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segunda-feira, janeiro 07, 2013

O gato e o cavalo

O GATO E O CAVALO
Djalma Torres


Uma analogia sobre o animal e o ser humano. Dedicado aos meus netos e a todos e todas que forem capazes de ver mais longe e de sentir mai “do lado esquerdo do peito”.

O ser humano é muito complicado e difícil. É um ser sociológico, mas cria obstáculos cada vez maiores para se relacionar; é um ser teológico e vive sob barreiras doutrinárias intransponíveis, ao ponto de marginalizar, discriminar e demonizar o outro diferente.
Como sou um operário do diálogo e da diversidade, tenho me incomodado com esta situação tão real como incômoda, tão injusta como cruel.
E foi assim que comecei a pensar no meu gato, João, com quem mantenho uma relação de muita amizade. Ele vem ao meu encontro logo que chego na roça. E fica perto de mim o tempo todo. Até me segue pelas andanças na roça, pelo meio do pasto. Sobe na cadeira quando estou lendo e só falta me beijar. Uma vez tive que expulsá-lo da minha cama e agora, quando colocado pra fora da casa à noite, deu pra subir no telhado e ficar miando até eu ir encontrá-lo. Aí sirvo um lanche e explico a ele que preciso dele do lado de fora da casa para tomar conta de tudo. E acho que ele entende, pelo menos não volta mais.
O outro exemplo é um potro, Dengoso, mestiço de Lusitano e Manga Larga, ainda indomado, que sempre dá trabalho para pegar, mas que consigo com muita conversa. Os animais gostam de ouvir conversa, não falam, mas escutam e entendem. Depois disso ele vai aos poucos se acostumando com o cabresto e me deixa tocá-lo, sempre conversando. Digo-lhe que sou seu amigo, que não vou maltratá-lo e quero apenas que ele se comporte como um cavalo. Ele vai se acalmando e começa a me cheirar. E pelo cheiro ele se acostuma comigo. E confia em mim, eu acho, porque fica calmo. Dou ração a ele, depois dou água e continuo o diálogo. Há poucos dias consegui colocar uma manta nele e agora já coloco uma sela. Estou tomando coragem para montar nele. Não estou seguro do momento certo de fazê-lo. Sei que agora somos amigos, eu o respeito e ele me entende. Sei que vai chegar o dia em que vamos cavalgar pela estrada juntos, como cavaleiro e cavalo, mas acima de tudo, como bons amigos.
João e Dengoso são companheiros que desfrutam da minha amizade e eu da amizade deles.
E é aí que fico perturbado. Como é possível a gente criar laços entre animais diferentes e o ser humano, e não ser possível a gente criar laços mais profundos entre os próprios seres humanos? Por que marginalizar, discriminar e demonizar o outro ser humano, da mesma espécie, filho do mesmo Deus?
Porque, em lugar da indiferença e do ódio, não cultivar a beleza da diferença, da diversidade? A cor, o status, a opção religiosa são coisas ruins? Não há um elo maior, que torna todos iguais e nos diz que somos todos irmãos, vivendo no mesmo espaço comum – a terra - que nem é tão grande assim?
Sem me dizerem nada, João e Dengoso me dizem muita coisa e estou aprendendo a lição com eles. Assim, irmãos de todas as etnias, de todas as culturas, de todos os saberes, de todas as manifestações de fé, aceitem, neste início de ano, o abraço fraterno de quem, de tanto querer saber, descobriu que no silêncio e nos gestos, nas conversas e na amizade sincera, a gente consegue viver e amar.
Se ainda assim for difícil, resta mirar no exemplo de João e Dengoso. Eles estão lá, na Fazenda Lagoa Nova.

Salvador, 07 de janeiro de 2013.

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