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domingo, março 29, 2015

Análise psiquiátrica do piloto alemão que derrubou o avião. Marcelo Caixeta. Medicina

ANÁLISE PSIQUIÁTRICA DO PILOTO ALEMÃO QUE DERRUBOU O AVIÃO
Marcelo Caixeta

Andreas Lubitz, o copiloto da GermanWings que derrubou o avião na Europa, matando 149 pessoas, tinha doença psiquiátrica e , pelos relatos da mídia, não estava sendo bem acompanhado ( a gente pensa que é só aqui....). No jornal “The Guardian” um psiquiatra , também piloto, diz que “depressão não explica isto”, numa confissão pública de incompetência profissional. Depressão explica isto e pode explicar muito mais, como veremos. A namorada de Lubitz tem a informar dados muito mais relevantes do que o psiquiatra do The Guardian : disse que ele tinha rompantes de raiva contra ela, contra a empresa de aviação e chegou a falar que um dia o mundo se lembraria dele, que um dia faria algo diferente para mudar o sistema, que um dia faria algo relevante para a humanidade. Só isto já mostra que, ao contrário do que vem sendo dito, Andreas não sofria de depressão, mas de uma condição bem mais grave, doença bipolar. Uma depressão unipolar não cursa com estes rompantes apocalípticos, delirantes, megalomaníacos; isto é coisa da situação mórbida bipolar. Estes rompantes, se forem vividos num contexto depressivo, configuram o que se chama de “estado misto”, situação na qual o doente tem uma energia megalomaníaca dentro de um afeto altamente depressivo. É uma situação gravíssima do ponto de vista psiquiátrico pois o paciente fica com uma “alta energia” mas é uma “energia escura”, uma energia que pode , facilmente, degenerar em homicídio ou suicídio. Isto sem falar que os bipolares também estão muito sujeitos ao chamado “suicídio altruísta” que é quando se matam e querem “levar outras pessoas, para livrá-las do tormento pelo qual passam em sua vida na Terra”. Bipolares depressivos, quando em surtos psicóticos ou deliroides , olham para o mundo e veem “todo mundo vivendo como autômatos”, “uma vida sem sentido”, “uma vida de plástico, sem gosto”. Projetam no mundo aquilo que sentem em seu próprio psiquismo. No momento do suicídio-homicídio há um misto de várias coisas em seu psiquismo ( coisas que não se misturam, sendo até excludentes, na mente de uma pessoa normal ) : exaltação , ( "muita energia"), ressentimento, angústia, ideias de ruína, ideias de piedade, ódio pelo mundo e, ao mesmo tempo, "vontade de estar junto ao mundo" ( daí o paradoxo de quererem matar a todos mas , ao mesmo tempo, quererem estar junto a todos, "levá-los consigo" ). O tratamento para estes casos de “situação depressiva bipolar” não é o uso de antidepressivos, como os leigos e muitos médicos não-especialistas pensam. Pelo contrário, os antidepressivos podem piorar , e geralmente, pioram muito a situação desta “energia escura”, turbinando-a e dando ânimo para os pacientes cometerem atos que não estavam tendo coragem ou energia para cometer ( esta é uma das causas do aumento de suicídios no mundo, pois os não-especialistas tendem a dar antidepressivos nestes casos e isto precipita suicídio ou homicídio ). Ao invés disto, tais pacientes têm de usar são os normotímicos, os chamados "estabilizadores do humor". Um comprimidinho de lítio provavelmente teria impedido toda esta tragédia. Por outro lado, um "comprimidinho" de fluoxetina poderia tê-la turbinado. Como a qualidade da medicina psiquiátrica , infelizmente, é muito ruim, não só no Brasil, mas no mundo, é muitíssimo provável que Andreas , se estivesse usando alguma medicação ( parece que não estava ) , estivesse usando uma medicação errada, pois mesmo a grande parte dos psiquiatras costuma cometer o erro de prescrever antidepressivos para situações depressivas bipolares, aumentando o risco deste tipo de ato tresloucado.
O fato de Andreas ter dito que o mundo lembraria dele pode ser mostra, ao mesmo tempo, de um componente psíquico megalomaníaco misturado a um componente de revolta, indignação, ressentimento pelo seu “não-reconhecimento” e pela ingratidão dos patrões. Relatos também dizem que ele reclamava da “pressão” no trabalho, exigências laborais excessivas, condições sofríveis de trabalho. Isto era outro componente psiquiátrico que teria de ter sido levado em conta : alguns bipolares não suportam trabalhar sob ansiedade ou pressão constante. Isto funciona como lenha-na-fogueira, levando a uma piora progressiva. A doença bipolar tem como uma de suas bases os níveis excessivos de ansiedade, e qualquer elemento crônico que possa aumentar esta ansiedade não deixa a doença melhorar. Andreas escondia isso de muita gente - não da namorada ou do seu médico - porque tinha o sonho ( provavelmente também um pouco megalomaníaco ) de ser um grande comandante aéreo de voos longos e internacionais. A “vontade de grandes feitos”, a “vontade férrea”, a “vontade que não se dobra”, a “vontade que não renuncia”, não aceita as agruras da vida, é também uma característica bipolar marcante. Assim como uma vida de aventuras, uma vida de “adrenalina”, uma vida com muita busca de novidades, “sempre em lugares novos, fazendo coisas novas, conhecendo novidades, mudando-se, sempre errante e sempre distante daquela “acomodação pacífica” que faz a felicidade da maioria das pessoas normais.
Como se vê, constata-se , tristemente, que a falta de triagem psiquiátrica, a falta de avaliações laborais psiquiátricas admissionais e seriais, a falta de acompanhamento psiquiátrico dos profissionais, a falta de diagnósticos e tratamentos psiquiátricos adequados, a falta de interdições psiquiátricas quando necessário, não é um apanágio apenas de países subdesenvolvidos como o nosso.
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Marcelo Caixeta, médico psiquiatra

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