29, 2015

François Boucher (French, 1703–1770). The Toilette of Venus, 1751. The Metropolitan Museum of Art, New York. Pintura

François Boucher (French, 1703–1770). The Toilette of Venus, 1751. The Metropolitan Museum of Art, New York.

Leia a denúncia contra Dilma que chegou à Câmara. Política

Clique: http://veja.abril.com.br/complemento/pdf/impeachment-dilma.pdf

"Tieta" (1989) - Capítulo 1. Novela

Cada macaco no seu galho

Jequié. Bahia. Fotografia. Autor desconhecido

Exibindo Jequie foto.jpg

Ódio a Cunha é ódio à democracia. Reinaldo Azevedo. Política

Ódio a Cunha é ódio à democracia
Reinaldo Azevedo

O presidente da Câmara avançou mais em uma semana do que seus antecessores em 12 anos

Gosto da pauta –com exceções– e do estilo do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara. Há muito tempo não havia uma pessoa tão determinada e operosa sentada naquela cadeira, disposta a fazer uso das prerrogativas que lhe facultam a Constituição e as leis. E isso significa levar ao limite a independência do Poder Legislativo –ao menos no âmbito da Casa sob o seu comando.

Como sou um fanático da democracia representativa e um discípulo de Montesquieu, eu o aplaudo. E entendo que esquerdistas possam atacá-lo, não é? Sonham ver em seu lugar um militante socialista. Vamos fazer um acordo, camaradas? Primeiro vocês vençam a revolução e, depois, implementem o socialismo. Que tal? Enquanto não fizerem a primeira no berro, não tentem ter o segundo no… berro.

Sim, eu sei que Cunha é um dos investigados da Operação Lava Jato. Caso venha a ser colhido por algo que eventualmente tenha feito (ou que não tenha) –e torço para que seja inocente –, será uma pena. Em quatro meses, fez mais à frente da Câmara do que seus antecessores em 12 anos. Desde 2003, o PT chama a reforma política de a mãe de todas as reformas. Mas sempre a ignorou. Quando o partido resolveu cuidar do assunto, mandou o país às favas e pensou apenas num projeto continuísta. Deu-se mal, felizmente!

Na terça passada, a Câmara fez uma besteira e não deu os 308 votos necessários ao texto que constitucionalizava a contribuição de empresas a partidos e candidatos. Corrigiu, em grande parte, a tolice na quarta, permitindo tal modalidade de financiamento a partidos apenas, por 330 votos a 141. A imprensa, inclusive esta Folha, chamou essa votação de “manobra de Cunha”. Se me demonstrarem que não foi regimental, também chamarei. Como foi, manobra não é.

Se alguém quer uma medida da bobagem feita na terça, basta atentar para o placar de outra votação, na quarta: 163 a favor do financiamento público de campanha e 240 contra. Huuummm… Levados a sério os dois resultados, não haveria nem dinheiro público nem dinheiro privado nas eleições. A grana viria de onde? Cairia do céu, como maná?

Felizmente, o PMDB e Cunha foram derrotados, sim, no embate sobre o distritão, que é pior, entendo, do que o sistema proporcional. Mas não me parece ter sido uma derrota pessoal. A Câmara deixou claro que não quer mudança nesse particular –afinal, as alternativas foram igualmente recusadas.

A Casa também se manifestou, por esmagadora maioria –452 a 19– em favor do fim da reeleição, à qual sempre me opus. Em 1997, os petistas chamaram a aprovação de tal emenda de “golpe”. Era por oportunismo, não por princípio. Quando o instrumento passou a lhes ser útil, nunca mais falaram em extingui-lo. O expediente só nos trouxe malefícios. Seria muito bom ver o Parlamento brasileiro aprovar o mandato único de cinco anos para o Executivo –único mesmo, sem reeleição em qualquer tempo. Oxigenaria a política e ajudaria a pôr fim a zumbis como Lula.

Corrijo-me. Cunha avançou mais em uma semana do que seus antecessores em 12 anos. É o presidente legítimo da Câmara e exerce as suas prerrogativas dentro dos limites da institucionalidade. Se errou, que pague pelo que fez. Este texto trata do político que está acertando. Odiá-lo corresponde a odiar os fundamentos da própria democracia representativa. Enquanto as esquerdas não pegarem no berro, terão de se contentar com o berro. E com o voto.

Claude Monet, Camille. Pintura

Claude Monet, Camille

O QUE OCULTA O FACEBOOK? Charles Fonseca. Prosa

O QUE OCULTA O FACEBOOK?
Charles Fonseca

No Facebook você pode ter uma idéia realizada da fragmentação do ser em objetos da paixão de ser visto. É uma vertente libidinal, por assim dizer... Também tem seu pólo oposto de ser um meio dos sujeitos se aproximarem tão objetos que são ou se fazem passar para sobreviver especialmente na metrópole onde o olho a olho é tão fugidio. Também é um meio de praticar um sutil voyeurismo quando a realidade é por demais árida. Ruim com ele, pior sem ele. O que podemos através dele é lançar pontes sobre abismos pois o coração humano é um poço profundo onde se escondem nos seus desvãos os ais e anelos mais escondidos. A falta é a condição humana e seu fio condutor é o desejo.

quinta-feira, maio 28, 2015

The Mills Brothers - Paper Doll. Música

Casarás e amansarás

A Menor Mulher do Mundo. Clarice Lispector. Prosa

A Menor Mulher do Mundo
Clarice Lispector

Nas profundezas da África Equatorial o explorador francês Marcel Petre, caçador e homem do mundo, topou com uma tribo de pigmeus de uma pequenez surpreendente. Mais surpreso, pois, ficou ao ser informado de que menor povo ainda existia além de florestas e distâncias. Então mais fundo ele foi.No Congo Central descobriu realmente os menores pigmeus do mundo. E — como uma caixa dentro de um caixa — entre os menores pigmeus do mundo estava o menor dos menores pigmeus do mundo, obedecendo talvez à necessidade que às vezes a Natureza tem de exceder a si própria.Entre mosquitos e árvores mornas de umidade, entre as folhas ricas do verde mais preguiçoso, Marcel Pretre defrontou-se com uma mulher de quarenta e cinco centímetros, madura, negra, calada. "Escura como um macaco", informaria ele à imprensa, e que vivia no topo de uma árvore com seu concubino. Nos tépidos humores silvestres, que arredondam cedo as frutas e lhes dão uma quase intolerável doçura ao paladar, ela estava grávida.Ali em pé estava, portanto, a menor mulher do mundo. Por um instante, no zumbido do calor, foi como se o francês tivesse inesperadamente chegado à conclusão última. Na certa, apenas por não ser louco, é que sua alma não desvairou nem perdeu os limites. Sentindo necessidade imediata de ordem, e dar nome ao que existe, apelidou-a de Pequena Flor. E, para conseguir classificá-la entre as realidades reconhecíveis, logo passou a colher dados a seu respeito.Sua raça de gente está aos poucos sendo exterminada. Poucos exemplares humanos restam dessa espécie que, não fosse o sonso perigo da África, seria povo alastrado. Fora doença, infectado hálito de águas, comida deficiente e feras rondantes, o grande risco para os escassos Likoualas está nos selvagens Bantos, ameaça que os rodeia em ar silencioso como em madrugada de batalha. Os Bantos os caçam em redes, como fazem com os macacos. E os comem. Assim: caçam-nos em redes e os comem. A racinha de gente, sempre a recuar e a recuar, terminou aquarteirando-se no coração da África, onde o explorador afortunado a descobriria. Por defesa estratégica, moram nas árvores mais altas. De onde as mulheres descem para cozinhar milho, moer mandioca e colher verduras; os homens, para caçar. Quando um filho nasce, a liberdade lhe é dada quase que imediatamente. É verdade que muitas vezes a criança não usufruirá por muito tempo dessa liberdade entre feras. Mas é verdade que, pelo menos, não se lamentará que, para tão curta vida, longo tenha sido o trabalho. Pois mesmo a linguagem que a criança aprende é breve e simples, apenas essencial. Os Likoualas usam poucos nomes, chamam as coisas por gestos e sons animais. Como avanço espiritual, têm um tambor. Enquanto dançam ao som do tambor, um machado pequeno fica de guarda contra os Bantos, que virão não se sabe de onde.Foi, pois, assim que o explorador descobriu, toda em pé e a seus pés, a coisa humana menor que existe. Seu coração bateu porque esmeralda nenhuma é tão rara. Nem os ensinamentos dos sábios da Índia são tão raros. Nem o homem mais rico do mundo já pôs olhos sobre tanta estranha graça. Ali estava uma mulher que a gulodice do mais fino sonho jamais pudera imaginar. Foi então que o explorador disse, timidamente e com uma delicadeza de sentimentos de que sua esposa jamais o julgaria capaz:— Você é Pequena Flor.Nesse instante Pequena Flor coçou-se onde uma pessoa não se coça. O explorador — como se estivesse recebendo o mais alto prêmio de castidade a que um homem, sempre tão idealista, ousa aspirar — o explorador, tão vívido, desviou os olhos.A fotografia de Pequena Flor foi publicada no suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho natural. Enrolada num pano, com a barriga em estado adiantado. O nariz chato, a cara preta, os olhos fundos, os pés espalmados. Parecia um cachorro.Nesse domingo, num apartamento, uma mulher, ao olhar no jornal aberto o retrato de Pequena Flor, não quis olhar uma segunda vez "porque me dá aflição".Em outro apartamento uma senhora teve tal perversa ternura pela pequenez da mulher africana que — sendo tão melhor prevenir que remediar — jamais se deveria deixar Pequena Flor sozinha com a ternura da senhora. Quem sabe a que escuridão de amor pode chegar o carinho. A senhora passou um dia perturbada, dir-se-ia tomada pela saudade. Aliás era primavera, uma bondade perigosa estava no ar.Em outra casa uma menina de cinco anos de idade, vendo o retrato e ouvindo os comentários, ficou espantada. Naquela casa de adultos, essa menina fora até agora o menor dos seres humanos. E se isso era fonte das melhores carícias, era também fonte deste primeiro medo do amor tirano. A existência de Pequena Flor levou a menina a sentir — com uma vaguidão que só anos e anos depois, por motivos bem diferentes, havia de se concretizar em pensamento — levou-a a sentir, numa primeira sabedoria, que "a desgraça não tem limites".Em outra casa, na sagração da primavera, a moça noiva teve um êxtase de piedade:— Mamãe, olhe o retratinho dela, coitadinha! Olhe só como ela é tristinha!— Mas — disse a mãe, dura e derrotada e orgulhosa — mas é tristeza de bicho, não é tristeza humana.— Oh! Mamãe — disse a moça desanimada.Foi em outra casa que um menino esperto teve uma idéia esperta:— Mamãe, e se eu botasse essa mulherzinha africana na cama de Paulinho enquanto ele está dormindo? quando ele acordasse, que susto, hein! que berro, vendo ela sentada na cama! E a gente então brincava tanto com ela! a gente fazia ela o brinquedo da gente, hein!A mãe dele estava nesse instante enrolando os cabelos em frente ao espelho do banheiro, e lembrou-se do que uma cozinheira lhe contara do tempo de orfanato. Não tendo boneca com que brincar, e a maternidade já pulsando terrível no coração das órfãs, as meninas sabidas haviam escondido da freira a morte de uma das garotas. Guardaram o cadáver num armário até a freira sair, e brincaram com a menina morta, deram-lhe banhos e comidinhas, puseram-na de castigo somente para depois poder beijá-la, consolando-a. Disso a mãe se lembrou no banheiro, e abaixou mãos pensas, cheias de grampos. E considerou a cruel necessidade de amar. Considerou a malignidade de nosso desejo de ser feliz. Considerou a ferocidade com que queremos brincar. E o número de vezes em que mataremos por amor. Então olhou para o filho esperto como se olhasse para um perigoso estranho. E teve terror da própria alma que, mais que seu corpo, havia engendrado aquele ser apto à vida e à felicidade. Assim olhou ela, com muita atenção e um orgulho inconfortável, aquele menino que já estava sem os dois dentes da frente, a evolução, a evolução se fazendo, dente caindo para nascer o que melhor morde. "Vou comprar um terno novo para ele", resolveu olhando-o absorta. Obstinadamente enfeitava o filho desdentado com roupas finas, obstinadamente queria-o bem limpo, como se limpeza desse ênfase a uma superficialidade tranqüilizadora, obstinadamente aperfeiçoando o lado cortês da beleza. Obstinadamente afastando-se, e afastando-o, de alguma coisa que devia ser "escura como um macaco". Então, olhando para o espelho do banheiro, a mãe sorriu intencionalmente fina e polida, colocando, entre aquele seu rosto de linhas abstratas e a cara crua de Pequena Flor, a distância insuperável de milênios. Mas, com anos de prática, sabia que este seria um domingo em que teria de disfarçar de si mesma a ansiedade, o sonho, e milênios perdidos.Em outra casa, junto a uma parede, deram-se ao trabalho alvoroçado de calcular com fita métrica os quarenta e cinco centímetros de Pequena Flor. E foi aí mesmo que, em delícia, se espantaram: ela era ainda menor que o mais agudo da imaginação inventaria. No coração de cada membro da família nasceu, nostálgico, o desejo de ter para si aquela coisa miúda e indomável, aquela coisa salva de ser comida, aquela fonte permanente de caridade. A alma ávida da família queria devotar-se. E, mesmo, quem já não desejou possuir um ser humano só para si? O que, é verdade, nem sempre seria cômodo, há horas em que não se quer ter sentimentos:— Aposto que se ela morasse aqui terminava em briga — disse o pai sentado na poltrona, virando definitivamente a página do jornal. — Nesta casa tudo termina em briga.— Você, José, sempre pessimista — disse a mãe.— A senhora já pensou, mamãe, de que tamanho será o nenezinho dela? — disse ardente a filha mais velha de treze anos.O pai mexeu-se atrás do jornal.— Deve ser o bebê preto menor do mundo — respondeu a mãe, derretendo-se de gosto. — Imagine só ela servindo a mesa aqui de casa! E de barriguinha grande!— Chega de conversas! — disse o pai.— Você há de convir — disse a mãe inesperadamente ofendida — que se trata de uma coisa rara. Você é que é insensível.E a própria coisa rara?Enquanto isso na África, a própria coisa rara tinha no coração — quem sabe se negro também, pois numa Natureza que errou uma vez já não se pode mais confiar — enquanto isso a própria coisa rara tinha no coração algo mais raro ainda, assim como o segredo do próprio segredo: um filho mínimo. Metodicamente o explorador examinou com o olhar a barriguinha do menor ser humano maduro. Foi neste instante que o explorador, pela primeira vez desde que a conhecera, em vez de sentir curiosidade ou exaltação ou vitória ou espírito científico, o explorador sentiu mal-estar.É que a menor mulher do mundo estava rindo.Estava rindo, quente, quente. Pequena Flor estava gozando a vida. A própria coisa rara estava tendo a inefável sensação de ainda não ter sido comida. Não ter sido comida era que, em outras horas, lhe dava o ágil impulso de pular de galho em galho. Mas, neste momento de tranqüilidade, entre as espessas folhas do Congo Central, ela não estava aplicando esse impulso numa ação — e o impulso se concentrara todo na própria pequenez da própria coisa rara. E então ela estava rindo. Era um riso como somente quem não fala, ri. Esse riso, o explorador constrangido não conseguiu classificar. E ela continuou fruindo o próprio riso macio, ela que não estava sendo devorada. Não ser devorado é o sentimento mais perfeito. Não ser devorado é o objetivo secreto de toda uma vida. Enquanto ela não estava sendo comida, seu riso bestial era tão delicado como é delicada a alegria. O explorador estava atrapalhado.Em segundo lugar, se a própria coisa rara estava rindo, era porque, dentro dessa sua pequenez, grande escuridão pudera-se em movimento.É que a própria coisa rara sentia o peito morno do que se pode chamar de Amor. Ela amava aquele explorador amarelo. Se soubesse falar e dissesse que o amava, ele inflaria de vaidade. Vaidade que diminuiria quando ela acrescentasse que também amava muito o anel do explorador e que amava muito a bota do explorador. E quando este desinchasse desapontado, Pequena Flor não compreenderia por quê. Pois, nem de longe, seu amor pelo explorador — pode-se mesmo dizer seu "profundo amor", porque, não tendo outros recursos, ela estava reduzida à profundeza — pois nem de longe seu profundo amor pelo explorador ficaria desvalorizado pelo fato de ela também amar sua bota. Há um velho equívoco sobre a palavra amor, e, se muitos filhos nascem desse equívoco, tantos outros perderam o único instante de nascer apenas por causa de uma suscetibilidade que exige que seja de mim, de mim! que se goste, e não de meu dinheiro. Mas na umidade da floresta não há desses refinamentos cruéis, e amor é não ser comido, amor é achar bonita uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que não é negro, amor é rir de amor a um anel que brilha. Pequena Flor piscava de amor, e riu quente, pequena, grávida, quente.O explorador tentou sorrir-lhe de volta, sem saber exatamente a que abismo seu sorriso respondia, e então perturbou-se como só homem de tamanho grande se perturba. Disfarçou ajeitando melhor o chapéu de explorador, corou pudico. Tornou-se uma cor linda, a sua, de um rosa-esverdeado, como a de um limão de madrugada. Ele devia ser azedo.Foi provavelmente ao ajeitar o capacete simbólico que o explorador se chamou à ordem, recuperou com severidade a disciplina de trabalho, e recomeçou a anotar. Aprendera a entender algumas das poucas palavras articuladas da tribo, e a interpretar os sinais. Já conseguia fazer perguntas.Pequena Flor respondeu-lhe que "sim". Que era muito bom ter uma árvore para morar, sua, sua mesmo. Pois — e isso ela não disse, mas seus olhos se tornaram tão escuros que o disseram — pois é bom possuir, é bom possuir, é bom possuir. O explorador pestanejou várias vezes.Marcel Petre teve vários momentos difíceis consigo mesmo. Mas pelo menos ocupou-se em tomar notas e notas. Quem não tomou notas é que teve que se arranjar como pôde:Pois olhe — declarou de repente uma velha fechando o jornal com decisão — pois olhe, eu só lhe digo uma coisa: Deus sabe o que faz..

Cada cabeça uma sentença

High Wire Acrobat, Henri de Toulouse-Lautrec. Pintura

High Wire Acrobat, Henri de Toulouse-Lautrec

Os sacramentos da vida eterna. Igreja. Cristianismo

1130. A Igreja celebra o mistério do seu Senhor «até que Ele venha» e «Deus seja tudo em todos»(1 Cor 11, 26; 15, 28). Desde a era Apostólica, a liturgia é atraída para o seu termo pelo gemido do Espírito na Igreja: «Marana tha!» (1 Cor 16, 22). A liturgia participa, assim, no desejo de Jesus: «Tenho ardentemente desejado comer convosco esta Páscoa [...], até que ela se realize plenamente no Reino de Deus» (Lc 22, 15-16). Nos sacramentos de Cristo, a Igreja recebe já as arras da sua herança e já participa na vida eterna, embora «aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo» (Tt 2, 13). «O Espírito e a esposa dizem: "Vem!" [...] «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 17.20).

São Tomás de Aquino define assim as diferentes dimensões do sinal sacramental: «Sacramentum est et signum rememorativum eius quod praecessit, scilicet passionis Christi; et demonstrativum eius quod in nobis efficitur per Christi passionem, scilicet gratiae; et prognosticum, id est, praenuntiativum futurae gloriae – O sacramento é sinal rememorativo daquilo que o precedeu, ou seja, da paixão de Cristo; e demonstrativo daquilo que em nós a paixão de Cristo realiza, ou seja, da graça; e prognóstico, quer dizer, que anuncia de antemão a glória futura»(48).

Resumindo:

1131. Os sacramentos são sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, pelos quais nos é dispensada a vida divina. Os ritos visíveis, com os quais são celebrados os sacramentos, significam e realizam as graças próprias de cada sacramento. Eles dão fruto naqueles que os recebem com as disposições requeridas.

1132. A Igreja celebra os sacramentos enquanto comunidade sacerdotal estruturada pelo sacerdócio baptismal e pelo dos ministros ordenados.

1133. O Espírito Santo prepara para os sacramentos pela Palavra de Deus e pela fé, que acolhe a Palavra nos corações bem dispostos. Então, os sacramentos fortificam e exprimem a fé.

1134. O fruto da vida sacramental é, ao mesmo tempo, pessoal e eclesial. Por um lado, este fruto é, para todo o fiel, viver para Deus em Cristo Jesus; por outro, é para a Igreja crescimento na caridade e na sua missão de testemunho.

catecismo

Boa romaria faz, quem em casa fica em paz

No álbum do artista. Castro Alves. Poesia

No álbum do artista
Castro Alves

Nos tempos idos... O alabastro, o mármore
Reveste as formas desnuadas, mádidas
De Vênus ou Friné.
Nem um véu p'ra ocultar o seio trêmulo,
Nem um tirso a velar a coxa pálida...
O olhar não sonha... vê!

Um dia o artista, num momento lúcido,
Entre gazas de pedra a loura Aspásia
Amoroso envolveu.
Depois, surpreso! ... viu-a inda mais lânguida...
Sonhou mais doido aquelas formas lúbricas...
Mais nuas sob um véu.

É o mistério do espírito... A modéstia
É dos talentos reis a santa púrpura...
Artista, és belo assim...
Este santo pudor é só dos gênios!—
Também o espaço esconde-se entre névoas...
E no entanto é... sem fim!

quarta-feira, maio 27, 2015

Portrait of Emilie Floge, 1902 by Klimt

'Emilie Floege' by Gustav Klimt The modernism includes such art movements as impressionism, symbolism, modern, expressionism, neo- and postimpressionism, fauvism, cubism, futurism, as well as later art forms - abstract art, dadaism, surrealism

ETERNIDADE. Charles Fonseca. Poesia

ETERNIDADE
Charles Fonseca

O sol doira seus cabelos
um beijo fecham seu olhos
adeus vida d'abrolhos
adeus dela os desejos

ela o quer ter para sempre
um momento, cada instante,
adeus vida de infante
em teus braços só o presente

nunca mais sentir saudade
nunca em mim o até logo
nunca em ti tu em mim voto
te elejo eternidade.

Briga de marido e mulher, ninguém mete a colher

Baciccio - 1676 'St John the Baptist' . Pintura

Baciccio - 'St John the Baptist'

Boi sonso, chifrada certa

O CEGO. Charles Fonseca. Poesia

O CEGO
Charles Fonseca

O cego na rua passava a sorrir
E eu na calçada olhava sem graça.
O olhar da mulher anunciando desgraça
Dizendo, com enfado, como estás eu vou ir.

A vista do cego era qual negra noite
Mas a sua face era qual luz do dia
Sua alma era alegre já a minha carpia
A ida da bela sem mais um pernoite.

O dia se ia, sozinho eu ficava
Olhando as mulheres pra mim todas nuas,
Tão perto, distantes, a andar pelas ruas.
A minha uma pedra em meu peito deixara.

D'Orsay Alfred - Comte The Duke of Wellington - 1848 Private collection. E48. Escultura

A ocasião faz o ladrão

Os Tincoãs - Os Tincoãs (1973) Álbum Completo - Full Album. A partir de 03:12. Música


A partir de 03:12

Quando advinha. Olavo Bilac. Poesia

Quando adivinha
Olavo Bilac

Quando adivinha que vou vê-Ia, e à escada
Ouve-me a voz e o meu andar conhece,
Fica pálida, assusta-se, estremece,
E não sei por que foge envergonhada.

Volta depois. À porta, alvoroçada,
Sorrindo, em fogo as faces, aparece:
E talvez entendendo a muda prece
De meus olhos, adianta-se apressada.

Corre, delira, multiplica os passos;
E o chão, sob os seus passos murmurando,
Segue-a de um hino, de um rumor de festa

E ah! que desejo de a tomar nos braços,
O movimento rápido sustando
Das duas asas que a paixão lhe empresta.

terça-feira, maio 26, 2015

A noite é boa conselheira

The Inspiration of Saint Matthew, 1602. Pintura

Caravaggio, The Inspiration of Saint Matthew, 1602. Oil on canvas.

Elis Regina - Vou Deitar e Rolar (Qua Qua Ra Qua Qua). Música

Mahler Symphony No.5 (Excerpt from Rondo-Finale)

Uma análise psiquiátrica do PMDB. Marcelo Caixeta. Prosa

UMA ANÁLISE PSIQUIÁTRICA DO PMDB
PORQUE O PARTIDO QUE HOJE “COMANDA” O BRASIL ( mas ainda é “comandado” pelo PT ) TEM TUDO DE BOM E DE RUIM que existe na “ALMA BRASILEIRA”.
.....................

O “projeto do PT” para o Brasil, do ponto de vista psiquiátrico, caracteriza-se por um princípio : “ódio”. Ódio ao “poder do Kapital”, ódio ao “poder dos mais fortes”. Este ódio traveste-se de uma “ideologia forte” : um “governo planejado”, uma “planificação intelectual” da quebra da espinha dorsal dos poderosos e a transferência do poder para os “subordinados”. São coisas que a “mente brasileira” não engole bem : “ódio” , “ideologia forte”, separatismo, intelectualismo; por isto o petismo está afundando. Brasileiro tem a "amizade forte" e o "intelecto fraco". Aí entra o PMDB, com sua mente de “liberalismo oportunístico” bem mais de acordo com o modo brasileiro de ser . O brasileiro - aquele que quer tudo para si, sua família e os amigos - não tem nenhum compromisso com um Estado, a não ser – como o PMDB faz – tentar parasitá-lo oportunisticamente, espertamente, em prol de benesses patrimonialistas pessoais. Por isto o PMDB é a “alma do Brasil”, por isto entra ano e sai ano, entra Sarney sai Sarney, entra Renam sai Renam, e ele continua lá, firme, ancorado em cada grotão do país.
Quando a cúpula do PT viu que o brasileiro médio não engole “ódio”, “separatismo”, “intelectualismo”, “ideologia acima do afeto”, "matar e controlar com base na ideologia", “planificação do Estado” ( motes comunistas ), aí tentou ancorar-se no lado populista do comunismo ( pobreza, “bolsistas”, “cotistas”, “movimentos sociais” ). Viu, no entanto, que estes, por mais dependentes sejam do Estado, não são suficientes para sustentar seu projeto de poder. Mesmo tentando insuflar guerra armada, “exércitos do Stédile”, não conseguiu transformar o “espírito cordial” do brasileiro. Sobrou então mais uma jogada genial de Lula : “parasitar o PMDB” . É como , hoje, se o PT inoculasse um vírus no cérebro do PMDB que fizesse este corpo trabalhar para ele.
O PMDB é muito mais “especialista” em Brasil do que o PT, pois o brasileiro comum, não tem ódio e não é intelectual, e é “espertalhão” e pragmático como o PMDB : quer mais Estado, quer mais cargos, mais concursos, mais funcionalismo público, mais patrimonialismo pessoal, familiar. O PMDB é um “projeto da classe média” para continuar mamando no Brasil. Já o PT é um “projeto dos intelectuais e da pobreza” para continuar mamando no Brasil. Daria tudo certo entre os dois( “cabeça” e “corpo” ) se a parcela sugada da classe média, aquela que não é “funcionária pública”, continuasse aceitando sustentar os “intelectuais”, os “funcionários”, a “pobreza”, os “políticos”, os “governantes”.
Mas ela não está mais aceitando ser sugada porque o país não está agüentando mais sustentar tanto parasita com tão poucos produtores ( a ideologia comunista petista está sufocando a iniciativa privada ) . A classe média começa a ter de “cortar na carne”. Esta “falta de dinheiro” é transformada pelo “discurso ético” em “indignação moral”. Esta indignação moral repercute muito mais hoje por causa das redes sociais. A “pseudo-indignação moral” da classe média ( na verdade é falta de benesse para todo mundo ), no entanto, não aceita mais a “lama individualista-familiar sugadora do Estado” protagonizada pelo PT e PMDB . Mas este é o único modo de vida que o PMDB conhece - e o único modo do PT se sustentar ; como lidar com esta situação sem-saída ? Há sempre a clássica maneira político-psicopática : ser frio, deixar os cães ladrarem e a caravana passar, as “manifestações secarem” e “fazer de conta que não é comigo”. Acaba que a Sociedade Civil tende a tornar-se complacente com o “jeito PMDB” de ser pois este representa um “retorno às origens do jeitinho brasileiro de ser”. A sociedade sente-se “segura” com este “jeitinho brasileiro/PMDB de ser” pois intui que ele , hoje, é a única contraposição ao jeito “stalinista-fidelista-chavista” do PT. É, na verdade, mais um auto-engano do brasileiro pois o PT, dominando a "máquina estatal" continua sendo o "patrão do PMDB" , cujo maior alimento continua sendo o "cargo público" . Na hora “h”, em 2018, aumentam a bolsa-família, o salário-mínimo, diminuem gasolina e energia, falam mal da direita e ganham, de novo, a eleição... E a mente genial de Lula por trás de tudo isto e acima de todos nós.
.....................
Marcelo Caixeta, médico psiquiatra

Henri de Toulouse-Lautrec 'The Toilette'. Pintura

Henri de Toulouse-Lautrec 'The Toilette'

A galinha do vizinho é sempre mais gorda do que a nossa

O RADIALISTA. Charles Fonseca. Prosa

O RADIALISTA
Charles Fonseca

Meu primeiro trabalho avulso foi varrer o consultório de um médico. Por isso ganhei conforme prometido um mil réis. Depois vendi ainda aos 7 anos até os 9, de porta em porta as revistas O Cruzeiro, A Cigarra, etc., no arraial de Ibicuí. Já em Jequié, aos 15 anos comecei a engrossar a voz e a ficar muito pintão. Comecei a trabalhar informalmente na Rádio Baiana de Jequié, AM 1250 quilociclos. Só 3 meses pois fui para Salvador estudar e onde cheguei de carona na cabine de um caminhão às 5 da manhã no Taboão morando num beco da Baixa do Sapateiro com uma tia cuja filha foi morar em Jequié. Assim, a despesa com alimentação seria a mesma. Aí encerrou minha carreira artística no rádio.

segunda-feira, maio 25, 2015

Ouro Preto. Fotografia. Autor desconhecido

Ouro Preto
autor desconhecido

PRESCRITO. Charles Fonseca. Poesia

PRESCRITO
Charles Fonseca

Eu sou mero colibri,
que gosta de ir fundo,
beber do mel, eu inundo,
a rosa que geme, aí.

Um coração que palpita,
num vai e vem eu também,
num vem e vai que convém,
de gozo a fêmea grita,

Agora, entra de leve,
aceito, quero profundo,
quero gozar és meu mundo,
aí, agora, me entrego.

A fome é a melhor cozinheira

Abilgaard, Nicolai.Danish painter (b. 1743, København, d. 1809, Frederiksdal) Pintura

Provérbios, 23 Salomão

Provérbios, 23
Salomão

1. Quando te assentares à mesa com um grande, considera com atenção quem está diante de ti:
2. põe uma faca na tua garganta, se tu sentes muito apetite;
3. não cobices seus manjares que são alimentos enganosos.
4. Não te afadigues para te enriqueceres, evita aplicar a isso teu espírito.
5. Mal fixas os olhos nos bens, e nada mais há, porque a riqueza tem asas como a águia que voa para o céu.
6. Não comas com homem invejoso, não cobices seus manjares,
7. porque ele se mostra tal qual se calculou em si mesmo. Ele te diz: Come e bebe, mas seu coração não está contigo.
8. Comido o bocado, tu o vomitarás e desperdiçarás tuas amabilidades.
9. Não fales aos ouvidos do insensato porque ele desprezaria a sabedoria de tuas palavras.
10. Não toques no marco antigo, não penetres na terra dos órfãos
11. porque seu vingador é poderoso e defenderá sua causa contra ti.
12. Aplica teu coração à instrução e teus ouvidos às palavras da ciência.
13. Não poupes ao menino a correção: se tu o castigares com a vara, ele não morrerá,
14. castigando-o com a vara, salvarás sua vida da morada dos mortos.
15. Meu filho, se o teu espírito for sábio, meu coração alegrar-se-á contigo!
16. Meus rins estremecerão de alegria, quando teus lábios proferirem palavras retas.
17. Que teu coração não inveje os pecadores, mas permaneça sempre no temor do Senhor
18. porque [então] haverá certamente um futuro e tua esperança não será frustrada.
19. Ouve, meu filho: sê sabio, dirige teu coração pelo caminho reto,
20. não te ajuntes com os bebedores de vinho, com aqueles que devoram carnes,
21. pois o ébrio e o glutão se empobrecem e a sonolência veste-se com andrajos.
22. Dá ouvidos a teu pai, àquele que te gerou e não desprezes tua mãe quando envelhecer.
23. Adquire a verdade e não a vendas, adquire sabedoria, instruções e inteligência.
24. O pai do justo exultará de alegria; aquele que gerou um sábio alegrar-se-á nele.
25. Que teu pai se alegre por tua causa, que viva na alegria aquela que te deu à luz!
26. Meu filho, dá-me teu coração. Que teus olhos observem meus caminhos,
27. pois a meretriz é uma fossa profunda e a entranha, um poço estreito:
28. como um salteador ele fica de emboscada e, entre os homens, multiplica os infiéis.
29. Para quem os ah? Para quem os ais? Para quem as contendas? Para quem as queixas? Para quem as feridas sem motivo? Para quem o vermelho dos olhos?
30. Para aqueles que permanecem junto ao vinho, para aqueles que vão saborear o vinho misturado.
31. Não consideres o vinho: como ele é vermelho, como brilha no copo, como corre suavemente!
32. Mas, no fim, morde como uma serpente e pica como um basilisco!
33. Os teus olhos verão coisas estranhas, teu coração pronunciará coisas incoerentes.
34. Serás como um homem adormecido no fundo do mar, ou deitado no cimo dum mastro:

35. Feriram-me, dirás tu; e não sinto dor! Bateram-me... e não sinto nada. Quando despertei eu? Quero mais ainda!

Vênus de Milo

A PORTA. Charles Fonseca. Poesia

A PORTA
Charles Fonseca

Amada minha, é cedo ainda
Para partires, não te iludas.
Demos um ao outro nossa ajuda,
Temos a andar uma senda infinda.

Pros invejosos, demos caluda.
Dos mal amados, tenhamos dó.
São maldizentes, rastejam ao pó.
Pra nós só gozo, amor, ternura.

Aparta o mal, meu bem, não partas.
A parte nossa é só prazer.
Aporte, unidos, nós vamos ter.
A porta fecha, amor, não partas.

A fome faz sair o lobo do mato

Pascha Nostrum (Easter, Communion)

Obrigado, Portugal. Vinicius de Moraes

OBRIGADO, PORTUGAL!
Vinicius de Moraes

Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 31/12/1969

A gentileza humana parece ter feito seu último reduto em Portugal. E quando eu falo em gentileza, dou-lhe quase a acepção medieval de amor cortês, de medida, de mesura. É um povo que não levanta a voz, e ninguém pense que por covardia, mas por uma boa educação instintiva e um senso de afetividade. Essa desagradável invenção moderna, o berro, não encontra forma vocal na garganta de um português. Hitler, Mussolini ou Lyndon Johnson jamais poderiam governar esse "jardim d'Europa à beira-mar plantado", onde se fala baixo, ama-se com fervor e chora-se nas despedidas.

Essa tristeza, de que nós brasileiros somos os novos legatários, tem uma ancestralidade que vem de muitas dominações, muita submissão forçada, muito fatalismo histórico e geográfico. Povo afeito às guerras - ainda hoje as mantém no Ultramar - parece ele sofrer de um silencioso heroísmo na paz, como se a Desgraça, essa invisível espada de Dâmocles lenta e diariamente forjada pelo Destino, pudesse a qualquer momento cair-lhe sobre a cabeça. Quase humilde no trato pessoal, logo verificará quem o conhecer melhor que não se trata de servilismo, e sim de uma necessidade de não fazer vibrar além do necessário os frágeis fios que suspendem imanentemente os Maus Fados sobre sua existência. E é talvez por esse motivo que seus bons fados também são tristes, sempre a carpir as penas do viver e do amar.

Isto é tão mais curioso quanto, apesar de pobre e subdesenvolvido em sua grande maioria, o português é um povo saudável e de bom aspecto, com boa pele e dentes magníficos, bem certo fruto de uma alimentação mais adequada: nada como o brasileiro menos aquinhoado das regiões pobres do país, no geral malsão e banguela, além de irônico e desconfiado por mecanismo de descrença e autodefesa. A propalada "burrice" do português simples e iletrado nada mais é que uma forma sadia e vegetativa de ser (ou não ser, como queiram). Foi minha mulher quem matou a charada: "Eles não são burros", disse-me ela. "Eles apenas desconhecem que têm inteligência." E a decantada "esperteza" ou "inventiva" do pária brasileiro nada mais é que o antivírus da forma crônica da ignorância e indigência em que vive, tendo que se virar mesmo de fato para não juntar os calcanhares. O pária brasileiro tem que lutar não só contra os indesejáveis cromossomos da desnutrição; a dor de dentes endêmica e a cachaça de má qualidade, até um tipo de ensino - e isso quando é muito afortunado - em que lhe baralham a cabeça com uma língua cheia de preconceitos semânticos e acentos desnecessários - isso porque há decênios os cartolas da lingüística nas duas pátrias teimam em não simplificá-la, quem sabe para justificar a continuidade de seus jetons e sua dolce vita acadêmica.

Eu confesso que depois desta minha última viagem, e de um contato intermitente de três meses com sua gente, Portugal seria o único país da Europa onde eu poderia viver fora do Brasil: com eventuais incursões à Itália. Que adiantam o superdesenvolvimento e a kultura (assim mesmo com k) de um povo, como dois ou três que eu conheço, se neles a relação humana torna-se cada dia mais difícil e indesejável diante de um outro tipo de ignorância bem mais perigoso a longo prazo, como esse da reserva e falta de diálogo; da submissão a preconceitos econômicos falsos na verdadeira escala de valores; do aburguesamento progressivo e da mesmificação do mais pessoal dos meios de comunicação, que é a linguagem? Que qualidade é mais a prezar no ser humano, se não for a gentileza, o gosto de conviver, a boa vontade em cooperar, em socorrer, em dar-se um pouco em tudo o que se faz, desde trabalhar a amar, desde comer a cantar, desde criar no plano intelectual a fazer no plano industrial ou agrícola?

Obrigado, Portugal! No contato de tuas gentes, teus escritores e teus artistas, teus estudantes e teus simples - teu povinho das brancas aldeias! - eu senti que há ainda muito isso que cada dia mais falta ao mundo: carinho e sinceridade. Represados, talvez, nas latentes como o sangue sob a pele, e prontos a romper a crosta criada a duras penas, ao longo de um passado tão cheio de sacrifícios e infortúnios.

Obrigado, Lisboa, terra tão boa, gente tão gente, casas tão casas, amigos tão como já não se encontra. Obrigado, Coimbra que me recebeste em tua Academia e em teu Convívio e que me puseste uma velha capa sobre os ombros. Obrigado, Porto, onde teus estudantes quiseram não me deixar trabalhar em boate, porque não sabem ainda que a poesia e a canção têm de estar em toda parte (mas obrigado pelo gesto, estudantes do Porto!). Obrigado, Óbidos, que pareces feita no céu, tão linda e pura como uma avozinha menina que ainda usasse flores silvestres na cabeça. Obrigado, Évora, mãe alentejana de Ouro Preto, cidade onde mais que nenhuma outra se sente o Brasil colonial, o Brasil do Aleijadinho, cidade perfeita de gentil austeridade. Obrigado, Monserraz, que, esta não quero ver nunca mais porque se a ela voltar nela hei de ficar, entre seus muros brancos e seus homens e mulheres do mais franco olhar. Obrigado,Portugal. Resta sempre uma esperança. Eu voltarei.

A história do meu avô. Arnaldo Jabor. Política

A história do meu avô
Arnaldo Jabor

Como um espectador privilegiado, ele presenciou eventos marcantes do país

Diante das perversões desta História torta que vivemos, desta enxurrada de absurdos, pensei: como me lembrarei de tudo isso daqui a uns anos (se eu viver)? Os fatos invadem nossa vida e criam uma História paralela, individual, feita de lembranças e impressões, para além das grandes mutações políticas. É uma história dentro do corpo, feita de vivências mínimas que nos moldam a personalidade.

Falo isso porque hoje me lembrei de meu avô. Como um espectador privilegiado, ele presenciou eventos marcantes do país, que narrava como uma história pessoal. Vovô quase não estudou, mas percebia o âmago de acontecimentos. Com suas conversas, aprendi coisas do século XX que moravam dentro de sua cabeça. Ele fazia monólogos assim:

“Eu não estudei quase nada, pois na porta do colégio, esperneava para não entrar e minha família ignorante permitia. Meu pai chamava-se Emilio Julio Hess (meu bisavô), era da Marinha e cismou de construir um submarino no fim do século XIX. Foi um sucesso e chegou a mergulhar no reservatório da Marinha. Depois, acabou morrendo de desgosto, porque seu invento foi esquecido. Acho que o Lima Barreto botou isso num livro. Ah, o Lima Barreto... bebia muito. Lá pelos anos 1920, eu levantei ele várias vezes — de porre, com a cara enfiada na sarjeta. Minha mãe morreu também e fui morar com minha avó numa casinha pobre, quase um barraco. Não sei por quê, ficamos paupérrimos.

“Não tínhamos nada, e minha avó acabou vendendo pastel na Praça XV.

“E eu, durante um tempo, vivi de ratos. Isso mesmo, meu neto. De ratos. Era a época da revolta da vacina, quando Oswaldo Cruz quis limpar o Rio da varíola e de febre amarela. Muita gente tinha o rosto picado de buracos. Mas por que vivi de ratos? Você conhece uma musiquinha assim: ‘Rato, rato, rato, por que motivo que roeste o meu baú?’ Conhece? Pois é... a prefeitura criou os caçadores de ratos, contra a peste bubônica... Eles nos davam uns trocados por cada rato morto. Vivi de rato por um tempo. Coitado do Oswaldo Cruz... Jogavam pedras na casa dele, a multidão era contra a vacina obrigatória... gente burra... tudo analfabeto...

“Dessa época, eu me lembro também do João Cândido, um crioulo muito macho que chefiou a Revolta da Chibata. Sabe o que foi? Os marinheiros levavam porrada o tempo todo. Era no chicote... Não tinham direito a nada e comiam quase lixo... Eles se revoltaram, e o Rio tinha medo de que atacassem a cidade com canhão, e foi tudo preso; fingiram que dariam anistia, mas o filho da mãe do Hermes da Fonseca mandou matar uma porrada de marujos e jogou muitos nas piores masmorras.

“E você já ouviu falar dos 18 do Forte? Em 1922, no Forte de Copacabana, uns tenentes se recusaram a se render depois de uma revolta também e saíram andando pela Avenida Atlântica debaixo das balas do Exército... O Eduardo Gomes era chefe e foi baleado, e eu me lembro também que um sujeito meio maluco, civil, se meteu na marcha e foi morto na hora... Eu estava em Copacabana... tinha uns 20 anos... não vi direito, mas lembro a sirene das ambulâncias...

“Depois, em 35, os comunistas fizeram um levante na Praia Vermelha... Foi tudo para o brejo e prenderam todo mundo... Eu estava na cidade quando eu vi o Prestes entrando num ‘tintureiro’, que era o nome dos carros da polícia... As pessoas vinham e cuspiam na cara dele... Eu vi — cuspiam nele, e ele sério, algemado, empurrado para dentro do tintureiro. Diziam que ele queria vender o Brasil para a Rússia. Cuspiam nele...

“Aí, começou a guerra, os alemães afundaram uns navios brasileiros, e como eu tinha sobrenome alemão, Hess, jogavam pedras na minha casa lá no Méier e pintaram uma cruz nazista no muro, que o jardineiro Antônio Bicho limpava, e eles pintavam de novo. Lembra dele? Um negão sem dentes e descalço que te levava no colo? Naquele tempo, preto não tinha dente nem sapato...

“Todo mundo fala do Getúlio, mas quando ele voltou em 1950 eu estava lá assistindo o discurso dele. Eu me lembro que ele disse: ‘O povo vai subir comigo as escadas do Catete!’. É... ele ganhou a eleição contra o Eduardo Gomes, o brigadeiro que, diziam, tinha perdido o saco na época dos 18 do Forte... é... bala no saco... E, como ele era solteiro, diziam que ele era broxa e sacaneavam ele cantando ‘o brigadeiro é casamenteiro’.

“Eu estava no Maracanã no dia do Brasil e Uruguai... A gente só precisava do empate e já estava um a zero nós, gol do Friaça... Até que veio a bola do Schiaffino para o Gigghia... Aí, baixou o maior silêncio que eu vi na minha vida.. Só se ouviam os sapatos... As pessoas descendo pelas rampas. Nunca tinha visto uma multidão chorando.

“E o suicídio do Getúlio? No enterro eu estava lá... Parecia um rio... Sempre eu vejo na TV uma mesma preta velha que chora em cima do caixão do homem... Eu estava perto... O Getúlio com algodão nas narinas... A Virgínia Lane era amante dele... e depois disse que ele tinha sido assassinado... Aquela que cantava ‘Sassaricando’, lembra? Isso você lembra: ‘a viúva, o brotinho e a madame!’ Aí veio Brasília, o Juscelino dançando o ‘Peixe vivo’...

“Um dia, os tanques encheram as ruas... Apareceu aquele sujeitinho pequeno que ia ser o presidente, o Castelo Branco... Mas eu não ia mesmo era com a cara daquele outro, de óculos e cara de burro, o Costa e Silva... Se você falasse mal de um general ia em cana e podia sumir... E eu me lembro que lembrava do Prestes levando cuspe na cara... Aí sua avó morreu; do que eu mais lembro e tenho saudades é que ela tinha cabelos azuis... Nunca entendi por que ela pintava o cabelo de azul... A partir daí, meu neto, eu não me lembro de muita coisa não... sei lá...ah! Só me lembro daqueles sujeitos andando na Lua. Será? Eu não acredito muito em americano, não”.

É isso. Meu avô, Arnaldo Hess, foi um belo retrato do Brasil dos anos 1940/50. Era um malandro carioca — em volta dele, gravitavam o botequim, a gravata com alfinete de pérola, o sapato bicolor, o cabelo com Gumex. Antes de morrer, me olhou, já meio gagá, e disse a frase mais linda:

“Acho chato morrer, seu Arnaldinho, porque eu nunca mais vou ver a Avenida Rio Branco”.

domingo, maio 24, 2015

A boda e a batizado, não vás sem ser convidado

Gian Lorenzo Bernini's Cornaro Chapel c. 1650. Pintura

Quem escreve ou fala a um conterrâneo em outra língua está dizendo algo a mais ou a menos. Charles Fonseca

Timidez. Cecília Meireles. Poesia

Timidez
Cecília Meireles

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

— mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

— palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

— que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...

— e um dia me acabarei.

A apressada pergunta, vagarosa resposta

sábado, maio 23, 2015

Klimt. Pintura


A felicidade é algo que se multiplica quando se divide

Creedence Clearwater Revival: Bad Moon Rising. Música

SIMULACROS. Donizete Galvão. Poesia

SIMULACROS
Donizete Galvão

Senhoras e senhores, o circo já ergueu sua lona.
Vêm o prefeito, a beldade, as mulheres da zona.

Todos se divertem com o espetáculo do ilusório.
Está aberto o reino do precário e do provisório.

Rufam todos os tambores, abrem-se as cortinas.
Nossa trupe mambembe exibe suas dores e sinas.

A orquestra toca Bolero: o ritmo vai crescendo.
O fraque do maestro tem no braço um remendo.

Eis Crystal Kimberley, a rainha do strip-tease.
Saiu do sertão do Sergipe, de nome Wandernise.

A mulher-rã, contorcionista vinda do circo russo,
Depila pernas e sovacos, mas se esquece do buço.

Com vocês, uma feroz leoa da savana africana.
Barriga vazia, não come gato há uma semana.

A pássara Tatiana, trapezista bela e impávida,
Esconde do amante domador que está grávida.

Anaïs, índia guarani, que é exímia equilibrista,
Carece de vitaminas e de ir urgente ao dentista.

Alegria da criançada, o nosso palhaço Arrebita,
No trailer sujo, teve macarrão e ovo na marmita.

De noiva, vai-se casar uma anã, loira oxigenada.
Que graça! Puxam-lhe o vestido e ela corre pelada.

Aplausos para o salto mortal de sonho e pobreza.
Onde uns vêem o belo, outros enxergam a tristeza.

A pobre não prometas e a rico não devas.

Renoir. Pintura

Beautiful! No one else does portraits better than Renoir. Pierre Auguste Renoir - Summer [1868]

Os sacramentos da salvação. Igreja. Cristianismo

Os sacramentos da salvação

1127. Celebrados dignamente na fé, os sacramentos conferem a graça que significam (43). Eles são eficazes, porque neles é o próprio Cristo que opera: é Ele que baptiza, é Ele que age nos sacramentos para comunicar a graça que o sacramento significa. O Pai atende sempre a oração da Igreja do seu Filho, a qual, na epiclese de cada sacramento, exprime a sua fé no poder do Espírito. Tal como o fogo transforma em si tudo quanto atinge, assim o Espírito Santo transforma em vida divina tudo quanto se submete ao seu poder.

1128. É esse o sentido da afirmação da Igreja (44): os sacramentos actuam ex opere operato (à letra: «pelo próprio facto de a acção ser executada»), quer dizer, em virtude da obra salvífica de Cristo, realizada uma vez por todas. Segue-se daí que «o sacramento não é realizado pela justiça do homem que o dá ou que o recebe, mas pelo poder de Deus» (45). Desde que um sacramento seja celebrado conforme a intenção da Igreja, o poder de Cristo e do seu Espírito age nele e por ele, independentemente da santidade pessoal do ministro. No entanto, os frutos dos sacramentos dependem também das disposições de quem os recebe.

1129. A Igreja afirma que, para os crentes, os sacramentos da Nova Aliança são necessários para a salvação (46). A «graça sacramental» é a graça do Espírito Santo dada por Cristo e própria de cada sacramento. O Espírito cura e transforma aqueles que O recebem, conformando-os com o Filho de Deus. O fruto da vida sacramental é que o Espírito de adopção deifique " os fiéis, unindo-os vitalmente ao Filho único, o Salvador.

catecismo

Antes que o mal cresça, corte o mal pela raiz

sexta-feira, maio 22, 2015

Durante 26 anos vivi ligado a esta fábrica

Fafen. Bahia.

Antes que o mal cresça, corta-lhe a cabeça

Céus de Montreal. Charles Fonseca. Fotografia

Céus de Montreal

Antes só do que mal acompanhado

Giacomo della Porta, 1585 Fontana delle Tartarughe E47. Escultura

A montanha pariu um rato

AMASSO. Charles Fonseca. Poesia

AMASSO
Charles Fonseca

Quando então me abraçam
com amasso no coração
repente sobem então
labaredas que enlaçam

Descem então cristalinas
Minações cheiro sargaço
Sobe bandeira ao encalço
Regaço, corcovo em cima.



Evangelho segundo São João 21,15-19. Igreja. Cristianismo

Quando Jesus Se manifestou aos seus discípulos junto ao mar de Tiberíades, depois de comerem, perguntou a Simão Pedro: «Simão, filho de João, amas-Me tu mais do que estes?». Ele respondeu-Lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Disse-lhe Jesus: «Apascenta os meus cordeiros».
Voltou a perguntar-lhe segunda vez: «Simão, filho de João, tu amas-Me?». Ele respondeu-Lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas».
Perguntou-lhe pela terceira vez: «Simão, filho de João, tu amas-Me?». Pedro entristeceu-se por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez se O amava e respondeu-Lhe: «Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo». Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas.
Em verdade, em verdade te digo: Quando eras mais novo, tu mesmo te cingias e andavas por onde querias; mas quando fores mais velho, estenderás a mão e outro te cingirá e te levará para onde não queres».
Jesus disse isto para indicar o género de morte com que Pedro havia de dar glória a Deus. Dito isto, acrescentou: «Segue-Me».

Portrait of a Woman. ABBATI, Giuseppe. Pintura

A cavalo dado não se olha os dentes

Libelo. Vinicius de Moraes. Poesia

Libelo
Vinicius de Moraes

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar – e um barco [com o
nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar ?

E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem [senão
de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é para ele poder se
perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco
de pensamento pra pensar até se perder no infinito...

..............................

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra -- um pedaço [bem
verde de terra -- e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um
modesto pomar; e um jardim – que um jardim é importante – carregado de [flor
de cheirar ?

E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem [senão
de suas mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a
noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa
sem mistério não valor morar...

.................................

De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um [amigo bem
seco, bem simples, desses que nem precisa falar -- basta olhar -- um
desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra [briga,
um amigo de paz e de bar ?

E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem [senão
de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra
bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à
vontade ao amigo ?

...................................

De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma [mulher
com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular ? E enquanto
pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de [um
carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em
sua onda sem rumo ?

Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher -- as
únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo
amigo ..."

Fora o bullying ou preconceito contra as loiras.

Faz bem à simplicidade saber algo sobre direito consuetudinário. Charles Fonseca

Amigos dos meus amigos, meus amigos são

quinta-feira, maio 21, 2015

Raphael - Living Christ. Pintura

Raphael - Living Christ

E perto avisto o porto imenso, nebuloso e sempre noite chamado — Eternidade— (Laurindo)

Mocidade e morte. Castro Alves. Poesia

Mocidade e morte
Castro Alves

Oh! eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh'alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n'amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
— Árabe errante, vou dormir à tarde
A sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.

Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas,
Minh'alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas ...
E a mesma voz repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: — impossível!

Eu sinto em mim o borbulhar do gênio,
Vejo além um futuro radiante:
Avante! — brada-me o talento n'alma
E o eco ao longe me repete — avante! —
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após — um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.

E a mesma voz repete funerária:
Teu Panteon — a pedra mortuária!

Morrer — é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
— Voz da morte, que a morte lhe lamenta —
Ai! morrer — é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco
Da larva errante no sepulcro fundo,

Ver tudo findo... só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome.

E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem Por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu'inda mesmo florido,
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo — que vaga sobre o chão da morte,
Morto — entre os vivos a vagar na terra.

Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito! ~

E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita..
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida — novo Tântalo
O vinho do viver ante mim passa...
Sou dos convivas da legenda Hebraica,
O estilete de Deus quebra-me a taça.

É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! morrer! soluça-me implacável.

Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa...
Resta-me agora por futuro — a terra,
Por glória - nada, por amor — a campa.

Adeus... arrasta-me uma voz sombria,
Já me foge a razão na noite fria! ...

A minha liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros.

Mollinarolo, Jacob Gabriel - St Ladislas no Túmulo de Santo Estêvão - c.1760 Catedral, Gyor. E47. Escultura

FLORIPA. Charles Fonseca. Poesia

FLORIPA
Charles Fonseca

Floripa é numa ilha
Em parte é continente
À leste o sol nascente
Traz ares d’África nigra.

Tem montanha margeada
Lagoa da Conceição
D’onde o poeta ilusão
Mistura realidade

Com um passado inglório
Com sonho agora só visto
Com o amor além do Cristo
Da amada salvo imbróglio

Minha Santa Catarina,
Mais d’amores quero ter
Muito mais tenha haver
Dever seja minha sina!

A água silenciosa é a mais perigosa

Salvador Dali. Pintura

Dali

quarta-feira, maio 20, 2015

As aparências enganam

A idéa fixa. Machado de Assis. Prosa

A idéa fixa
Machado de Assis

A minha idéa, depois de tantas cabriolas, constituíra-se idéa fixa. Deus te livre, leitor, de uma idéa fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho. Vê o Cavour; foi a idéa fixa da unidade italiana que o matou. Verdade é que Bismarck não morreu; mas cumpre advertir que a natureza é uma grande caprichosa e a história uma eterna loureira. Por exemplo, Suetônio deu-nos um Cláudio, que era um simplório, -- ou «uma abóbora» como lhe chamou Sêneca, e um Tito, que mereceu ser as delícias de Roma. Veio modernamente um professor e achou meio de demonstrar que dos dous césares, o delicioso, o verdadeiramente delicioso, foi o «abóbora» de Sêneca. E tu, madama Lucrécia, flor dos Bórgias, se um poeta te pintou como a Messalina católica, apareceu um Gregorovius incrédulo que te apagou muito essa qualidade, e, se não vieste a lírio, também não ficaste pântano. Eu deixo-me estar entre o poeta e o sábio.
Viva pois a história, a volúvel história que dá para tudo; e, tornando à idéa fixa, direi que é ela a que faz os varões fortes e os doudos; a idéa móbil, vaga ou furta-cor é a que faz os Cláudios, -- fórmula Suetônio.

Era fixa a minha idéa, fixa como... Não me ocorre nada que seja assaz fixo nesse mundo: talvez a lua, talvez as pirâmides do Egipto, talvez a finada dieta germânica. Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegámos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem. Pois lá iremos. Todavia, importa dizer que este livro é escripto com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desegual, agora austera, logo brincalhona, cousa que não edifica nem destrói, não inflama nem regela, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado.

Vamos lá; retifique o seu nariz, e tornemos ao emplasto. Deixemos a história com os seus caprichos de dama elegante. Nenhum de nós pelejou a batalha de Salamina, nenhum escreveu a confissão de Augsburgo; pela minha parte, se alguma vez me lembro de Cromwell, é só pela idéa de que Sua Alteza, com a mesma mão que trancara o parlamento, teria imposto aos ingleses o emplasto Brás Cubas. Não se riam dessa victória comum da farmácia e do puritanismo. Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e fluctuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem? Mal comparando, é como a arraia-miúda, que se acolhia à sombra do castelo-feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez graúda e castelã... Não, a comparação não presta.

A ocasião faz o ladrão

O beijo. Rodin. Escultura

Auguste Rodin, The Kiss

A união faz a força

Como imbecilizar uma nação- Padre Paulo Ricardo. Política

Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura

The Continence of Scipio c. 1555. Abbate. Pintura


Maneirismo

terça-feira, maio 19, 2015

CUIDADO com a vingança de alguém que não teve de você o amor correspondido. Charles Fonseca

Os Tropeiros I. Meu pai também foi.

A dor ensina a gemer.

Gerard ter Borch, The Van Moerkerken Family, 1653-54, The Metropolitan Museum of Art. Pintura

Gerard ter Borch, The Van Moerkerken Family, 1653-54, The Metropolitan Museum of Art

A instrução é a luz do espírito.

A Arte de Ser Avó. Rachel de Queiroz. Família

A Arte de Ser Avó
Rachel de Queiroz


Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...

Quarenta anos, quarenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações - todos dizem isso embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.


E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto fosse avó, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto...

No entanto - no entanto! - nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.

Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer roquetes, tomar café - café! -, mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com o lápis dizendo que foi sem querer - e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...


Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém, esses prazeres não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!

E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: "Vó!", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade...

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague...

(O brasileiro perplexo, 1964.)
Rachel de Queiroz

Amigos, amigos negócios à parte

Gal Costa - Fantasia. Música

Amigo não empata amigo

Vou-me embora pra Pasárgada. Manuel Bandeira. Poesia

Vou-me embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

A verdade gera o ódio

Claude Monet. Pintura

Claude Monet

A consciência tranquila é o melhor remédio contra insônia

NOITES DE IBICUÍ. Charles Fonseca. Poesia

NOITES DE IBICUÍ
Charles Fonseca

No povoado, noite de luar,
Minha mãe reunia os filhos
E com o pai a cantar
Estrofes e estribilhos
No passeio e silentes
Ouviam-lhes os não crentes
Hinos a dupla voz
Contraltos e sopranos
Os grilos a escutar

Tempo feliz era aquele
Luz só a da lua
Poeira o chão da rua
O vento a farfalhar
Depois era o silêncio
Dormir com os anjos, sonhar.

Águas passadas não movem moinhos

Leonardo da Vinci. Pintura

Leonardo da Vinci

A pressa é inimiga da perfeição

Os sacramentos da fé. Igreja. Cristianismo

III. Os sacramentos da fé

1122. Cristo enviou os Apóstolos para que, «em seu nome, pregassem a todas as nações a conversão para o perdão dos pecados» (Lc 24, 47). «Fazei discípulos de todas as nações, baptizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19). A missão de baptizar, portanto a missão sacramental, está implicada na missão de evangelizar; porque o sacramento é preparado pela Palavra de Deus e pela fé, que é assentimento à dita Palavra:

«O povo de Deus é reunido, antes de mais, pela Palavra de Deus vivo [...]. A pregação da Palavra é necessária para o próprio ministério dos sacramentos, enquanto são sacramentos da fé, que nasce e se alimenta da Palavra» (38).

1123. «Os sacramentos estão ordenados à santificação dos homens, à edificação do corpo de Cristo e, por fim, a prestar culto a Deus; como sinais, têm também a função de instruir. Não só supõem a fé, mas também a alimentam, fortificam e exprimem por meio de palavras e coisas, razão pela qual se chamam sacramentos da fé» (39).

1124. A fé da Igreja é anterior à fé do fiel, que é chamado a aderir a ela. Quando a Igreja celebra os sacramentos, confessa a fé recebida dos Apóstolos. Daí o adágio antigo: «Lex orandi, lex credendi – A lei da oração é a lei da fé» (Ou: «Legem credendi lex statuat supplicandi – A lei da fé é determinada pela lei da oração», como diz Próspero de Aquitânia [século V]) (40). A lei da oração é a lei da fé, a Igreja crê conforme reza. A liturgia é um elemento constitutivo da Tradição santa e viva (41).

1125. É por isso que nenhum rito sacramental pode ser modificado ou manipulado ao arbítrio do ministro ou da comunidade. Nem mesmo a autoridade suprema da Igreja pode mudar a liturgia a seu bel-prazer, mas somente na obediência da fé e no respeito religioso do mistério da liturgia.

1126. Aliás, uma vez que os sacramentos exprimem e desenvolvem a comunhão da fé na Igreja, a lex orandi é um dos critérios essenciais do diálogo que procura restaurar a unidade dos cristãos (42).

catecismo

segunda-feira, maio 18, 2015

Aqui se fazem, aqui se pagam

►Gregorian - Masters Of Chant Live At Kreuzenstein Castle 2007

DISSE: a tua fala passou próximo à verdade. Charles Fonseca

A ambição cerra o coração

Anunciação. Alessandro Allori. Pintura

Os culpados de tudo. Vinicius de Moraes. Prosa

OS CULPADOS DE TUDO
Vinicius de Moraes

Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 31/12/1969

Na hora que corre, quase todas as mulheres estão fazendo regime para emagrecer (e o advérbio representa aqui algumas poucas e honrosas exceções). O ideal da forma feminina passou a ser o esqueleto acolchoado, ma non troppo, de maneira que certos ossos fundamentais aos últimos padrões da moda, como a coluna vertebral, os ilíacos, as clavículas, as rótulas e os fêmures, fiquem francamente à mostra. E obedientes a essa nova extravagância do sexo outrora considerado fraco, os especialistas, transformados em mágicos, formulam esquemas dietéticos de toda sorte: macrobióticos, hipocalóricos, astronáuticos, líquidos, o diabo. Os consultórios vivem repletos, o faturamento é altíssimo, as mulheres se sentem divinas-maravilhosas quando começam a ranger nas dobradiças. Tirante conversa de futebol e análise de grupo, é o tópico sobre que mais se fala atualmente. Fulana perdeu 15 quilos em um mês! Sicrana, imaginem só, está reduzindo um quilo por dia com a dieta líquida: que bárbaro! Viram Beltraninha depois que saiu da clínica? Como é que pode!… E os homens - eu digo: os homens! - vêem, compungidos, evaporar-se aquelas partes do corpo da mulher consideradas, desde séculos, como as mais responsáveis pela preservação da espécie.

- Ah, que saudade das mulheres de Rubens e Renoir... - suspiram os mais antropófagos.
- Eu, hein… - contestam os costureiros. - Botticelli é que era pra frente, meu filho - um louco genial, previu tudo, com aquela Primavera alucinante, magérrima! Quem gosta de gordura é detergente. A ordem do dia, queridinho, é Biafra, ouviu? Biafra!

E a carne das mulheres some, as faces se encovam, os seios diminuem, as coxas se alongam, as pontas pélvicas protuberam. Quase que as moças poderiam voltar agora à velha fórmula cediça:

- Aperte aqui estes ossos!

Meu caro amigo José Carlos Cabral de Almeida, conhecido endocrinologista - eu diria mesmo, geômetra - de nossa desvairada praça, está mais que ninguém por dentro deste novo tipo de neurose. Passa ele grande parte do seu tempo útil transformando círculos em ângulos, curvas em retas, esferas em planos, peças de rolamento em cremalheiras. Entram - ou melhor, rolam - diariamente pelo seu consultório adentro, mulheres-pipas que ele (depois de debruçar-se sobre estranhos formulários e equacionar carboidratos, proteínas e matérias graxas) devolve à sociedade transformadas em verdadeiras Verinhas Barreto Leite, em autênticas Veruschkas, capazes de sair dali direto para Paris como manequim-vedete. E elas que não arriscavam mais cruzar as pernas numa festa, sob pena de mostrar um crivo de celulite coxa acima, passam a usar minissaias e biquínis, como bem observa Paulinho Garcez, que são pouco mais que band-aids. E o moral com que elas ficam? Resolvem qualquer problema de cálculo integral, fácil.

Mas esqueci de dizer uma coisa: meu amigo José Carlos, além de endocrinologista e emagrecedor contumaz de mulheres (e homens, eventualmente, como no meu caso), é um grande pesquisador dos segredos da genética, assunto que o leva, vira e mexe, a Londres, para cursos e conferências. Eu confesso que a genética é um assunto que me fascina porque suas leis, que também são azares, formulam-se à base de um grande e poético mistério. A palavra cromossomo, por exemplo: para mim é a própria poesia. De maneira que, lidando com a genética e as glândulas do seu semelhante, nada mais natural que José Carlos Cabral de Almeida viva em plena faixa das mulheres superneuróticas. Como uma amiga sua, "uma neurótica divina", segundo ele próprio diz, e sobre quem me contou o seguinte:

- Pois imagine que ela encontrou um homem extraordinário, com todos os ingredientes, hoje em dia tão raros, para fazer qualquer mulher feliz: rico, inteligente, boa pinta, finíssimo, ótimo caráter - enfim, um bilhete premiado. Começaram a sair juntos e aí eu a perdi por um tempo de vista. Muito bem: meses depois ela me procurou para uma consulta e eu lhe perguntei como ia o romance.

- Acabei - respondeu a "louca maravilhosa".
- Acabou? Mas você está doida, criatura? Pois você não vivia rezando por um homem exatamente como o que você acabou de chutar?
- É... - fez ela. - Mas é que eu estava tão feliz, mas tão feliz, e tudo correndo tão bem que, de repente, me deu assim uma agonia, e eu resolvi acabar porque já não sabia mais se aquela felicidade toda era felicidade mesmo, ou era neurose...

Essa história me encheu as medidas, porque ela é bem um conto dos nossos tempos, em que os valores se invertem do dia para a noite, e as pessoas ficam realmente sem saber onde pisam e a quantas andam. Aliás, em matéria de histórias, meu amigo José Carlos contou-me outra de sua "neurótica divina" que, essa, é antológica.

Disse-me ele que durante a chamada Guerra dos Seis Dias, entre Israel e RAU, foi procurado por essa mesma amiga e cliente, e, conversa vai, conversa vem, ela começou a manifestar um anti-semitismo tão fora de seus moldes que ele, sabendo-a uma mulher inteligente e totalmente despida de preconceitos, os raciais e os outros, mostrou-lhe sua estranheza: tanto mais quanto toda sua esfera social só podia ser pró-Israel.

- Judeus... - indignou-se ela. - Tomara que morram, todos!
- Eu juro que não estou entendendo nada - disse-lhe José Carlos. - Logo você, uma mulher ultra por dentro, e ainda mais se lixando para política...
- É uma raça que precisa ser exterminada. Hitler não conseguiu, mas eu tenho fé em Deus que Nasser há de chegar lá! Eles estão aí para fundir a cuca da humanidade.
- Mas...
- É isso mesmo. Por que é que está toda gente de cuca fundida, procurando analista e engordando à toa, e aí vai para o dietista e emagrece uma barbaridade, e aí come sem parar e engorda tudo de novo - me diga? Quem são os responsáveis pela neurose de todo mundo, e a minha em particular?
- Francamente, não vejo...
- Pois eu lhe digo: são três judeus.
- …
- Jesus Cristo, Freud e Marx.
- ….
- É isso mesmo. Pau neles!

Anders Zorn, 1900 - Gustav Vasa Private Collection. E47. Escultura

Por que a anestesia é um dos maiores mistérios médicos dos últimos tempos. Medicina

Clique: http://www.jornalciencia.com/saude/mente/4096-dossie-por-que-a-anestesia-e-um-dos-maiores-misterios-medicos-dos-ultimos-tempos

Sandro Botticelli - Lamentation over the Dead Christ with Saints at Museo Poldi Pezzoli Milano Italia

Sandro Botticelli - Lamentation over the Dead Christ with Saints at Museo Poldi Pezzoli Milano Italia

A sorte de uns é o azar de outros.

A velhice. Olavo de Carvalho. Prosa

À medida que o tempo passa, quase tudo aquilo que em outras épocas li com grande interesse vai-me parecendo cada vez mais fútil e vazio. A velhice tende a reduzir tudo ao essencial, e só o cristianismo é essencial. O resto é passatempo.

domingo, maio 17, 2015

El Reloj - Lucho Gatica. Música

Auto retrato. Goya. Pintura

A pensar morreu um burro.

Entrevista com a historiadora Consuelo Ponde

A morte não escolhe idades

John Lennon - Imagine. Música

A fruta proibida é a mais apetecida.

CARACÓIS. Charles Fonseca. Poesia

CARACÓIS
Charles Fonseca

Debaixo dos caracóis
quantos sóis dormiram noite,
quantas luas vento açoite,
mil auroras arrebois?

Quantos lençois revoada
duas pombas bicos retos
que florestas, quanto estro,
quantos ais na madrugada!

Salvador Dalí - Don Quixote and the Windmills [1945]. Pintura

Salvador Dalí - Don Quixote and the Windmills [1945]

Atitude. Cecília Meireles. Poesia

Atitude
Cecília Meireles

Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.

Até o insensato passará por sábio se estiver calado, e por inteligente se conservar os lábios fechados. Salomão.

Emile Edmond Peynot, c.1883 - Marchand Tunisien Private collection. E47. Escultura

Crês? Igreja. Cristianismo

Evangelho segundo São Marcos 16,15-20.

Naquele tempo, Jesus apareceu aos Onze e disse-lhes: «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura.
Quem acreditar e for batizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado.
Eis os milagres que acompanharão os que acreditarem: expulsarão os demónios em meu nome; falarão novas línguas;
se pegarem em serpentes ou beberem veneno, não sofrerão nenhum mal; e quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados».
E assim o Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus.
Eles partiram a pregar por toda a parte, e o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam.

Annunciation, Peter Paul Rubens (1610)

Annunciation, Peter Paul Rubens (1610)

Antes tarde que nunca.

Frédéric Chopin - Mazurka in E Minor Op. 41 No 2

Pior inimiga é a pessoa que aparenta amiga. Charles Fonseca

sábado, maio 16, 2015

Large and Small Dog / Edvard Munch - 1911-1912. Pintura

Large and Small Dog / Edvard Munch - 1911-1912

Murilo menino. Murilo Mendes. Poesia

Murilo menino
Murilo Mendes

Eu quero montar o vento em pêlo,
Força do céu, cavalo poderoso
Que viaja quando entende, noite e dia.

Quero ouvir a flauta sem fim do Isidoro da flauta,
Quero que o preto velho Isidoro
Dê um concerto com minhas primas ao piano,
Lá no salão azul da baronesa.

Quero conhecer a mãe-d'água
Que no claro do rio penteia os cabelos
Com um pente de sete cores.

Salve salve minha rainha,
Ó clemente ó piedosa ó doce Virgem Maria,
? Como pode uma rainha ser também advogada.

Bernardo Bellotto (1721-1780). Pintura

Poeta Perdido. Marcos Regis Andrade. Poesia

Poeta Perdido
Marcos Regis Andrade

Nao consigo entender poeta, onde andas com a cabeça
Pois não tens tu uma mulher virtuosa que em tudo te mereça?

Sei que o passado aprisona teu coração, mas feliz serás poeta se provocares com a razão,
a libertação do prisioneiro imaginário, que pela sua própria natureza já é um ser lendário

Se alguem no passado não te quis, é porque no presente não te merece, de fachada e de pintura como imagem te apetece e por simples lembrança faça por ela uma prece

A felicidade então se apresenta na simplicidade do momento, que toca o coração com suave e afetuoso vento, que invade o teu ser em plena sintonia, com a mulher que contigo virou a sua melhor companhia

Por fim Poeta Sábio, deve ficar apenas a vontade de agradecer, a um Deus que interviu em todo o seu ser, que esteve sempre contigo e que junto com Tilly, será sempre o seu melhor amigo!

Ass. Poeta iniciante!

Emílio Santiago. Eu e a brisa. Música

sexta-feira, maio 15, 2015

PRATEADOS. ENLUARADOS. Charles Fonseca. Fotografia

Receita de mulher. Vinicius de Moraes. Poesia

Receita de mulher
Vinicius de Moraes

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República [Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Qu tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da [aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que tudo seja belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como ao âmbar de uma tarde. Ah, deixai-e dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é, porém, o problema das saboneteiras: uma mulher sem [saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de 5 velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de [coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima [penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca [inferior
A 37° centígrados podendo eventualmente provocar queimaduras
Do 1° grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro da paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que, se se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer [beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ele não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

Tango (From the scent of a woman)

SOZINHO. Charles Fonseca. Poesia

SOZINHO
Charles Fonseca

Quero adormecer sorrindo
Quero me ir alçando
A hora eu não sei quando
Sozinho, espero, findo.

ABPTV | Transtorno de Pânico (11/05/2015)

Escravidão do Brasil

Foto de PUC Minas.

Depressão e transtorno bipolar são doenças psiquiátricas que atingem milhões. Psiquiatria. Medicina

Clique: http://globotv.globo.com/tv-centro-america/bom-dia-mt/v/depressao-e-transtorno-bipolar-sao-doencas-psiquiatricas-que-atingem-milhoes/4169873/

Catedral de Notre Dame à noite - Paris

QUANTO MAIS devagar no entretanto, melhor no finalmente. Charles Fonseca.

Frédéric Bazille (1841-1870). Pintura

Lula e FHC. Ou: De Senectude. Reinaldo Azevedo. Política

Lula e FHC. Ou: De Senectude
15/05/2015 02h00

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu na terça, dia 12 de maio, em Nova York, o prêmio "Pessoa do Ano", conferido pela Câmara de Comércio Brasil-EUA. Fez um discurso duro, mas sereno. A reparação histórica começou, quero crer, mais cedo do que ele imaginava.

A máquina de moer reputações do petismo foi desmoralizada pelos ladrões da Petrobras. A era dita inaugural dos companheiros foi desmascarada pelos juros estratosféricos, pela inflação renitente e pela recessão. É um retrato. O desastre foi meticulosamente engendrado, com uma incompetência fanática.

Ao longo de 12 anos, o PT elegeu como adversário preferencial o que havia de mais moderno nos tucanos: o seu viés –não mais do que viés– liberal. Cavalgando o jumento do nacional-estatismo, a companheirada satanizou à vontade os adversários, desmoralizou-os, acusou-os de inimigos dos pobres.

No discurso que fez nos EUA a uma plateia de 1.200 pessoas, FHC apontou os retrocessos em curso no Brasil, mas recomendou, em seminário no dia seguinte, perseverança e otimismo. No tempo em que sua herança foi enxovalhada pelos governos petistas, nunca perdeu nem serenidade nem bom humor.

Como Cícero recomendava em "De Senectude", FHC, 84 anos no mês que vem, descobriu os prazeres da maturidade. O espírito de alguns livros, de alguns vinhos e, acrescentaria eu, de alguns uísques requer um repertório que é dado pela experiência, não pelo ímpeto. Nota à margem: o próprio Cícero, coitado!, se foi bem antes, aos 63, com cabeça e mãos literalmente cortadas.

E Lula? Ah, Lula... À beira dos 70 anos, poderia ele também estar pacificado. Embora repudie a sua obra, reconheço-lhe a trajetória invulgar. Por que não faz do prateado do rosto e da cabeça o retrato da temperança? Se não o socorre outro saber que não a disputa pelo poder –e assim é por escolha, não por determinação; é ele que foge dos livros, não o contrário–, que as virtudes do conselheiro se sobreponham às do guerreiro. Mas não!

Agora ele anuncia uma cruzada para mobilizar as esquerdas e os movimentos sociais em defesa do PT. A agitação sindical que promove, e não alguma suposta conspiração de Eduardo Cunha, derrotou o governo na votação sobre o fator previdenciário. O chefão petista vaga por aí como alma penada, sem se dar conta de que a sua militância já é coisa do passado. Só sobrevive o que consegue se adaptar às novas circunstâncias; só se conserva o que é capaz de mudar. Não é lei dos homens, mas da natureza.

Fora do poder há 13 anos, mesmo tendo a sua biografia política cotidianamente esmagada pela máquina de propaganda petista, FHC fala a um país nascente. E o faz com discrição e sem pretensões de exercer alguma forma de liderança. Lula, ao contrário, tornou-se apenas um velho reacionário, que busca, desesperadamente, um modo de calar as ruas. Fala à terra dos mortos.

Registro rápido: a investigação de um esquema que é a síntese da forma como o PT capturou o Estado brasileiro tem dois peemedebistas como alvos principais: Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Não há algo de estranho nessa narrativa? E os "spin doctors" do petismo espalham a versão de que é o PMDB quem pretende secar a Lava Jato. Vai ver os companheiros querem investigar tudo, né? A má-fé é uma forma de burrice ou a burrice uma forma de má-fé?

quinta-feira, maio 14, 2015

Clarice por Clarice. 1. Clarice Lispector. Prosa

Clarice por Clarice

“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.
Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”