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sexta-feira, fevereiro 07, 2014

Causas psiquiátricas do ódio aos médicos e à medicina. Marcelo Ferreira Caixeta. Medicina

JORNALISTA E PSICÓLOGO "METEM O PAU" EM MÉDICOS E NA MEDICINA. EXERCENDO MEU DIREITO DE RESPOSTA.
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CAUSAS PSIQUIÁTRICAS DO ÓDIO AOS MÉDICOS ( uma crítica à enviesada “matéria” do Diário da Manhã que denigre médicos e tratamentos ).
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O Diário da Manhã de 6.2.14 traz uma “matéria” (?)[ ver abaixo] onde diz, entre outros críticas ( ver abaixo ) que “Medicamentos Psiquiátricos não Curam”. Coloquei o “matéria” sob interrogação porque o núcleo do que foi escrito mais parece uma ajuda que o repórter deu a um amigo raivoso contra psiquiatras do que propriamente uma matéria jornalística. Cita um psiquiatra, Haltenfeld, apenas para “ilustrar” o ataque raivoso contra os médicos. O que Haltenfeld diz é velho, requentado, lugar-comum, tanto é que eu compartilho : psiquiatras não devem deixar de conversar com seus pacientes, não devem medicar o que não é doença. Ora, eu faço isto e todo bom psiquiatra é preparado e instado a fazê-lo, portanto não é nenhuma novidade. Aliás, todo o palavrório do repórter me parece entediosamente requentado e lugar-comum : “médicos vendidos para a indústria farmacêutica”, “doenças que não existem, só para dar dinheiro para farmácias”, “pessoas que não são doentes sendo dopadas ou viciadas por remédios psiquiátricos”, “drogas que não têm nenhuma função benéfica”, “médicos que não vão na causa profunda dos problemas”, blábláblá. Mas, então, por que ocupar-se deste palavrório “anti-autoridade” que já é clichê na sociedade ocidental ? ( uma sociedade que quer abolir a “autoridade científica” por decreto, sem ter como pagar o ônus por isto ). O interesse é o de apenas estudar os mecanismos profundos por trás disto e também tapar o buraco da irresponsabilidade jornalística de estimular pessoas que precisam de tratamento médico a abandoná-lo ( mortes advindas disto, p.ex., homicídios, suicídios, atropelamentos, fugas, etc, com certeza não serão computadas como “irresponsabilidade jornalística” no atestado de óbito) . Por isto o esclarecimento se faz necessário.
Em primeiro lugar, o “cerne” do artigo do jornalista é a declaração de uma pessoa anônima. Só por aí já se tem noção do nível de credibilidade. No entanto, vamos lá. Tal pessoa diz que teria problemas psicológicos, segundo ela, talvez por ser homossexual e ter sido estigmatizada na família. Ou talvez por trabalhar em um “telemarketing” e estar sujeita à sanha dos patrões exploradores capitalistas. Ou talvez por estar em um trabalho insalubre, aguentando reclamações telefônicas insuportáveis de uma “ porca sociedade burguesa”. O denunciante anônimo, estudante de psicologia, diz-se prejudicado pelo tratamento e diagnóstico psiquiátrico, sentiu limitações cognitivas por causa disto, usava risperidona ( antipsicótico ) , fluoxetina ( antidepressivo) , clonazepam ( ansiolítico ) . Nota-se muito ódio e rancor dos médicos, psiquiatras, em seus depoimentos.
Médicos, com suas “classificações diagnósticas” ( DSM, p.ex.) estão “rotulando” todo mundo e “dopando todo mundo”, tudo mafiosamente movido à dinheiro da indústria farmacêutica. Remédios dopam, viciam, são desnecessários, demenciam, são estigmatizantes. Tudo poderia ser resolvido por vias “naturais”, amor, psicólogos, conversas, talvez um bom sexo, talvez um bom vinho, lazer, socialismo, sei lá. Deus não foi citado, apesar, de no meu entender, ser o melhor substituto para remédio...
Vamos à análise psiquiátrica de tudo isto. Escrevo em “tese”, pois não examinei ninguém. Portanto, não estou falando do “anônimo” em particular, mas sim da situação contextual geral ( que é muito comum, muito observada na prática psiquiátrica) , das circunstâncias em que o depoimento foi feito. Escrevo baseado em um lugar-comum deste tipo de manifestação, pois, de tão comuns, já posso estabelecer uma certa estatística, uma certa casuística. E isto me parece importante para esclarecer a população em geral e sobretudo aqueles doentes, que fazem tratamento psiquiátrico e que, diante da tal “reportagem”, devem estar-se perguntando : “quando é que eu vou parar com o meu remédio ?”.
1) Pessoas muito cheias de energia, inteligentes, hiperativas, cheias de “ego”, instáveis, muitas vezes têm dificuldades em ocupações mais estáveis, mantidas, estruturadas, daí às vezes procurarem trabalhos em teleatendimento, onde há sempre oferta, treinamento rápido, disponibilidade de horários. Muitas destas pessoas têm uma instabilidade de humor, descarrilamentos afetivos, ciclagens emocionais, configurando, em muitos casos, uma diátese genética de natureza bipolar. Em muitos casos, uma tendência bipolar pode ficar latente, até que algum fator mesológico ( do meio ) venha desencadeá-la.
2) Aparentemente, de início, o trabalho é agradável, “conversar com as pessoas”, mas, com o tempo, em breve, torna-se muito difícil para pessoas com o “ego muito forte”. O estresse aumenta. Também aumenta porque a supervisão do trabalho é sentida como rigorosa e asfixiante. Qualquer autoridade é ressentida como abusiva por este tipo de personalidade cheia de ego.
3) Em pouco tempo advém as consequências psiquiátricas, insônia, ansiedade, “pensando demais”, “só fico pensando no trabalho”, “não aguentava nem ir lá mais”, “só de pensar no trabalho já passo mal”, etc. Tais casos, em muitas vezes, ao invés de serem tratados como doença bipolar ( que requer um tratamento específico), são tratados como “depressão”, “estresse”, “ansiedade”. No entanto, para a depressão bipolar, para a ansiedade bipolar, antidepressivos e ansiolíticos puros não resolvem, daí, em muitos casos o médico passar outra medicação “mais forte”, antipsicótico.
4) Inclusive, uma prova de que não se trata de uma “simples depressão” é o fato de ter-se de usar antipsicóticos para controlá-la. Só isto já é indício de que não é uma “depressão comum”, uma “depressão leve”, uma “depressão unipolar”, apenas uma “ansiedade”, apenas um “estresse”.
5) Tais pacientes, por causa de seu “excesso de energia”, “força do ego inflada”, “susceptibilidade emocional”, labilidade afetiva, hipersensibilidade à rejeição, terão a tendência a verem “abuso de autoridade”, “imposição”, “truculência”, por todo lado, da família ( “não aceita a homossexualidade”) , do patrão ( “querem me explorar”), do médico ( “só quer me dopar”, “ganhar dinheiro da indústria farmacêutica”, “não se interessa por mim”), da “sociedade” ( “não me aceitam como sou”) .
6) Por causa do item “5”, tenderão a atacar todo tipo de “normas”, todo tipo de “autoridade”. Muitos tentam “se entender”, estudando psicologia ou ciências humanas. Alguns, como Michel Foucault, dada sua genialidade ( disse que são, geralmente, inteligentes ) atingem uma alta elaboração teórica neste sentido, daí sua militância política, social, ativista-sexual, midiática, literária, nas ciências humanas, nos partidos de esquerda, etc. Como há uma associação importante entre bipolaridade e homoafetividade, muitos irão misturar a “luta contra as normas médicas” com a “luta contra a sociedade e família castradoras e estigmatizadoras da homossexualidade”. De todo este caldeirão, irão ter a “sensação” de que a “sociedade”, “família”, “capitalismo”, “médicos”, querem controlá-los, normatizá-los, castrá-los, estigmatizá-los, inclusive em suas vidas sexuais. As “ciências humanas”, psicologia por exemplo, fornecem o “material teórico” para isto : “médicos tentam controlar a psicologia por meio de remédios, o que é um absurdo”. O corporativismo profissional vem em apoio a estas conjecturações : “ sou psicóloga, fico puta da vida porque fico aqui fazendo terapia com os hiperativos por anos, vem um neurologista, passa uma ritalinazinha, o paciente melhora, a família diz que é o remédio que melhorou o paciente, para o meu tratamento e eu perco dinheiro e meu nicho de poder”. E continua seu discurso ( também incorporado pela “matéria” do Diário da Manhã ) : “ estão é hiper-medicalizando a hiperatividade, estão hiper-medicando a infância”. É apenas um exemplo de como “causas corporativas”, “causas pessoais”, até “causas sexuais” interferem na declaração irresponsável de que o tratamento psiquiátrico é deletério.
7 ) Portanto, o importante é “lutar contra toda autoridade que quer “medicalizar” os problemas de quem quer apenas ter liberdade”. O ódio do médico, da Medicina, da Psiquiatria, viram a cloaca, a lata de lixo, de todos as opressões existenciais vivenciadas por estas pessoas ( família, sociedade, estigma sexual, insatisfação existencial, etc ) . Sentem que é o “psiquiatra que quer normatizá-lo, controlá-lo”. Transfere para o médico, projeta nele, toda a angústia de sua limitação e opressão existencial, limitação que, se ele fosse cobrar de alguém, não deveria ser da família, do psiquiatra, da sociedade, mas sim de Deus, que o fez assim ( ou então, para quem é reencarnacionista, cobrar dele mesmo, que por sua incúria ou pura busca do próprio prazer, no decorrer das várias existências, permitiu e propiciou para que que as coisas chegassem a tal ) . Um discurso muito convincente e palatável, diga-se de passagem. Infelizmente, é convincente até o próximo surto psicótico afetivo, quando então a mesma pessoa é “obrigada” a recorrer ao abominável psiquiatra e à suas “dopantes e anti-liberdade” pilulazinhas. Neste momento, esconde-se tudo, e é por isto que é importante guardar o anonimato. Nestas horas de “perca de liberdade” eles não podem aparecer tomando remédio “psiquiátrico”.
8 ) É importante guardar o anonimato, senão pode aparecer um psiquiatra ou mesmo sua família comprovando que, de fato, o paciente havia, naquele momento, perdido o controle sobre seu próprio bem-estar. É importante guardar o anonimato para não ter de justificar-se do porquê ter ido com as próprias pernas buscar um consultório psiquiátrico ( pelo que eu saiba, o tal anônimo estudante de psicologia não foi internado à força, teria dito isto, não iria perder este “prato cheio”). Ou não ter de encarar a família, sociedade, médico, face-a-face e explicar-lhes porque está jogando na cara, ingratamente, insensivelmente, a ajuda que eles lhe deram num momento em que ele mesmo teria pedido aquela ajuda, um momento de grande sofrimento próprio. É importante guardar o anonimato para fugir-se de todos estes “fantasmas”.
Se tudo que escrevi acima quiser ser questionado, sugiro o seguinte : que o jornalista, ou que seu amigo ( ?) depoente anônimo, vão até o “abominável” hospital psiquiátrico que eu dirijo ( Av. João Leite, Chácara 37, Sta. Genoveva ) e lá se ocupem, sem Medicina, sem diagnóstico, sem remédios, apenas com “psicologia”, de tratar os moribundos e agonizantes que lá aportam. Que, apenas com “humanismo”, “amor”, “atenção humana”, “liberdade”, “sexualidade plena”, revertam as catatonias, os estupores, as psicoses homicidas, as melancolias suicidas, os deliriuns-tremens mortais , os pacientes que estão há 15 dias sem comer, há 5 dias sem tomar uma xícara de água, comendo os próprios dedos, enucleando os próprios globos oculares, etc. Que fiquem lá, observando na prática ( e não no blábláblá irresponsável ) os inúmeros pacientes que saem de lá curados ( sim, “curados”, isto existe em psiquiatria sim - só não existe para irresponsáveis que não querem ver ou ignorantes que não podem ver ) de suas doenças psiquiátricas e que passam a vida toda sem ter mais nenhum episódio patológico mortal; vão viver, trabalhar e amar, que é o apanágio de todo ser humano normal. Vão administrar empresas, cuidar de familia, e até dirigir um país, pois apesar de todos adorarem “meter o pau” em psiquiatras, se vocês soubessem das “grandes autoridades” que fazem tratamento psiquiátrico na surdina ficariam pasmos... Em Goiânia mesmo, o maior psiquiatra, o que mais atende “ricos e bacanas”, grandes políticos, juízes, empresários e outros “anônimos” como o psicólogo da matéria, o faz em um bairro classe-alta, sem a menor placa ou indício de que ali está um “abominável médico psiquiatra”.
Se existem psiquiatras que dopam, viciam, não conversam, diagnosticam problemas existenciais como doenças, é problema deles, não é problema meu; e repudio qualquer ilação de que eu, assim como muitos outros, somos este tipo de médico, dinheirista, frio, carrasco e carniceiro. Quando os encontro, denuncio-os para os órgãos competentes, (e insto-os, jornalista e psicólogo, a fazê-lo ), mas não fico por aí espalhando o terror na mente frágil de pacientes que precisam do tratamento, tratamento feito por médicos responsáveis, estudados e morais.
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Marcelo Caixeta, psiquiatra, escreve às terças, sextas, domingos no Diário da Manhã - seção "opinião pública" - dm.com.br ( hospitalasmigo@gmail.com)

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