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domingo, junho 29, 2014

ORAÇÃO A NOSSA SENHORA DE PARIS. Vinicius de Moraes. Prosa

ORAÇÃO A NOSSA SENHORA DE PARIS
Vinicius de Moraes


Notre Dame de Paris, Notre Dame de Partout, rogai por mim, rogai por nós, os malferidos de amor, os feridos do doce langor, os que uivam à lua nas praias desertas do mundo, os que buscam um vagabundo num bar para falar da bem-amada, para não dizer nada só que ela é bonita, os que saem andando em campos de estrelas e de repente é uma rua deserta com um apartamento aceso que fica olhando o deambulante, o amante perdido, sem rumo e sem prumo, barco sozinho no meio do oceano lunar, é só olhar, lá está ela, a bem-amada dormindo no céu com os braços para cima, linda axila, macio feno, suave veneno de paixão, ó não, Nossa Senhora de Paris, Nossa Senhorazinha de Paris, rogai por mim porque a coisa está ruim, ela está longe eu sigo nessa névoa de luminosos astros e choro ao ver um rio que corre, uma estrela que morre, um mendigo que dorme, um cão que faz amor com uma cadela de olhos úmidos, túmidos seios, negro vórtex, meu amor, Notre Dame de Paris, Notre Dame de Partout, aqui estou eu, lembrai-vos, diante de vossa portada maior, o santo de cabeça cortada me espiando sofrer a angústia da espera vem não vem o homem me oferece cartões-postais de mulher nua pensa que eu sou americano eu sou é brasileiro do Rio de janeiro onde mora a minha amada numa colmeia a beira-parque fazendo há dois mil anos mel de amor com que adoçar todas as minhas mágoas, ó águas do Sena revoltas, minha amada está serena porque nós viemos de muito, muito, muito longe para nos encontrar, atravessamos os lagos da infância, cruzamos os desertos da adolescência, galgamos as montanhas da mocidade e aqui nesta cidade nos encontramos uma só vez, o mês era março, e nos reencontramos em abril novecentos e sessenta luas depois na rue Pierre Charon e ela entrou pelos meus olhos, banhou-se no meu cristalino, acendeu-me a íris e postou-se como santa Luzia no nicho de minhas pupilas oferecendo-me os próprios olhos numa salva de prata e pôs-se a comer devagarinho minha cabeça enquanto eu não sabia o que lhe dissesse só pedia vem comigo vem comigo mas ela não podia porque não era o dia mas lá vem ela de táxi entrou na Île de Ia Cité, rodeou a praça, que graça é ela, vai saltar, não eu que vou com ela, adeus Notre Dame de Paris, Notre Dame de l'Amour, iluminai vossos vitrais, levantai âncora ó galera gótica dos meus martírios vossos santos aos remos o Corcunda no mais alto mastro Jesus na torre de comando e buscai serenamente o grande caudal no qual me abandono náufrago coberto de flores em demanda do abismo claro e indevassável da morte, Saravá!

Pachelbel Canon in D Major fantastic version, classical music. Música

sexta-feira, junho 27, 2014

DORES. Charles Fonseca. Poesia

DORES
Charles Fonseca

Meio desligado eu ando
Uma flor jaz violeta
À janela é uma peta
Ou verdade, meu senhor?

Que tu tens, pobre poeta,
Tantos versos em colossos
Assim hás de roer ossos
Sou jardineiro esteta

Não te apaixones por flores
Totalmente faz razão
Balizar teu coração
Do contrario sobram dores.

quinta-feira, junho 26, 2014

As sociedades de vida apostólica. Igreja. Cristianismo

AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA

930. Aproximam-se das diversas formas de vida consagrada, «as sociedades de vida apostólica, cujos membros, sem votos religiosos, prosseguem o fim apostólico próprio da sociedade e, vivendo em comum a vida fraterna, de acordo com a própria forma de vida, tendem, pela observância das constituições, à perfeição da caridade. Entre elas há sociedades, cujos membros [...] assumem os conselhos evangélicos» segundo as suas constituições» (494)

Catecismo

Rembrandt. Pintura


O tempo e eu. Câmara Cascudo. Prosa

"Creio na bondade sem a garantia prévia da gratidão. Sem que se assegure da memória devedora. Sem que se estabeleça, pelo ato generoso, uma servidão vitalícia no beneficiado. Bondade paga-se no puro e simples ato de sua realização. Como um fruto justifica a existência útil da árvore. Bondade antevendo a recompensa é apólice de sociedade mutualista rendendo do capital intocável do favor inicial. Os pássaros não são devedores dos frutos e da água da fonte. Eles testificam, perante a natureza, a continuidade da missão cultural."
- Câmara Cascudo, em "O Tempo e Eu", Natal: UFRN/Imprensa Universitária, 1968.

quarta-feira, junho 25, 2014

Charlie Chaplin - The Kid "O Garoto" (HD) (legendado em português). Cinema

Código de Ética Médica. Confiança para o médico, segurança para o paciente. Medicina

http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp

O homem e o machado. Esopo. Fábula. Prosa

O homem e o machado
Esopo

Um homem certa vez mandou forjar um machado e foi à floresta pedir às árvores que fornecessem um cabo para ele. As árvores decidiram que a oliveira deveria fornecer-lhe um bom cabo; o homem pegou-o, colocou no machado e começou a derrubar as árvores e cortar seus galhos.
Disse o o carvalho às outras árvores:
- Bem feito para nós. Somos culpadas de nosso infortúnios porque ajudamos nosso inimigo a arranjar o cabo. Somos a causa da nossa própria ruína.

Moral da história:
Aquele que ajuda seu inimigo causa infortúnio a si próprio, e é por isso que todos pensam cautelosamente o que fazer quando um inimigo pede conselhos ou ajuda.

terça-feira, junho 24, 2014

Adiando o adeus nos dois. Charles Fonseca. Poesia

Cascatinha e Inhana - Vai com Deus. Música

O LADO BOM DO MAL ( como o PT ajudou a Medicina ). Marcelo Ferreira Caixeta. Medicina.

O LADO BOM DO MAL ( como o PT ajudou a Medicina )
Marcelo Ferreira Caixeta

1) Já vou avisando que este é um post polêmico, só para os estômagos fortes. Nele vou falar do "lado bom do PT" para a Medicina. Já aviso que sou visceralmente contra o PT, contra o Comunismo, e lutarei contra ele com todas minhas forças, enquanto eu puder. Portanto, este não é um post político, é um post cognitivo, um post anti-ingênuo, uma visão de que mesmo no Mal há o Bem, assim como na Escuridão há Luz por sua Ausência.
2) A política de Destruição da Medicina causada pelo PT ( trazer escravos cubanos , aumentar vagas, banalizar os cursos, estatizar a Medicina , obrigar médicos, residentes, estudantes, trabalharem para o SUS ) irá , inevitavelmente, levar à proletarização da Medicina.
3) A proletarização é inevitável. Como lei de mercado, ganharão mais os mais capacitados, os que conversam mais com os pacientes, os que aparecem mais nas colunas sociais, os que fazem mais marketing, os mais psicopatas, os que já eram ricos antes, os filhos-de-dono-de-hospital.
4) Antes do PT proletarizar a Medicina havia enorme reserva de mercado, por exemplo, eu ( um "pobre", um "não-colunas-sociais", um "não-politiqueiro", "não-riquinho-e-filhinho-de-rico", etc ) tentei abrir uma Residência Médica por 30 anos. Fui IMPEDIDO por todas as "Forças Político-Econômicas" de Direita, os ricos, os poderosos, os já-estabelecidos. Tinham "ação total" na Assoc. Bras. Psiquiatria, na Comissão Nac. Residencia Mèdica, no MEC, etc. Não deixavam PASSAR nada que quebrasse seu foco de poder. Do mesmo modo, Goiás ( mesmo quando era enorme, junto com o estado do Tocantins ) , mesmo precisando de médicos, não PODIA abrir nenhuma outra Faculdade, não podia abrir residências, tudo porque estes RICAÇOS, PODEROSÍSSIMOS, não deixavam ( pura reserva de mercado ). Mesmo que houvesse regiões realmente carentes de médicos, o "poder-da-direita", os ricaços, de fato, não deixavam nada progredir.
5) O PT entrou e arrebentou com a Sociedade Civil, arrebentando com o poder destes merdas capitalistas. Arrebentou também com todos nós, mesmo os médicos não-capitalistas, não-poderosos. O PT quis quebrar este monopólio que impedia o necessário aumento de médicos em alguns lugares, impedia o necessário aumento de especialistas em alguns lugares.
6) Tudo bem que, com "pouca concorrência" ( repito, em alguns locais, e falando da MINHA realidade ) , acabava que todos ganhavam relativamente muito, alguns ganhavam literalmente milhões. No entanto, esta turba da Direita NUNCA fez nada para melhorar a Medicina fora da esfera de seu umbigo. Usava do SUS apenas como toda classe média brasileira o faz : busca de benesses, cabides-de-emprego, vitaliciedade, estabilidade, aumentos salariais. NUNCA preocupou-se em denunciar, por ideologia desinteressada, as inconsistências estruturais que levam à inviabilidade do SUS.
7 ) A política de "reserva de mercado" capitaneada por estes médicos de direita foi levando à uma bipolaridade perigosa na Medicina : de um lado, um SUS não-funcionante, de outro lado, ricos pagando caro, de outro lado, médicos trabalhando freneticamente para "ganhar mais e mais " de convênios. No meio de tudo isto, uma enorme população desassistida, médicos de má-qualidade, poucos médicos, tratamentos e médicos eficazes muito caros.
8 ) Entra o "governo de esquerda" e quebra a espinha dorsal destes "ricaços", abrem-se residencias, cursos, trazem-se escravos de fora. Tendência : proletarização da Medicina. Só sobreviverão ganhando bem os "muito bons" ( técnicos e humanos ) , ou os "muito psicopatas-ricos-socialites".
9 ) A estatização crescente piora o SUS, piora os planos, piora os salários, piora a qualidade da Medicina, permite não-médicos e técnicos em Medicina de exercê-la. Deterioração Médica . Os médicos honestos, ou seja, não-psicopatas-socialites-etc, que "gostam de Medicina" , continuarão trabalhando bem ( têm técnica e humanismo ) , os que têm mais sorte e mais jogo -de-cintura ganharão mais dinheiro que os demais. Os "ricaços-de-direita-donos-da-Medicina" continuarão tendo poder, mas abalada pela proletarização, esquerdização, necessidade de transparência .
10 ) os "médicos-bem-intencionados", não-ricaços, com a "quebra-dos-ricaços" feita pelo esquerdismo, terão mais meios para desenvolver-se, por exemplo, nosso "pobre hospital" acabou de conseguir uma residência que nunca conseguiu em 30 anos de "Direita Médica".
11 ) A transparência é uma das consequências da quebra-de-espinha dos poderosos, e é a transparencia que irá manter os ricaços relativamente ( nunca totalmente ) fora do poder. A luz do sol é o melhor antisséptico.
12 ) Agora, toda a classe médica, sofre o efeito - sanduíche : de uma lado é prejudicada pelos "ricaços" ( Direita ) , de outro lado é prejudicado pelos destruidores-da-medicina ( Esquerda que precisa rasgar os Diplomas Médicos para cumprir sua Estatização da Medicina ). Disto surge uma nova consciência médica, uma consciência proletária, como a nossa, mas não esquerdista, não-comunista ( o que é inédito, pois toda conscientização proletária, até agora, surgia no bojo do Comunismo -Esquerdismo ).
13 ) Com a "transparenci-zação" dos males do Direitismo ( Ricaços mandando na Medicina ) e dos males do Esquerdismo ( Acabar com a Medicina para "Estatizá-la") a classe médica "proletária" tem diante de si um novo desafio. O problema é que nem nos conscientizamos disto ainda.

01 - Marxismo Cultural e Revolução Cultural: Visão Histórica. Economia. Política

Vou-me Embora pra Pasárgada. Manuel Bandeira

Vou-me Embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

segunda-feira, junho 23, 2014

Cemitério Adalgisa. Adalgisa Nery. Poesia

Cemitério Adalgisa
Adalgisa Nery

Moram em mim
Fundos de mares, estrelas-d'alva,
Ilhas, esqueletos de animais,
Nuvens que não couberam no céu,
Razões mortas, perdões, condenações,
Gestos de amparo incompleto,
O desejo do meu sexo
E a vontade de atingir a perfeição.
Adolescências cortadas, velhices demoradas,
Os braços de Abel e as pernas de Caim.
Sinto que não moro.
Sou morada pelas coisas como a terra das sepulturas
É habitada pelos corpos.
Moram em mim
Gerações, alegrias em embrião,
Vagos pensamentos de perdão.
Como na terra das sepulturas
Mora em mim o fruto podre,
Que a semente fecunda repetindo a vida
No sereno ritmo da Origem.
Vida e morte,
Terra e céu,
Podridão, germinação,
Destruição e criação.


De Poemas (1937)

Mary Ellen Mark. Fotografia

Clique para ver a imagem em tamanho real

domingo, junho 22, 2014

Guia para cuidadores de pessoas com transtorno bipolar. Psiquiatria. Medicina

http://www.progruda.com/acontece-no-gruda/18.html

Entenda tudo sobre o Transtorno Bipolar! Psiquiatria. Medicina

Rudolph Schadow, c. 1819 Um mármore branco esculpido; figura de uma donzela sentada. Coleção privada. E40. Escultura

Os institutos seculares. Igreja. Cristianismo

OS INSTITUTOS SECULARES

928. «Instituto secular é o instituto de vida consagrada, em que os fiéis, vivendo no século, se esforçam por atingir a perfeição da caridade e por contribuir, sobretudo a partir de dentro, para a santificação do mundo» (489).

929. Os membros destes institutos, mediante uma «vida perfeita e inteiramente consagrada [a esta] santificação» (490), tomam parte na tarefa de evangelização da Igreja, «no mundo e a partir do mundo» (491), onde a sua presença atua «à maneira de fermento» (492). O seu testemunho de vida cristã visa ordenar segundo Deus as realidades temporais e impregnar o mundo com a força do Evangelho. Assumem, por vínculos sagrados, os conselhos evangélicos e mantêm entre si a comunhão e fraternidade próprias do seu teor de vida secular (493).

Catecismo

Castelo Forte. Hino. Igreja. Cristianismo

sábado, junho 21, 2014

PINOTE. Charles Fonseca. Poesia

PINOTE
Charles Fonseca

Humaitá na Bahia
Cidade do São Salvador
Lugar de paz, de langor,
De amar o que vista espia

O céu não mais que tamanho
Tem de outro lugar
Mas tem tempero iaiá
Cravo canela um banho

De beijar bem no cangote
De apertar o bem em cima
Em baixo ninguém ensina
Corcoveio dou pinote.

A leiteira, Johannes Vermeer, c. 1660. Pintura

Cantiga de Malazarte. Murilo Mendes. Poesia

Cantiga de Malazarte
Murilo Mendes

Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos caminhos do mundo.

Hino Nacional em rítmo de Forró. Música

[Estudantes, escola particular Mekteb-i Hamidi-yi] / Abdullah Frères, photographes de SMI le Sultan.

[Os alunos, escola particular Mekteb-i Hamidi-yi]

sexta-feira, junho 20, 2014

SER MODERNO. Vinicius de Moraes. Prosa

SER MODERNO
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 31/12/1969

Saía o Sol sobre a Terra quando Lot entrou em Zoar. Então fez o Senhor chover enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra. E subverteu aquelas cidades e toda a campina, e todos os moradores das cidades, e o que nascia da terra. E a mulher de Lot olhou para trás e converteu-se numa estátua de sal.

O grifo é meu e o texto está no Gênese, o primeiro livro de Moisés. O episódio bíblico constitui também, provavelmente, o primeiro caso psiquiátrico de neurose do passado. A mulher de Lot fora instruída a não olhar para trás, a andar a monte com seu marido e suas duas filhas, para não perecer no castigo imposto pelo Senhor à cidade de Sodoma.

- Quem mandou se meter a fogueteira? - diria um psiquiatra moderno da escola kleiniana. Não há que olhar para o passado. O passado é a neurose. O futuro é que conta.
- Então - perguntaria eu, bronqueado - por que é que você está usando uma expressão tão fora de época como "se meter a fogueteira"?

Aí o psiquiatra me explicaria que se tratava de uma expressão usada por sua avozinha, a única pessoa que conseguiu, com muito amor e paciência, corrigi-lo do hábito de fazer pipi na cama até os dez anos; mas que as pessoas projetadas para o futuro é que são isentas de neuroses.

- Feito os cosmonautas? - indagaria eu, meio preocupado com a lavagem cerebral indispensável ao equilíbrio neuropsíquico dos invasores do Cosmos.
- É, mas ou menos... - responderia o nosso amigo, com ar de quem não quer levar a discussão adiante.

Aí... - aí, pombas, cada um iria para a casa de sua mãe, mesmo porque a conversa já estava ficando com um certo ar de crônica de Art Buchwald, como está tão em moda.
É, velhinho... Que fazer? Dar uma de moderno, sair por aí, de calça vermelha ou azul-turquesa, camisa de florzinha e corrente com medalhão ao pescoço, puxando um fumo (1) honesto, e depois ir esticar com uma percanta (2) no Varanda, pra biritar (3) umas e outras? Ou assumir a vida, a experiência, o passado?

- Escuta, bicho, você tá por fora... Falar umas e outras já saiu do ar. Não vá me dizer isso no Veloso... A turma te dá uma buzinada. O último cara que falou assim foi o Chico Buarque, morou?
- Que é que tem o Chico? Eu acho o Chico, um sujeito por dentro, um compositor todo bom, cheio de sentimento...
- Sentimentos? Mas que é isso, bicho? Que coisa mais antiga... Quem tem sentimento é guia de cego. O negócio é entrar na onda (4). Você está em outra (5). Leia Marcuse e Norman Mailer e atualize seu repertório (6). Deixe o espírito vagar. Tem que ter plá (7).

Tem que ter plá, ouviram bem? Ser moderno é achar que a história começa com os Beatles e termina com os hippies. Depois disso, não há mais nada a fazer. É ir levando, entrar em órbita (8), canear (9) por aí com umas grinfas (10) bem xués (11), que é pra não dar dor de cabeça. É o sideral (12). O negócio é muita bolinha (13), muita tia-branca (14), muito LSD ou qualquer outro psicotrópico que dê um barato (15) firme. É de lei!

Realmente, a que se pode aspirar, depois de atingir a categoria hippy? O hippy é, no fundo, tão velho e sem perspectiva quanto um embaixador que caiu na compulsória. É um jovem que pediu aposentadoria da vida, motivado, é claro, pelos mais nobres sentimentos. Tudo, menos o trabalho burguês. Amor, não a guerra. Sexo livre, ambidestro e descompromissado. Desligamento total dos laços tradicionais de família. "Familles, je vous hais; foyers clos, portes renfermées, possessions jalouses du bonheur!" (16) - como já disse André Gide, esse Marcuse avant la lettre, esse velho hippy formalista, que viu Verlaine bêbado na rua sendo apupado e maltratado por um bando de colegiais, e optou por não socorrê-lo para não intervir no curso do seu destino.

E há - importantíssimo! - o problema "acústico".

- Que é que você achou da mulher americana, Miltinho?
- Humm... Não tem som (17).

Tem que ter som, ouviram, ó mulhas? (18). Não basta ser dondoca bonérrima, ter curso de psicologia na PUC, ser aprendiz de guerrilheira ou dona de boutique, assistente social ou bandida (19), grã-fina ou grã-grossa. O negócio é o seguinte: tem que ter som. Perguntem aos músicos mais pra frente (e perdoem se esta expressão tiver sido excomungada ontem no novo Zepelim).

- O Sérgio Mendes? Ih, bicho... já deu o que tinha dar. O som já não é mais aquele, morou? Muito comercial, muito pra gringo. Não dá mais pé. Agora: você já ouviu uns garotos que estão com um conjunto de cavaquinhos e gaitas eletrônicas? Velhinho, aquilo é que é som.

Resultado: andam os músicos a experimentar, dia e noite com seus conjuntos, à cata de um som: um como aquele que conduziu Sérgio Mendes ao auge do faturamento.

- Não, ô cara, a poesia não deixa de ter sua importância na canção, se o infeliz não me vier de amor - saudade - tristeza - coração - luar. Agora: importante mesmo é o som. A letra tem que interpretar o momento presente, aproveitar das novas estruturas, das novas formas, dos novos materiais, da nova linguagem publicitária de nossa sociedade de consumo. Tem que passar sinteco no samba.

- Mas... e o Tom?
- Bem... o Tom é grande, mas já está ultrapassado. Deu uma de coroa (20). Poxa, gravar com o Sina (21), um velhunco, um tremendo matusa (22). Não, bicho, eu estou em outra...

De maneira, arcaico leitor, que o seguinte é o que se segue; e o que se segue é a realidade; e a realidade é um fato; e fato é o que eu vou lhe provar agora: para ser moderno, você tem que estar na deles. Estando com eles, está com Deus. Você tem que usar calças Lee, de preferência desbotadas e puídas nos joelhos (camisas Lacoste é pra granfunço); tem que estar por dentro de blá(23) de malandro e gíria de barbudo de Ipanema; tem que fazer a ponte Zepelim-Varanda, e de vez em quando dar uma de Degrau; tem que discutir cinema novo, e sobretudo Gláuber; tem que saber queimar-o-pé (24) e entrar no embalo-7 (25) com birita de pobre: uísque é pros Onassis da vida; ou estar a balão (26) sempre que puder, puxando seu charo (27) em companhia de uma grinfete (28) super, levando o seu (29) com aquela disponibilidade; mas também sabendo quebrar um pau (30) quando o negócio estiver mais pra fezes (com perdão do eufemismo) que pra mousse de chocolate; tem que gostar de Gal Costa (sem que isso tenha nada a ver com o fato de ela ser uma excelente cantora) e Caetano Veloso (idem para o grande compositor), e tem que achar o Chico um ótimo letrista mas um músico meio devagar; tem que considerar o Chacrinha um gênio, inteiramente dentro do contexto, que é cafono por natureza: (Isso é que é tropicalismo, morou, ô infeliz?); tem que encarar de ver em quando umas patuleiras do asfalto (31), e se mandar pra Barra no carango (32), a mil; tem que, pelo menos uma vez por ano, fundir a cuca (33) e ir misturar as estações (34) numa clínica de repouso, e fazer uma sonda (35) seguida de uma psicoterapia de apoio - dá um pé bárbaro!

É isso que você tem que fazer, execrável leitor, se quiser ser moderno. Pergunte a esse grande ator Hugo Carvana, que me forneceu muitos dos elementos que estão aqui. O resto é papo furado. Se você não estiver nessa nunca vai ser um praça-boa, uma pedra-90 (36). Senão, bicho, quando você for buscar o milho, eles já fizeram a pipoca. Em rio que tem piranha, mosquito não dá rasante. Quem se mete a avestruz tem que aguentar o ovo. Ou como diz o fotógrafo filósofo e gentleman tijuco-ipanemense Paulinho Garcez: "Ajoelhou, tem que rezar!"


* P.S. Para os que estão mais por fora que marido enganado, fiz um pequeno glossário. Se quaisquer outras dúvidas ocorrerem, consultem o jovem super ao seu lado.

E por falar nisso: pode haver nada mais velho do que o novo?
1 - fumando maconha; 2 - mulher, garota que se namora; 3 - bebida alcoólica; 4 - assumir o moderno, com tudo o que ele implica; 5 - ser antigo, ou quadrado; 6 - a súmula do linguajar moderno; 7 - substrato, bossa, espírito; 8 embriagar-se com drogas; 9 - beber; 10 - mulheres, garotas do mesmo naipe; 11 - malucas; 12 - embriaguez específica por drogas ou psicotrópicos; 13 - excitantes medicamentosos em pílulas; 14 - cocaína; 15 - corruptela de baratino: o mesmo que o item 12; 16 - "Famílias, eu vos odeio; lares fechados, portas trancadas, possessões ciumentas da felicidade"; 17 - musicalmente, o correspondente a plá, qualidade sonora, bossa, inventiva, expressão; 18 - corruptela de mulher em gíria; 19 - mulher ou garota de vida fácil, sem chegar a ser uma prostituta: diz-se também vadia; 20 - quarentão; 21 - Sinatra; 22 - corruptela de Matusalém; velhíssimo, ancião; 23 - papo, conversa; 24 embriagar-se; 25 - embriagar-se muito; também se diz encher a cara; 26 - inebriar-se com drogas ou psicotrópicos; estar suspenso no ar; 27 - corruptela de charuto; cigarro mais grosso de maconha; 28 - diminutivo de grinfa (ver no 10), broto, lolita; 29 - contando suas histórias, levando o seu papo; 30 - brigar fisicamente; 31 - prostitutas perambulantes, como se vê ao longo das praias; 32 - automóvel de preferência velho; 33 - ficar neurótico, ou muito perturbado mentalmente; 34 - idem, como se se tratasse de um rádio; 35 - sonoterapia, 36 - pessoa de qualidade; o mesmo que bacana.

quinta-feira, junho 19, 2014

OS BEIJOS. Charles Fonseca. Prosa

Só valem se daqueles cujos lábios, face interna, mucosa aposta à mucosa, forem várias vezes repetidos, chupados. Cada vez mais, no mesmo ritmo. Cada sucção, uma tesão.

Obs: Esta aula teórica foi grátis. Não precisa retribuir.


Antonio Raggi, 1668-1669, Angel com a Coluna Coleção Pública. E40. Escultura

quarta-feira, junho 18, 2014

terça-feira, junho 17, 2014

MONTURO. Charles Fonseca. Poesia

MONTURO
Charles Fonseca

De volta a minha terra
Que tanto ali eu sonhei
Que prantos ali derramei
Que amei, amo e me espera

Pra submeter-me à prova
Ação que é ritual
Ali o meu norte afinal
Eis o meu mote agora

Qual será lá meu futuro
Tão grávido que está d'antes
De emoções prenho de instantes
De razões fogo monturo.

FACEBOOKANDO III. Charles Fonseca. Prosa

FACEBOOKANDO III

Programei meu Facebook de tal modo que só quem me pode ler são os assim chamados amigos. Os amigos dos amigos, não. Os bloqueados, raros, nunca. A melhor maneira de conversar de modo virtual com amigos no Facebook é in box. No meu caso, não fora assim, incomodaria - ou não - 650 pessoas. Por natureza, tímido, aguardo notícias dos mais audazes, in box.

Meus familiares.

A vida religiosa. Igreja. Cristianismo.

A VIDA RELIGIOSA

925. Nascida no Oriente, nos primeiros séculos do cristianismo (482), e vivida em institutos canonicamente erectos pela Igreja (483), a vida religiosa distingue-se das outras formas de vida consagrada pelo aspecto cultual, pela profissão pública dos conselhos evangélicos, pela vida fraterna em comum e pelo testemunho dado a respeito da união de Cristo e da Igreja (484).

926. A vida religiosa faz parte do mistério da Igreja. É um dom que a Igreja recebe do seu Senhor, e que oferece, como um estado de vida estável, ao fiel chamado por Deus à profissão dos conselhos. Assim, a Igreja pode, ao mesmo tempo, manifestar Cristo e reconhecer-se como Esposa do Salvador. A vida religiosa é convidada a significar, nas suas variadas formas, a própria caridade de Deus, em linguagem do nosso tempo.

927. Todos os religiosos, isentos ou não (485), têm o seu lugar entre os cooperadores do bispo diocesano na sua função pastoral (486). A implantação e a expansão missionária da Igreja requerem a presença da vida religiosa em todas as suas formas, desde os começos da evangelização (487). «A história confirma os grandes méritos das famílias religiosas na propagação da fé e na formação de novas Igrejas, desde as antigas instituições monásticas e as Ordens medievais, até às congregações modernas» (488).

Catecismo

Caetano Veloso - Você Não Entende Nada. Música

"Albertina" ou "O inseto-insulto" ou "O quotidiano recebido como mosca". Alexandre O'Neill. Poesia

"Albertina" ou "O inseto-insulto" ou
"O quotidiano recebido como mosca"

Alexandre O'Neill

O poeta está só, completamente só.
Do nariz vai tirando alguns minutos
De abstração, alguns minutos
Do nariz para o chão
Ou colados sob o tampo da mesa
Onde o poeta é todo cotovelos
E espera um minuto de beleza.
Mas o poeta é aos novelos;
Mas o poeta já não tem a certeza
De segurar a musa, aquela
que tantas vezes, arrastou pelos cabelos...
A mosca Albertina, que ele domesticava,
Vem agora ao papel, como um inseto-insulto,
Mas fingindo que o poeta a esperava ...

Quase mulher e muito mosca,
Albertina quer o poeta para si,
Quer sem versos o poeta.
Por isso fica, mosca-mulher, por ali...

— Albertina!, deixa-me em paz, consente
Que eu falhe neste papel tão branco e insolente
Onde belo e ausente um verso eu sei que está!

— Albertina! eu quero um verso que não há!...

Conjugal, provocante, moreno e azulado,
O inseto levanta, revoluteia, desce
E, em lugar do verso que não aparece,
No papel se demora como um insulto alado.

E o poeta sai de chôfre, por uns tempos desalmado ...

segunda-feira, junho 16, 2014

Adoniran Barbosa - O trem das onze. Música

Mansão. Charles Fonseca. Prosa

MANSÃO
Charles Fonseca

Adolescente, já ajudei a construir uma casa de taipa, janela e portas abertas, coberta de sapé, fogueira na porta para espantar a onça suçuarana. Não faltava maxixe, quiabo, jiló, abóbora, umbu. Se faltava água, era retirada de umas cabaças que existem cheias dela na raiz do umbuzeiro. De súbito, uma espingarda dispara. Um irmão mais novo 6 anos acidentalmente foi o autor da façanha. Uns furinhos de caroços de chumbo saídos lerdamente da espingarda de socar com bucha de sisal, penetraram no solo. Pasmo, meu pai recolheu a mesma e deu uma aula conjunta de artilharia em plena caatinga no centro da Bahia. Foi na Fazenda Mansão, de sua propriedade, por doação de um prático em odontologia. O Dr. Araujo, muito conceituado, nas terras dos Maracás.

DESPEDIDA. Charles Fonseca. Poesia

DESPEDIDA
Charles Fonseca

É hora da despedida
hora balanço final
rumo ao meu norte fanal
ainda estou na oitiva

do silêncio que a mim fala
do murmúrio concha mar
do cicio que há no ar
do grito peito esgarça

a alma do mais que ente
a mente que trás da porta
esconde o que importa
segredos ao penitente.

MEUS FAMILIARES. Charles Fonseca. Fotografia

ORNAMENTO. Charles Fonseca. Poesia

ORNAMENTO
Charles Fonseca

O maior amor da vida
Foi feito todo em pedaços
Agora de novo em aço
Reconstruo, não oxida,

A imagem esculpida
Jogada que foi ao eito
Primeira só por despeito
Por medo, até foi cuspida,

Ela era um cristal
Que ao chão restou em pó
De estrelas brilham só
No céu restou ao final

Seu brilho no firmamento
Noite fria a luzir
Que é pra quando eu partir
Saudade, amar, ornamento.

sábado, junho 14, 2014

À D. Bárbara Heliodora. Alvarenga Peixoto. Poesia

À D. BÁRBARA HELIODORA
Alvarenga Peixoto


Bárbara bela,
Do norte estrela,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente triste somente
As horas passo
A suspirar.

Por entre as penhas
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.

Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;
Mas orgulhosa
Sorte invejosa,
Desta fortuna
Me quer privar.

Tu, entre os braços,
Ternos abraços
Da filha amada
Podes gozar;
Priva-me a estrela
De ti e dela,
Busca dous modos
De me matar!

Poema dedicado à sua esposa, remetido do cárcere da Ilha das Cobras

Johann Sebastian Bach (1685-1750) Violin Concertos. Música

O homem e o leão. Esopo. Fábula. Prosa

O homem e o leão
Esopo

Andando o leão à caça, meteu um estrepe no pé, com que não podia bulir-se. Encontrou um homem e mostrou-lhe para que lho tirasse. Fê-lo assim o homem, e o Leão em paga partiu da caça com ele. Dali a muito tempo foi tomado este leão para certas festas e nelas se lançavam homens para que os matassem. Entre eles lhe lançaram este que o curou, que estava preso por algumas culpas. Porém o Leão não só o não matou, antes se pôs em sua guarda, e o acompanhou toda a vida, caçando para ele.

sexta-feira, junho 13, 2014

O Encouraçado Potemkin - Filme completo. Cinema

DESEJOS. Charles Fonseca. Poesia

DESEJOS
Charles Fonseca

Águas passadas redemoinhos
Que novas cheguem só por afetos
Das cabeceiras me cheguem em netos
Pra eles reservo mil carinhos

Os que de minh’alma pros filhos transbordem
Dos que junto a mim partilham amares
Aos mares que desçam entre palmares
´Té dormem novo acordem.

quinta-feira, junho 12, 2014

Reliquary Effigy of St Foy 983-1013 Gold and silver gilt over a wooden core, height 85 cm Church Treasury, Conques

As virgens e as viúvas consagradas. Igreja. Cristianismo

AS VIRGENS E AS VIÚVAS CONSAGRADAS

922. Já desde os tempos apostólicos, apareceram virgens (475) e viúvas cristãs (476), chamadas pelo Senhor a unirem-se a Ele sem partilha, numa maior liberdade de coração, de corpo e de espírito, que tomaram a decisão, aprovada pela Igreja, de viver, respectivamente, no estado de virgindade ou de castidade perpétua, «por amor do Reino dos céus» (Mt 19, 12).

923. As virgens, «emitindo o santo propósito de seguir mais de perto a Cristo, são consagradas a Deus pelo Bispo diocesano segundo o rito litúrgico aprovado, desposam-se misticamente com Cristo Filho de Deus e dedicam-se ao serviço da Igreja» (477). Por este ritual solene (consecratio virginum – consagração das virgens), a «virgem é constituída como pessoa consagrada, sinal transcendente do amor da Igreja a Cristo, imagem escatológica da Esposa celeste e da vida futura» (478).

924. «Próxima das outras formas de vida consagrada» (479), a ordem das virgens estabelece a mulher que vive no mundo (ou a monja) na oração, na penitência, no serviço dos seus irmãos e no trabalho apostólico, segundo o estado e carismas respectivos concedidos a cada uma (480). As virgens consagradas podem associar-se para observarem mais fielmente os seus propósitos (481).

Catecismo

terça-feira, junho 10, 2014

Núbia Lafayette. Pra não morrer de tristeza. Música

É a Cara do Pai. Stephen Kanitz. Família.

A Vida Será Mais Fácil Para Nossos Filhos?
Stephen Kanitz.

Pergunte a seu filho como será o mundo em 2100. Ele tem muita chance de chegar lá, especialmente com os avanços da medicina.

Curiosamente, o futuro de longo prazo é mais previsível do que o de curto prazo.

Seu filho, caso ele tenha lido livros de ficção científica na infância, dirá que os robôs farão praticamente tudo.

Haverá robô para limpar a casa e para buscar comida no supermercado guiado por GPS. Já há robô, que chamamos de e-mail, para entregar cartas em todas as partes do mundo.

O Google já desempregou milhões de bibliotecários, porteiros de bibliotecas e editores de livros.

Daqui cem anos, as máquinas farão praticamente tudo para nós e ninguém terá de trabalhar. Será um mundo de abundância.

Nem robôs precisaremos fazer, porque um robô poderá fazer um outro robô. O único emprego que sobrará será para os engenheiros que projetam esses robôs. Serão menos que 1% da população, e provavelmente trabalharão por prazer e de graça.

De onde virá o dinheiro para comprar todas estas coisas produzidas pelos robôs? Contudo, não é preciso dinheiro quando não há mais escassez de produção. Dinheiro só serve para definir quem compra ou quem não compra os poucos produtos existentes no mercado.
Mas quando a produção é abundante, o preço cai, até zero. Vide a internet. Ninguém compra ar puro, porque ainda há suficiente para todos.

Se tudo for de graça, produzido por robôs, você a rigor poderia pegar 100 sapatos diferentes do centro de distribuição. O que seria um enorme desperdício. Obviamente surgirá uma consciência social de cada um ter somente três pares de sapatos grátis ou no máximo cinco meias grátis e não sair pedindo aos robôs bens de consumo adoidado como fazemos atualmente.

A abundância reduzirá o consumismo, por incrível que isto pareça.

Esta consciência que muitos filhos já têm, e que os ambientalistas irão reforçar.

A nova geração já é bem menos consumista e apegada a bens materiais do que a anterior. Portanto, lá por 2080 provavelmente estaremos todos em férias. Seu filho e seu neto não precisarão trabalhar. Jamais!

Você, lamento dizer, escolheu para nascer na geração errada. Eu e você entraremos na história da humanidade como sendo a última geração que precisou trabalhar para viver. Erramos no timing.

E seremos felizes sem trabalho?

Há quem diga que uma vida sem trabalho será um horror. Já imaginou todo mundo sem nada para fazer? A maioria das pessoas já ouviu dizer que após seis meses, todo aposentado sobe pelas paredes e implora para voltar a trabalhar.

Isso é uma grande mentira.

Para quem se prepara corretamente, a aposentadoria é uma delícia. Dura é a vida dos trabalhomaníacos que não objetivam senão a realização profissional, que só pensam no batente como forma de se provar.

Com os robôs suprindo nossas necessidades, poderemos nos devotar a atividades muito mais interessantes do que o trabalho. São 72.000 livros publicados a cada ano para serem lidos, mais de um milhão de sites interessantes para pesquisar, 8.000 cursos diferentes para ingressar e seus filhos para cuidar.

Isso sem falar do edificante trabalho comunitário e voluntário que pode ocupar 24 horas do dia. Foi como "aposentado” que criei o site www.voluntarios.com.br e o www.filantropia.org. Aposentado não significa ocioso.

Há esportes mil para serem praticados, instrumentos exóticos para serem tocados. Se você quiser se provar e mostrar que você é o máximo poderá ingressar em muitos campeonatos.

O grande problema da humanidade não será a vida sem trabalho, será outro muito mais complicado. Será justamente esta transição da era atual para a era do robô. A transição entre o mundo em que todos trabalham para o mundo em que ninguém trabalha.

Quando todo mundo trabalha não há problema, o sistema entra em equilíbrio. Quando todo mundo viver em férias também não haverá problemas. O sistema entra em equilíbrio.

O problema é a transição de um estado de equilíbrio, o pleno emprego, para outro estado de equilíbrio, o do pleno descanso.

Infelizmente, a transição não é por sua vez um estado de equilíbrio, e sim de desequilíbrio.

Num certo momento, 50% da população estará trabalhando e 50% já terá sido substituída por robôs; e aí como fica?

Quem foi substituído por robôs pode pedir seus bens de graça? Ou vai morrer de fome?

A questão crucial do mundo atual é que essa transição já está em curso, há muito tempo. Só que ainda não chegou nem perto dos 50% empregados e 50% desempregados, mas na geração de seus filhos chegará.

Os professores de economia sempre acalmaram os trabalhadores desempregados com o argumento de que as novas tecnologias, que eliminavam alguns empregos em alguns setores, ocupariam muito mais pessoas nas indústrias encarregadas de produzir essas tecnologias.

A “destruição construtiva” de Schumpeter não era algo a temer, diziam, era somente um inconveniente problema de curto prazo, que um fundo de garantia resolveria.

Ledo engano.

Essa destruição construtiva de fato pode ter acontecido no passado, hoje não. Embora a telefonia no passado tenha desempregado milhares de telefonistas de chamadas de interurbanos, substituídas pelo DDD, elas foram rapidamente empregadas como digitadoras de computador.

Porém, de agora em diante quem for desempregado, o será para sempre. Hoje, 8% do trabalho no mundo já são feitos por robôs. Isso vai subir rapidamente. Daqui a pouco serão 25%, 30%, 50%.

O fim será de equilíbrio novamente, portanto não é necessário ficar assustado em demasia com a transição. Acharemos soluções, sem dúvida, como redução de jornada de trabalho para todos. Em vez de 50% ficarem desempregados, teremos 100% trabalhando 20 horas por semana. Teremos bolsa desemprego, mais empregos públicos, e uma infinidade de soluções temporárias.

Mas no fim deste século, seus filhos não mais precisarão trabalhar para viver, muito menos viver para trabalhar. Poderão viver para curtir e fazer o que quiserem na vida, e é para isto que você precisa preparar os seus filhos ou seus netos que estarão vivos em 2100.

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Estela e Nise. Alvarenga Peixoto. Poesia

Estela e Nise
Alvarenga Peixoto


Eu vi a linda Estela, e namorado
Fiz logo eterno voto de querê-la;
Mas vi depois a Nise, e é tão bela,
Que merece igualmente o meu cuidado.

A qual escolherei, se neste estado
Não posso distinguir Nise d'Estela?
Se Nise vir aqui, morro por ela;
Se Estela agora vir, fico abrasado.

Mas, ah! que aquela me despreza amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E esta não me quer por inconstante.

Vem, Cupido, soltar-me destes laços,
Ou faz de dois semblantes um semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços.

segunda-feira, junho 09, 2014

Sinfonía No. 2 en mi menor, Op. 27 Sergei Rachmaninoff Adagio III Mvt. Música

Uma Didática da Invenção.Manoel de Barros. Poesia

Uma Didática da Invenção
Manoel de Barros
do "O Livro das Ignorãnças" ed. Civilização Brasileira.


I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com
faca
b) 0 modo como as violetas preparam o dia
para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas
vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência
num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre 2
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

IV
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para
Dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras

IX
Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

IX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

01 - Resposta Católica: Por que os casais amasiados não podem comungar? Família. Igreja. Cristianismo

POR ZEUS! Charles Fonseca. Prosa

POR ZEUS!
Charles Fonseca

Aí ela me perguntou se queria ir com ela à sua casa. Aquiesci. Depois ela comentou comigo que fiquei na sala de visitas, todo duro, rijo, estático, olhando para a parede enquanto ela tomava banho e também depois. Fiquei a matutar, vindo uma serie de associações de idéias vindas de Eros. Será que sou sempre assim, tímido, circunspecto, implícito? Será que ela verbalizou tudo o que pensou? Não custava um cálice de vinho, relaxante, estupefaciente ante o belo. Ou naquela década estava menos relaxado do que hoje ao escrever este mini conto? Ela era apaixonada por um desconhecido, longe dela. Havia me mostrado uma carta pensando mandar pra ele, dizendo do seu afeto e do fruto deste que ficou ao seu cuidado e eu a estimulei que mandasse a carta. Ainda não havia e-mail... Por Zeus, diziam os gregos! Ficou a lembrança que hoje compartilho com alguns inconfidentes.

sábado, junho 07, 2014

O CARINHO. Charles Fonseca. Fotografia

O homem e a doninha. Esopo. Fábula. Prosa

O homem e a doninha
Esopo

Um homem que caçava ratos, prendeu na armadilha uma doninha. Ela vendo-se em seu poder, lhe disse que a soltasse, e alegou razões, dizendo: que ela nenhum mal fazia, antes lhe limpava a casa de ratos e bichos, e sempre, por lhe fazer bem, os andava matando.
Respondeu o homem:
- Se tu por fazer bem o fizeras, devia-te eu agradecimento, mas como o fazes pelo comer, não te devo nada, antes te quero matar, que se eles te faltarem, comer-me-ás o meu, pior do que o fazem os mesmos ratos.

Adagio em sol menor. Albinone. Música

O filho do século. Murilo Mendes. Poesia

O filho do século
Murilo Mendes

Nunca mais andarei de bicicleta
Nem conversarei no portão
Com meninas de cabelos cacheados
Adeus valsa "Danúbio Azul"
Adeus tardes preguiçosas
Adeus cheiros do mundo sambas
Adeus puro amor
Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem
Não tenho forças para gritar um grande grito
Cairei no chão do século vinte
Aguardem-me lá fora
As multidões famintas justiceiras
Sujeitos com gases venenosos
É a hora das barricadas
É a hora da fuzilamento, da raiva maior
Os vivos pedem vingança
Os mortos minerais vegetais pedem vingança
É a hora do protesto geral
É a hora dos vôos destruidores
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,
Misérias de todos os países uni-vos
Fogem a galope os anjos-aviões
Carregando o cálice da esperança
Tempo espaço firmes porque me abandonastes.

sexta-feira, junho 06, 2014

O Dia D. Redescobrindo a Segunda Guerra Dublado. Política

A vida eremítica. Igreja. Cristianismo

A VIDA EREMÍTICA

920. Os eremitas nem sempre fazem profissão pública dos três conselhos evangélicos; mas, «por meio de um mais estrito apartamento do mundo, do silêncio na solidão, da oração assídua e da penitência, consagram a sua vida ao louvor de Deus e à salvação do mundo» (474).

921. Os eremitas manifestam o aspecto interior do mistério da Igreja que é a intimidade pessoal com Cristo. Oculta aos olhos dos homens, a vida do eremita é pregação silenciosa d'Aquele a Quem entregou a sua vida. Cristo é tudo para ele. É uma vocação especial para encontrar no deserto

Catecismo, no próprio combate espiritual, a glória do Crucificado.

Anders Zorn, 1920 Den Sonderslagna Krukan Colecção privada. E40. Escultura.

Ternura. Vinicius de Moraes. Poesia

Ternura
Vinicius de Moraes

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

quinta-feira, junho 05, 2014

The Birth of a Nation (1915). Cinema

MAIS. Charles Fonseca. Poesia

MAIS
Charles Fonseca

Só, tenho insônia desejos
Habitam minh’alma aflita
Peço aos céus bem contrito
Dá-me paz pois que em arquejos

O corpo só, geme em ais
Em lamúrias em queixumes,
Ah! Que fome perfumes
Olhares, som, tato, mais!

Renoir. Pintura

quarta-feira, junho 04, 2014

Ciclo. Olavo Bilac. Poesia

Ciclo
Olavo Bilac

Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol... Sonhar!

Dia. A flor - o noivado e o beijo, como
Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros... Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;
A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da idéia em perfeição... Pensar!

Noite. Oh! Saudade!... A dolorosa rama
Da árvore aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas... Lembrar!

FREUD. PERFIL DO MEU CÃO PASTOR ALEMÃO. Charles Fonseca. Fotografia


terça-feira, junho 03, 2014

O homem e a cobra. Esopo. Fábula. Prosa

O homem e a cobra
Esopo

Na força do chuvoso, e frio inverno andava uma cobra fraca, e encolhida, e um homem de piedade a recolheu, agasalhou e alimentou enquanto houve frio. Chegado o verão, começou a cobra a estender-se, e desenroscar-se, pelo que ele a quis lançar fora; mas eia levantou o pescoço para o morder. O que vendo o homem, tomou um pau, assanhou-se a cobra, e começaram ambos a pelejar. De que resultou ficar ela morta, e ele bem mordido.

Catarina Paraguaçu. Bahia. Brasil. História

A lástima. Alvarenga Peixoto. Poesia

A lástima
Alvarenga Peixoto


Na masmorra da Ilha das Cobras,
lembrando-se da família


Eu não lastimo o próximo perigo,
Nem a escura prisão estreita e forte;
Lastimo os caros filhos e a consorte,
A perda irreparável de um amigo.

A prisão não lastimo, outra vez digo,
Nem o ver iminente o duro corte;
É ventura também achar a morte
Quando a vida só serve de castigo.

Ah! quão depressa então acabar vira
Este sonho, este enredo, esta quimera,
Que passa por verdade e é mentira.

Se filhos e consorte não tivera,
E do amigo as virtudes possuíra,
Só de vida um momento não quisera.

segunda-feira, junho 02, 2014

Roberto Dumas - O ano da tempestade perfeita. Economia. Política

Uma grande árvore, de formosa ramagem.. Igreja. Cristianismo

UMA GRANDE ÁRVORE, DE FRONDOSA RAMAGEM

917. «Tal como uma árvore se ramifica maravilhosa e variadamente no campo do Senhor, a partir de uma semente lançada por Deus, assim surgiram diversas formas de vida solitária ou comum, e várias famílias religiosas que vêm aumentar a riqueza espiritual, tanto em proveito dos seus próprios membros como no de todo o Corpo de Cristo» (471).

918. «Desde as origens da Igreja, houve homens e mulheres que se propuseram, pela prática dos conselhos evangélicos, seguir mais livremente Cristo e imitá-Lo de modo mais fiel. Cada qual a seu modo. Levaram uma vida consagrada a Deus. Muitos de entre eles, sob o impulso do Espírito Santo, viveram na solidão; outros fundaram famílias religiosas que a Igreja de bom grado acolheu e aprovou com a sua autoridade» (472).

919. Os bispos devem esforçar-se sempre por discernir os novos dons de vida consagrada, confiados pelo Espírito Santo à sua Igreja. A aprovação de novas formas de vida consagrada é reservada à Sé Apostólica (473).

Catecismo

NATAL 2013. Charles Fonseca. Fotografia

A letra A: palavra por palavra. II. Vinicius de Moraes. Prosa

A letra A: palavra por palavra. II.
Vinicius de Moraes

Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 31/12/1969
Abacate: Fiz certa vez para a minha série de poeminhas infantis, um sexteto sobre essa fruta de que gosto muito e que pertence, segundo me ensina o verbete de mestre Aurélio, à família das Lauráceas - o que não é dizer pouco. O poeminha é como segue, e faz grande sucesso entre crianças de mentalidade cropófila e adultos de mentalidade de criança, como é o caso de meu amigo e compadre Chico Buarque:

A gente pega o abacate
Bate bem no batedor
Depois do bate-que-bate
Que é que parece? - Cocô.
Ô abacate biruta:
Tem mais caroço que fruta!

Mas eis que, de repente, surgem-me, no ato de escrever, confusas, dolorosas recordações ligadas a essa palavra. Vejo-me menino, na casa de meus avós paternos, à rua General Severiano em Botafogo, debruçado à grande mesa da sala de jantar, apreciando meu avô comer com delícia o seu abacate no ritual gastronômico cotidiano. Era toda uma cerimônia, as refeições de meu avô Moraes. Brando déspota baiano, cheio de bossa e filáucia, colocava-se ele à cabeceira, o guardanapo atacado ao pescoço, à moda antiga, e sem dizer abacate atacava os próprios, depois de cortá-los em duas metades, que enchia de açúcar até às bordas. E era de vê-lo traçando-os a colheradas, devagar e sempre, até a última epiderme. Depois, limpava, com um rápido gesto de ida e volta, a boca e o bigode branquinho, suspirava fundo e partia para o seu quarto de leitura, onde ficava o lindo oratório de minha avó. E ali se deixava ele no embalo da velha cadeira de balanço, de espaldar de palhinha, a ler pela milésima vez os folhetins de Michel Zevaco, de que eu era também leitor constante. Quantos títulos não lembro... Os Pardaillan, Buridan, Os amantes de Veneza, A torre de Nestle...

- Ecco la saeta!
- La paro!

O italiano entrava nos duelos como cor local. Pardaillan aparava o que viesse, o herói de todo caráter, enquanto, pouco a pouco, o velho avô se ia desintegrando em sono. Eu chegava pé ante pé para espiá-lo de mais perto, como quem examinava uma múmia de museu. Que fenômeno, um velho! Mas não qualquer velho: um ancião espetacular, como meu avô Moraes, o rosto cortado em mil rugas descendentes e as pálpebras inferiores começando a cair; um velho com o dorso das mãos enferrujado e a pele do pescoço pendente, já meio solta da carne.

Meu avô Antero Pereira da Silva Moraes... Bendita a palavra que desencadeou tanta saudade e o trouxe de volta tão nítido como o vejo agora... a arrastar os pés ao longo do corredor, sem tempo e sem rumo - um macróbio total. Circundava-o sempre um aroma de sândalo ou alfazema, por isso que minha avó nunca se esquecia de espalhar, em seus gavetões, sachets perfumosos que lhe impregnavam a roupa. E sua vida era essa: vagar pela casa, o único território em que podia velejar com segurança.

Nós, meninos, tínhamos cuidado para não esbarrar nele, em nossas correrias, de vez que o corredor era o desaguadouro natural de nosso tropel faminto, quando nos chamavam para a mesa. O velho, ao sentir que algum pé-de-vento o cruzava, dava uma leve guinada de proa, fazia uma lenta meia-volta parada e seguia mecanicamente em sua esteira, agarrado por cabos imponderáveis àquela vida infantil que passava à toa. Tudo nele parecia realizar-se num mundo acústico, onde os sons chegassem como num aparelho de surdo subitamente conectado. Uma porta batia, alguém berrava por alguém, o cachorro ladrava - e desencadeava-se em seus tímpanos uma tempestade que o fazia retornar ao mundo dos vivos. Sua máscara frouxa assumia um ar dramático e ele, transtornado, perguntava, numa voz pânica e trêmula de náufrago pedindo socorro:

- Que foi?

Às vezes parava, incerto sobre o rumo a tomar, desligado de tudo. Seu rosto ensimesmava-se, num desesperado esforço de ver, como se estivesse mirando um poço sem fundo, e depois exprimia espanto, pois o medo do desconhecido parecia de repente tomá-lo. Girava os olhos, então, dentro da cratera rubra das pálpebras soltas, como a buscar onde se ater. Ficava assim, a mover devagar a cabeça para um lado e outro - um bicho velho diante de sua própria morte.

Depois, refeito o vazio, ele reunia novas forças e saía em seu passinho miúdo e arrastado, de volta à cadeira de balanço como um velho barco ao ancoradouro. Ali, com um máximo de cautela para não cair, sentava-se bem devagarinho, num exercício cujo resultado parecia deixá-lo feliz, pelos esgares que fazia. Puxava a manta sobre os joelhos e, pouco a pouco, deixava pender a cabeça. Que pensamentos poderiam então tomá-lo? Talvez lhe chegassem, em fragmentos rútilos, as risadas claras das mulheres que teve - e muitas foram, ao que parece...; talvez os rufos e as clarinadas das paradas militares a que tanto gostava de assistir.

E era doce, nessas horas, depois que o sono vinha, ver chegar toda branquinha, toda curva, a sua eterna velhinha que se deixava estar um pouco junto ao umbral, queimando a sua cera antiga numa chama de amor quase apagando. E depois de mirá-lo algum tempo, ela ia, minha santa avozinha, e se ajoelhava ao pé do oratório, onde ficava a tatalar preces ausentes, os olhos postos com infinita devoção no Menino Deus, em sua manjedoura, ou em Nossa Senhora da Conceição, sua xará celeste, perdida na visão de beatitudes que não conheceu em vida - pois, segundo consta, em matéria de mulher, meu avô não deixou passar ninguém. Mas ela o amava, o velho sacripanta, de um amor tão puro de esposa, que eu posso vê-la neste instante, mesmo mergulhada na visão do Ser Egrégio, a cuja mão direita deve sentar-se agora, linda e modesta como sempre, tendo ao lado seu velhinho todo elegante em seu paletó de alpaca - e cuja entrada no Céu só obteve pelo muito que rezou e por todo o bem que fez em vida. Pois o velho não era de brincadeira.

Manoel de Barros - Documentário 'Só dez por cento é mentira'. Poesia

PEDRO. Charles Fonseca. Poesia

PEDRO
Charles Fonseca

Antes do sol já posto 'inda quero conhecê-lo.
Antes de um manto negro, quero vê-lo ao estrelejo.
Antes da nova aurora, quero vê-lo ainda, agora.
Antes que venha o após, quero vê-lo nós a sós.
Antes da ceifadeira, quero vê-lo esta maneira.

domingo, junho 01, 2014

A assembléia dos ratos. Esopo. Fábula. Prosa

A ASSEMBLEIA DOS RATOS - Fábula de ESOPO - Fabulista grego do século VI a.C. -

Era uma vez uma colônia de ratos, que viviam com medo de um gato. Resolveram fazer uma assembleia para encontrar um jeito de acabar com aquele transtorno. Muitos planos foram discutidos e abandonados. No fim, um jovem e esperto rato levantou-se e deu uma excelente ideia:

-Vamos pendurar uma sineta no pescoço do gato e assim, sempre que ele estiver por perto ouviremos a sineta tocar e poderemos fugir correndo. Todos os ratos bateram palmas; o problema estava resolvido. Vendo aquilo, um velho rato que tinha permanecido calado, levantou-se de seu canto e disse:

- O plano é inteligente e muito bom. Isto com certeza porá fim à nossas preocupações. Só falta uma coisa: quem vai pendurar a sineta no pescoço do gato?


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Moral da história:

Falar é fácil, fazer é que é difícil.

47 - A Resposta Católica: Casamento em crise. Igreja. Cristianismo

Cisnes Brancos. Alphonsus de Guimaraens. Poesia

Cisnes Brancos
Alphonsus de Guimaraens


Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da Montanha onde mora a tarde.

Ó cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.

Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.

Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.

Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob asas,
A alma cheia de ladainhas.

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago da alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...

Quando chegaste, os violoncelos
Que andam no ar cantaram no hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.

Foram-se as brancas horas sem rumo,
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vinda.

Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas...
E anjos disseram: — Não mais acordas,
Lírio nascido nas escarpas!

Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
Com os beijos santos da despedida.