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domingo, setembro 30, 2012

Pedagogia

Fonte: wikipedia

A palavra Pedagogia tem origem na Grécia antiga, paidós (criança) e agogé (condução). No decurso da história do Ocidente, a Pedagogia firmou-se como correlato da educação é a ciência do ensino. Entretanto, a prática educativa é um fato social, cuja origem está ligada à da própria humanidade. A compreensão do fenômeno educativo e sua intervenção intencional fez surgir um saber específico que modernamente associa-se ao termo pedagogia. Assim, a indissociabilidade entre a prática educativa e a sua teorização elevou o saber pedagógico ao nível científico. Com este caráter, o pedagogo passa a ser, de fato e de direito, investido de uma função reflexiva, investigativa e, portanto, científica do processo educativo. Autoridade que não pode ser delegada a outro profissional, pois o seu campo de estudos possui uma identidade e uma problemática própria. A história levou séculos para conferir o status de cientificidade à atividade dos pedagogos apesar de a problemática pedagógica estar presente em todas as etapas históricas a partir da Antiguidade. O termo pedagogo, como é patente, surgiu na Grécia Clássica, da palavra παιδαγωγός cujo significado etimológico é preceptor, mestre, guia, aquele que conduz; era o escravo que conduzia os meninos até o paedagogium . No entanto, o termo pedagogia, designante de um fazer escravo na Hélade, somente generalizou-se na acepção de elaboração consciente do processo educativo a partir do século XVIII, na Europa Ocidental.
Atualmente, denomina-se pedagogo o profissional cuja formação é a Pedagogia, que no Brasil é uma graduação e que, por parte do MEC - Ministério da Educação e Cultura, é um curso que cuida dos assuntos relacionados à Educação por excelência, portanto se trata de uma Licenciatura, cuja grade horário-curricular atual estipulada pelo MEC confere ao pedagogo, de uma só vez, as habilitações em educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos, coordenação educacional, gestão escolar, orientação pedagógica, pedagogia social e supervisão educacional, sendo que o pedagogo também pode, em falta de professores, lecionar as disciplinas que fazem parte do Ensino Fundamental e Médio, além se dedicar à área técnica e científica da Educação, como por exemplo, prestar assessoria educacional. Devido a sua abrangência, a Pedagogia engloba diversas disciplinas, que podem ser reunidas em três grupos básicos: disciplinas filosóficas, disciplinas científicas e disciplinas técnico-pedagógicas. [3]

Pink Floyd - P*U*L*S*E (HD) Full Concert (Live at Earls Court, 1994) Sho...

Persona

Lábios que beijei. Orlando Silva.

Piatã

PIATÃ
Charles Fonseca

Na praia de Piatã
Encontraram-se duas almas
Vento balança as palmas
Sol de manhã louçã

Duas almas um destino
Atrás si u'a tradição
Fé no além no agora então
A paixão em torvelinho

Põe dois corpos a vagar
A brisa por viração
Gira um mundo de emoção
Por Deus, cupido a brincar!

Igreja de Santo Antonio da Barra. Salvador. Bahia.

A formiga. Esopo.

A FORMIGA

Diz uma lenda que a formiga atual era em outros tempos um homem que, consagrado aos trabalhos de agricultura, não se contentava com o produto de seu próprio esforço, senão que olhava com inveja o produto alheio e roubava os frutos de seus vizinhos.
Indignado Zeus pela avareza deste homem, transformou-o em formiga.
Porém ainda que tenha mudado de forma, não mudou seu caráter, pois até hoje percorre os campos e recolhe o trigo e a cevada alheios e os guarda para seu uso.

Esopo

sábado, setembro 29, 2012

Morangos silvestres

Candomblé

"Sou católico, apostólico, baiano.

Sou devoto de Santo Antônio e de Nossa Senhora do Carmo. Entrei no candomblé, tardiamente, aos 20 e tantos anos, pelas mãos de Luiza Olivetto e Lícia Fabio, que me pediram para ajudar nas obras de restauração do telhado do Terreiro do Gantois.

Fui consertar o telhado do Gantois e o Gantois consertou minha vida. O candomblé não é uma religião. É um culto. Culto aos antepassados, às forças da natureza.

O candomblé é moderno. Ele já era ecológico antes que a ecologia entrasse em voga. Ele é avançado. Não exclui opções sexuais. Ao contrário, acolhe.

Os deuses do candomblé têm ira, inveja e raiva. Xangô é colérico. Oxum é ciumenta e chorosa. Ogum tem o pavio curto.

A religião católica quer que os homens sejam deuses. No candomblé, são os deuses que baixam nos homens.

Não é muito chique ser do candomblé.

Pelo menos na parte do país em que eu vivo. Como toda cultura vinda dos vencidos, é visto como desvio, coisa de gente desajustada ou de artista.

E confesso que isso, ao contrário de me afastar dele, sempre me instigou a caminhar contra o vento.

Toda sexta-feira, vejo, aqui e ali, o olhar jocoso com que algumas pessoas me olham vestido de branco.

Neste momento, sou judeu. Adoro como os judeus se afirmam pelo mundo usando suas barbas, seus quipás e seus casacos longos, onde convêm e onde não convêm.

Aliás, como estudante bissexto de cabala, vejo constantemente as similaridades entre procedimentos do candomblé e do judaísmo. Eles também se preocupam com olho gordo, eles também passam frango no corpo, eles também se banham em sal grosso. Enfim, há muitas similaridades entre o candomblé e a cultura judaica.

O candomblé é, e isso precisa ficar bem claro, o culto do bem. Tantas vezes confundido com feitiço. Ele é magia. As grandes mães-de-santo da Bahia se dedicavam sempre ao bem e à luz.

Se, aqui e ali, alguém usou esses poderes santos para o mal, é descaminho. E contra ele a força deve ter se voltado com certeza. O catolicismo não pode ser julgado a partir de padres pedófilos. E o candomblé não pode ser julgado a partir de pais-de-santo picaretas que ficam se exibindo na TV ou fazendo macumbas perversas.

Tenho certeza de que na hora em que o Santo Padre pisar no Brasil, todas as mães-de-santo do país e seus filhos e filhas estarão rezando e saudando sua Santidade.

Ainda que a igreja não tenha sido nem seja tão generosa com o candomblé. Mas o candomblé não está nem aí. Queira Roma ou não, na Bahia, igrejas e terreiros convivem e se abraçam. E isso é mágico.

E candomblé é magia. Aquela energia que a gente sente na Bahia vem dele. Aquela comida vem dele. Aquela música, aquela batida vem dele. Aquela sensualidade e aquela pimenta vêm dele.

Sua Santidade, por ser padre e por ser alemão, talvez não tenha o mesmo jogo de cintura para assimilar tudo isso.

Mas meus olhos e meu coração não podem negar o bem que mãe Cleusa me fez. O bem que mãe Stella me faz. Coisas inexplicáveis que eu não entendi. Mas presenciei.

E não se pode negar o bem e as coisas mágicas que elas fazem pelos pobres. O candomblé sempre foi e continua pobre.

Não tem catedrais, nem TVs, nem rádios. Não faz coleta de dinheiro. Ao contrário, as grandes mães-de-santo doam. Ao invés de lucrarem, vivem modestissimamente. E vivem consumidas dia e noite por todos aqueles que as procuram por um amor, pelo sossego perdido, pela paz nunca encontrada, pela esperança de cura ou de um amanhã melhor.

Vi mãe Cleusa, minha linda mãe do Gantois, morrer muito cedo, estressada por sua luta e sua dedicação à causa de sua mãe. Causa que hoje mãe Carmem, irmã da falecida, conduz com garbo, doçura e carinho.

Vejo mãe Stella, a maior mãe de santo do Brasil e a mãe de santo que eu escolhi, do alto dos seus 80 anos, consumir seus dias a dar ao povo pobre da Bahia, luz e esperança a setores da sociedade onde geralmente a luz e esperança não chegam.

Mãe Estela vive franciscanamente. Nunca fez voto de pobreza. Porque os pobres não precisam desse voto já que já são pobres.

O candomblé foi perseguido no passado pela polícia. Hoje é perseguido pelas igrejas evangélicas. Que escolheram o candomblé como bode expiatório num marketing infame.

E batem dia e noite no candomblé. Diante do silêncio lamentável de todos nós.

Bisneto de preto, neto de pobres, filho da Bahia, de mãe Cleusa e mãe Stella, teimosamente digo não a essa perseguição implacável. E defendo nosso direito democrático de acreditar na força do trovão, dos mares, do vento e da chuva.

Pode ser primário, mas é lindo. Quer coisa mais bonita do que acreditar que os deuses podem baixar entre os homens em lugares tão pobres onde nem a saúde, a educação e polícia se interessam em ir?

Por isso saúdo sua Santidade e peço a Xangô e a Oxum que guiem seus caminhos para que ele possa ser uma grande mãe ao longo de seu papado.

Que, além de encíclicas e regras, ele nos dê colo e carinho, porque o que o mundo mais precisa é de colo e carinho. Que ele seja o carinho da gente, a estrela mais linda. Que ele seja uma espécie de mãe Menininha global.

Porque, ao fazer isso, ele honrará o trono de Pedro e terá cumprido, no fim de seu papado, seu papel no tempo e na história."

Nizan Guanaes, 48, é publicitário e presidente da Africa Propaganda

István Ferenczy - Statue of Poet Ferenck Kolcsly

No agito.

Foi assim. Uma senhora do sétimo andar me interfonou para ver seu filho que estava adoentado. Relutante, por ser vizinha, lá fui eu. O rapaz andava pra lá e pra cá com uma faca de cortar pão... e falava desconexo. Súbito, quis fazer do meu pescoço uma bela bisnaga regada a líquido cor de vinho. Desviei-me e disse à senhora: chame o atendimento de emergência médica. O caso é com eles. E saí daquele ambiente mais vivo do que nunca.

O golpe de estado collorido.

Charge do Chico

A cerva torta. Esopo.

A CERVA TORTA

Uma cerva a qual faltava um olho, passeava à beira-mar, voltando seu olho intacto em direção à terra para observar a possível chegada de caçadores, e dando ao mar o lado que faltava o olho, pois dali não esperava nenhum perigo. Mas resultou que uma gente navegava por este lugar, e ao ver a cerva, abateram-na com seus dardos. E a cerva agonizando, disse para si:
- Pobre de mim! Vigiava a terra, que acreditava cheia de perigos, e o mar, que considerava um refúgio, me foi muito mais funesto.

Esopo

Calazans Neto

SILÊNCIOS

SILÊNCIOS
Charles Fonseca

Silêncio das catedrais
o grito rouco das ruas
o olhar silente da lua
a nua mulher nos vitrais,

O breve trilhar pelo mundo
por entre os arrebóis
ver a treva entre sóis
a luz no olhar profundo

Desses mistérios tão claros
além verdades incertas
além mentiras corretas
além dos certos tão parvos,

Oh, quanta esperança morta,
outras ainda por vir,
quanta certeza ao partir,
outras que chegam, que importa?

sexta-feira, setembro 28, 2012

Caetano Veloso e os Trapalões Chiquita Bacana

O Grande Mistério. Stanislaw Ponte Preta

O Grande Mistério

Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)


Há dias já que buscavam uma explicação para os odores esquisitos que vinham da sala de visitas. Primeiro houve um erro de interpretação: o quase imperceptível cheiro foi tomado como sendo de camarão. No dia em que as pessoas da casa notaram que a sala fedia, havia um soufflé de camarão para o jantar. Daí...

Mas comeu-se o camarão, que inclusive foi elogiado pelas visitas, jogaram as sobras na lata do lixo e — coisa estranha — no dia seguinte a sala cheirava pior.

Talvez alguém não gostasse de camarão e, por cerimônia, embora isso não se use, jogasse a sua porção debaixo da mesa. Ventilada a hipótese, os empregados espiaram e encontraram apenas um pedaço de pão e uma boneca de perna quebrada, que Giselinha esquecera ali. E como ambos os achados eram inodoros, o mistério persistiu.

Os patrões chamaram a arrumadeira às falas. Que era um absurdo, que não podia continuar, que isso, que aquilo. Tachada de desleixada, a arrumadeira caprichou na limpeza. Varreu tudo, espanou, esfregou e... nada. Vinte e quatro horas depois, a coisa continuava. Se modificação houvera, fora para um cheiro mais ativo.

À noite, quando o dono da casa chegou, passou uma espinafração geral e, vitima da leitura dos jornais, que folheara no lotação, chegou até a citar a Constituição na defesa de seus interesses.

— Se eu pago empregadas para lavar, passar, limpar, cozinhar, arrumar e ama-secar, tenho o direito de exigir alguma coisa. Não pretendo que a sala de visitas seja um jasmineiro, mas feder também não. Ou sai o cheiro ou saem os empregados.
Reunida na cozinha, a criadagem confabulava. Os debates eram apaixonados, mas num ponto todos concordavam: ninguém tinha culpa. A sala estava um brinco; dava até gosto ver. Mas ver, somente, porque o cheiro era de morte.

Então alguém propôs encerar. Quem sabe uma passada de cera no assoalho não iria melhorar a situação?

-- Isso mesmo — aprovou a maioria, satisfeita por ter encontrado uma fórmula capaz de combater o mal que ameaçava seu salário.

Pela manhã, ainda ninguém se levantara, e já a copeira e o chofer enceravam sofregamente, a quatro mãos. Quando os patrões desceram para o café, o assoalho brilhava. O cheiro da cera predominava, mas o misterioso odor, que há dias intrigava a todos, persistia, a uma respirada mais forte.

Apenas uma questão de tempo. Com o passar das horas, o cheiro da cera — como era normal — diminuía, enquanto o outro, o misterioso — estranhamente, aumentava. Pouco a pouco reinaria novamente, para desespero geral de empregados e empregadores.

A patroa, enfim, contrariando os seus hábitos, tomou uma atitude: desceu do alto do seu grã-finismo com as armas de que dispunha, e com tal espírito de sacrifício que resolveu gastar os seus perfumes. Quando ela anunciou que derramaria perfume francês no tapete, a arrumadeira comentou com a copeira:

— Madame apelou para a ignorância.

E salpicada que foi, a sala recendeu. A sorte estava lançada. Madame esbanjou suas essências com uma altivez digna de uma rainha a caminho do cadafalso. Seria o prestigio e a experiência de Carven, Patou, Fath, Schiaparelli, Balenciaga, Piguet e outros menores, contra a ignóbil catinga.

Na hora do jantar a alegria era geral. Nas restavam dúvidas de que o cheiro enjoativo daquele coquetel de perfumes era impróprio para uma sala de visitas, mas ninguém poderia deixar de concordar que aquele era preferível ao outro, finalmente vencido.

Mas eis que o patrão, a horas mortas, acordou com sede. Levantou-se cauteloso, para não acordar ninguém, e desceu as escadas, rumo à geladeira. Ia ainda a meio caminho quando sentiu que o exército de perfumistas franceses fora derrotado. O barulho que fez daria para acordar um quarteirão,quanto mais os da casa, os pobres moradores daquela casa, despertados violentamente , e que não precisavam perguntar nada para perceberem o que se passava. Bastou respirar.

Hoje pela manhã, finalmente, após buscas desesperadas, uma das empregadas localizou o cheiro. Estava dentro de uma jarra, uma bela jarra, orgulho da família, pois tratava-se de peça raríssima, da dinastia Ming.

Apertada pelo interrogatório paterno Giselinha confessou-se culpada e, na inocência dos seus 3 anos, prometeu não fazer mais.

Não fazer mais na jarra, é lógico.

Nossa história em 2 minutos

Joaquim Barbosa, no Supremo.

quinta-feira, setembro 27, 2012

Mulher dama

MULHER DAMA
Charles Fonseca

Eu era quando a vi
Só folha na viração
Só seixo no aluvião
Ela hera a fingir

Uma paixão tresloucada
Um faz de conta a sorrir
Eu mais outro a carpir
Saudade do sonho nada.

Quando quebrei a redoma
Pus no chão em estilhaços
A imagem de palhaço
E a dela pois que não dama.

Bach e a Africa

terça-feira, setembro 25, 2012

Portugal, França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Bélgica, Austria: o Brasil é melhor.

Natal na Ilha do Nanja. Cecília Meireles

Natal na Ilha do Nanja
Cecília Meireles


Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam "substantivos próprios" e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim.

Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria.

Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: "Boas Festas! Boas Festas!"

E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha, com praias e pescadores ! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!

Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrimas nos olhos.

Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com. pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só.

É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.

Charge de Chico Caruso.

A cerva na gruta do leão. Esopo.

A CERVA NA GRUTA DO LEÃO

Uma cerva que fugia de uns caçadores, chegou a uma gruta onde não sabia que morava o leão. Entrando nela para se esconder, caiu nas garras do leão. Vendo-se sem remédio, perdida, exclamou:
- Infeliz de mim! Fugindo dos homens, caí nas garras de um feroz animal.

O direito de estar feliz


O direito de estar feliz, upload feito originalmente por Charles Fonseca.

Amor e ódio. Freud.

Sabemos que o amor incipiente com freqüência é percebido como o próprio ódio, e que o amor, se se lhe nega satisfação, pode, com facilidade, ser parcialmente convertido em ódio; os poetas nos dizem que nos mais tempestuosos estádios do amor os dois sentimentos opostos podem subsistir lada a lado, por algum tempo, ainda que em rivalidade recíproca. Mas a coexistência crônica de amor e ódio, ambos dirigidos para a mesma pessoa e ambos com o mesmo elevadíssimo grau de intensidade, não podem deixar de assombrar-nos. Seria de esperar que o amor apaixonado tivesse, há muito tempo atrás, conquistado o ódio ou por ele [ter] sido absorvido. E, com efeito, uma tal sobrevivência protelada dos dois opostos só é possível sob condições psicológicas bastantes peculiares e com a cooperação do estado de coisas presentes no inconsciente. O amor não conseguiu extinguir o ódio, mas apenas reprimi-lo no inconsciente; e no inconsciente o ódio, protegido do perigo de ser destruído pelas operações do consciente, é capaz de persistir e, até mesmo crescer. Em tais circunstâncias, o amor consciente alcança, via de regra, mediante uma reação, um sobremodo elevado grau de intensidade, de maneira a ficar suficientemente forte para a eterna tarefa de manter sob repressão o oponente. A condição necessária para a ocorrência de um estado de coisas tão estranho na vida erótica de uma pessoa parece ser que, numa idade realmente precoce, em algum lugar no período pré-histórico de sua infância, ambos os opostos ter-se-iam separado e um deles, habitualmente o ódio, teria sido reprimido.” Freud.

Da Vinci - Estátua Equestre. Escultura

Cupido e Psiqué

Ficheiro:Cupidon et Psyché.jpg

Psicologia

Psicologia
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Psicologia (do grego Ψυχολογία, transl. psykhologuía, de ψυχή, psykhé, "psique", "alma", "mente" e λόγος, lógos, "palavra", "razão" ou "estudo") "é a ciência que estuda o comportamento (tudo o que organismo faz) e os processos mentais (experiências subjetivas inferidas através do comportamento)".[1] O principal foco da psicologia se encontra no indivíduo, em geral humano, mas o estudo do comportamento animal para fins de pesquisa e correlação, na área da psicologia comparada, também desempenha um papel importante (veja também etologia).
A psicologia científica, tratada neste artigo, não deve confundir-se com a psicologia do senso comum ou psicologia popular que é o conjunto de ideias, crenças e convicções transmitido culturalmente e que cada indivíduo possui a respeito de como as pessoas funcionam, se comportam, sentem e pensam. A psicologia usa em parte o mesmo vocabulário, que adquire assim significados diversos de acordo com o contexto em que é usado.[2] Assim, termos como "personalidade" ou "depressão" têm significados diferentes na linguagem científica e na linguagem vulgar. A própria palavra "psicologia" é muitas vezes usada na linguagem comum como sinônimo de psicoterapia e, como esta, é muitas vezes confundida com a psicanálise ou mesmo a análise do comportamento.
O termo parapsicologia, ligado ao vocábulo paranormal, não se refere a um conceito ou a uma disciplina da Psicologia; trata-se de um campo de estudo não reconhecido pela comunidade científica.

Gal Costa - Ensaio - "Folhetim"

228. «Escuta, Israel! O Senhor; nosso Deus, é o único Senhor...» (Dt 6, 4; Mc 12, 29). «O ser supremo tem necessariamente de ser único, isto é, sem igual. [...] Se Deus não for único, não é Deus» (31).

229. A fé em Deus leva-nos a voltarmo-nos só para Ele, como a nossa primeira origem e o nosso último fim, e a nada Lhe preferir ou por nada O substituir:

230. Deus, ao revelar-Se, continua mistério inefável: «Se O compreendesses, não seria Deus» (32).

231. O Deus da nossa fé revelou-Se como Aquele que é: deu-Se a conhecer como «cheio de misericórdia e fidelidade» (Ex 34, 6). O seu próprio Ser é verdade e amor.
Catecismo

segunda-feira, setembro 24, 2012

A letra A: palavra por palavra (IV). Vinicius de Moraes

A letra A: palavra por palavra (IV)
Vinicius de Moraes

Abismo: Havia, nos fundos do externato, um barranco perpendicular que caía do morro. Depois do recreio, alguns meninos, eu entre eles, ficavam de baixo a mirá-lo, medindo-lhe as possibilidades.
Era um tremendo desafio ao nosso espírito de aventura, pois despencava vertical de uma altura de uns trinta metros, e tudo o que tinha como ponto de apoio eram alguns degraus naturais da escavação e uns poucos arbustos e raízes que o corte deixara a nu. Nós ficávamos debaixo a observá-lo com olhos de alpinista, a medir-lhe a tentação e o perigo: um pequeno grupo de garotos de cáqui que já tinham lido Júlio Verne. E saímos dali a nos fazer apostas - sobe, não sobe: como se da coragem de tentar ou não a escalada dependesse toda a nossa futura dignidade de homens.
Uma tarde, depois de um bate-bola, partimos para lá. O barranco parecia me olhar, na luz do entardecer, e eu, a defrontá-lo, parecia ouvir-lhe a voz cavilosa que me desafiava:
- Vem se você é homem!
E súbito eu parti e pus-me a galgá-lo com raiva, as mãos fincadas na terra como garras, os pés vencendo o barro mole à força de escorregar e tentar novamente. Vários garotos me seguiram, que desistiram logo, à exceção de um que me acompanhava de perto. Quando consegui apoiar-me a um troço de raiz e olhei para baixo, vi que tinha subido uns bons dez metros. Vi também, no fim da perpendicular, o rosto impassível de meu amigo A.V.P., que um segundo antes tentara me dissuadir da aventura em nome do bom senso. Depois, de repente, o garoto que me seguia largou presa e escorregou barranco abaixo - mas sem se machucar, pois até o estágio onde nos encontrávamos o aclive não era arriscado. Respirei fundo ao vê-lo que se sacudia do barro que lhe imundava o uniforme, e logo a seguir partiu correndo. E foi aí que eu cometi a temeridade. Sim, sozinho na escalada, senti-me um vencedor. Pensei que era mais homem que os demais, que a mim estava reservado um destino maior. E olhando para cima, recomecei a subida.
Foi terrível, porque, a partir dali, a ribanceira descia a pique, e eu, mal dado o passo inicial, senti pela primeira vez a sensação do abismo embaixo, a sucção que a força de gravidade parecia exercer sobre meu corpo seguro apenas pelos pés e pelas mãos a pedaços precários de raízes e tufos de arbustos nascidos na encosta. Parar e descer pareceu-me impossível. Logo acima, uma raiz maior, como negra cariátide, protuberava um meio metro do barranco. Fazendo um desesperado esforço, consegui içar-me até ela e cavalgá-la, de costas para o abismo: um bem pequeno abismo, é certo, mas não menos assassino, pois a essa altura ele já adquirira para mim uma conotação até então desconhecida, de vertigem e perigo mortal.
A noite caía rapidamente, e as grandes árvores do morro começaram a criar um nicho de trevas, ali naquele desvão. Olhei para cima: deviam faltar ainda uns dez metros para alcançar o platô do morro - e só então vi que não podia fazer mais nada. Depois, cautelosamente, olhei para baixo: não havia mais ninguém. Até A.V.P., o amigo, abandonara-me ao perigo em que eu me encontrava. Tive vontade de chorar. Meu coração pôs-se a bater mais forte, sacudido pelo medo que me acometia mais e mais. Eu era, montado naquela raiz, um pequeno cavaleiro do abismo, sem nada em cima a que me soerguer, sem nada embaixo para me sustentar, senão, depois da queda, o chão que eu já mal distinguia, pois uma boca de treva se fora formando a meus pés, treda e como que à espera de que eu caísse para me deglutir.
Alguém já experimentou o sentimento físico da solidão? O sentimento de se saber irremediavelmente só, como deve ter sentido o poeta Hart Crane depois de jogar-se ao mar, de noite, e ver seu navio ir embora num feixe de luzes que se foram perdendo pouco a pouco no oceano? Ou como Guillaumet, quando seu pequeno avião caiu nos Andes, no grande deserto eriçado de picos, como catedrais de neve, e todo rasgado em gargantas indevassáveis?
Eu experimentei - um menino de apenas 13 anos - esse sentimento quando a noite veio e tudo o que eu tinha para me apoiar era um negro paredão de terra e a sela de uma velha raiz protuberante - e vinte metros de nada embaixo. Uma bem mesquinha solidão perto da desses dois ases da poesia e da aviação: mas para mim, adolescente, era a primeira; e eu não sabia ainda o que eles sabiam, que fez ao poeta escolher a morte no mar, em plena noite, e ao aviador andar três dias, gelado e faminto, na busca desesperada de um cimo bem visível onde lhe pudessem descobrir o corpo, a fim de que sua mulher não perdesse o seu seguro de vida. Neste, o auge do instinto de vida; no outro, o auge do instinto de morte.
Foi quando ouvi a voz de A.V.P. e a de um irmão secular do colégio, cujo nome não lembro mais. O amigo me concitava friamente a descer.
- Mas eu não vou poder...
- Vai sim. Se você subiu, pode descer.
Pensei que tudo era melhor que aquele sentimento experimentado: não o medo da morte, mas o terrível cara a cara com a solidão. Era melhor cair, quebrar-me todo, morrer, que senti-lo de novo. Aquelas vozes embaixo eram tudo de que eu precisava para voltar a ser eu mesmo, um menino entre os outros, um menino com pai, mãe, irmãos, e amigos; um menino que jogava no ataque e já revelava um individualismo feroz em seu futebol, driblando muito e querendo chegar sozinho à meta.
E desci. Desci lenta, cautelosamente, experimentando bem com o pé cada reentrância onde pisava, e nunca largando o apoio de cima senão ao me sentir seguro de não cair. Desci às cegas mas desci, sabendo que cada segundo ganho ao abismo era uma possibilidade cada vez maior de sobrevivência. E, na última etapa, quando risonho e esfogueado me voltei, a primeira coisa que vi foi a mão de A.V.P. estendida para mim, e seu rosto tenso que se relaxava ao contato de minha mão. A mão do amigo. Do amigo cuja vida ele não tivera dúvida em arriscar, na certeza de que nada no mundo é feito sem esperança.

domingo, setembro 23, 2012

sábado, setembro 22, 2012

A cegonha e a raposa. Esopo.

A CEGONHA E A RAPOSA

Sendo amigas a Cegonha com a Raposa, a Raposa a convidou um dia a jantar. Chegado o tempo, preparou a Raposa ardilosa uma comida líquida, manjar como papas e a estendeu por uma lousa, e importunava a Cegonha a que comesse. Mas como ela picava na lousa, quebrava o bico, e nada tomava nele, com que se foi faminta para o ninho. Mas por se vingar, convidou a Raposa outra vez e lançou o manjar em um recipiente metálico provido de um tubo longo e afilado, donde comia com o bico, e pescoço comprido. E a Raposa não podendo meter o focinho, se tornou para sua casa, corrida e morta de fome.

Esopo

Nelson Gonçalves. Mariposa.

In memoriam do Jair

In memoriam do Jair
Charles Fonseca

Chegou a hora do Jair. Operário de grande empresa que hoje diz ser a energia é a sua vocação. Por não querer pedir demissão da empresa amada e ser admiitido pela empresa subsidiária para continuar trabalhando no mesmo local foi retirado da área industrial e colocado num setor administrativo, sem função. Passava o dia sentado a esmo. Quando não aguentava mais ia ao médico na própria empresa e lá caía em prantos contando o seu drama. Resistiu durante três meses. Capitulou ao final. Buri. Burilou a sua paciência ao limite. Quem se lembra dele agora? Talvez alguém nas Alagoas. Na bacia das almas a justiça dos homens, arrogância dos que se acham grandes. Seres menores.

sexta-feira, setembro 21, 2012

Viena é uma canção


Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ivete Sangalo - Atrás Da Porta

222. Crer em Deus, o Único, e amá-Lo com todo o nosso ser, tem consequências imensas para toda a nossa vida:

223. É conhecer a grandeza e a majestade de Deus: «Deus é grande demais para que O possamos conhecer» (Job 36, 26). É por isso que Deus deve ser «o primeiro a ser servido» (27).

224. É viver em acção de graças: Se Deus é o Único, tudo o que nós somos e tudo quanto possuímos vem d'Ele: «Que possuis que não tenhas recebido?» (1 Cor 4, 7). «Como agradecerei ao Senhor tudo quanto Ele me deu?» (Sl 116, 12).

225. É conhecer a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens: todos eles foram feitos «à imagem e semelhança de Deus» (Gn 1, 26).

226. É fazer bom uso das coisas criadas: A fé no Deus único leva-nos a usar de tudo quanto não for Ele, na medida em que nos aproximar d'Ele, e a desprender-nos de tudo, na medida em que d'Ele nos afastar (28):

«Meu Senhor e meu Deus, tira-me tudo o que me afasta de Ti.
Meu Senhor e meu Deus, dá-me tudo o que me aproxima de Ti.
Meu Senhor e meu Deus, desapega-me de mim mesmo, para que eu me dê todo a Ti» (29).

227. É ter confiança em Deus, em todas as circunstâncias, mesmo na adversidade. Uma oração de Santa Teresa de Jesus exprime admiravelmente tal atitude:

«Nada te perturbe / Nada te espante
Tudo passa / Deus não muda
A paciência tudo alcança / Quem a Deus tem
nada lhe falta / Só Deus basta» (30).
Catecismo

Béni Ferenczy, 1939 - Walking Nude Hungarian National Gallery, Budapest

Acarajé

ACARAJÉ
Charles Fonseca

Do perfume tabuleiro
Cheiro a mim sobe, mulher,
Do teu sorriso matreiro
Dás um gosto pois que é

Um tanto apimentado
Mistura feijão fradinho
Azeite dendê não pouquinho
Carurú vens do quiabo

´Inda mais que tu lhe dás
Do aroma camarão
Que seco molhas ao pão
Ai, que cheiro vatapás

Do caju pões a castanha
Também leite sabor coco
Tu lhe dás pra muita chama
Amendoim em reforço.

Van Eyck: Rinaldo e Armida, Louvre, Paris

Conto de Natal. Stanislaw Ponte Preta

Conto de Natal
Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)


Era um Papai-Noel mais subdesenvolvido do que - digamos - o Piauí. Uma barba mixuruquíssima, rala, encardida, que ele acabou por puxar para debaixo do queixo, na esperança de diminuir o calor.

Sim, porque fazia calor.

A calçada refletia por debaixo das calças dos transeuntes o seu bafo quente, o que ocorria também por debaixo das saias das passantes, mas esta imagem é mais refrescante e talvez não dê ao leitor a idéia do calor que fazia. A turba ignara ia e vinha, carregada de embrulhos, vítima da desonestidade dos comerciantes, mas, ávida de comprar presentinhos.

E o Papai Noel avacalhado ali na esquina, badalando. Era um sininho de som fino, que ele badalava meio sem jeito, como se estivesse disfarçando alguma coisa sem aquela dignidade de badalar de sino dos verdadeiros Papais- Noeis.

Também a roupa era mixa! A blusa não tinha aquela vermelhidão dos Papais-Noeis de capa de revistas. Nunquinha Madalena. Era cor-de-rosa, daquele cor-de-rosa das camisas que usam componentes de blocos de sujo, no Carnaval carioca. Isto, inclusive, talvez fosse verdade: aquele Papai-Noel era tão vagabundo que era bem possível que tivesse aproveitado o uniforme do Carnaval anterior, para o Natal.

Tia Zulmira, protegida pela sombra de uma marquise, aguardava condução e observava o Papai Noel. Observava, por exemplo, que o Papai-Noel usava tênis (bossa nova natalina), observava que o Papai-Noel não fazia anúncio de coisa nenhuma, ao contrário de seus coleguinhas de outras esquinas, que traziam às costas grandes cartazes coloridos com os nomes das lojas da cidade.

A velha, num lampejo, percebeu tudo. Viu logo que, naquele Papai-Noel, tinha truque. E, apenas para confirmar a sua teoria, abriu a bolsa, retirou um pedaço de papel e escreveu:

— 500 cruzeiros no grupo do gato — 1.675 pelos sete lados... NCr$ 200,00 — centena 463 (invertido) . . . NCr$ 150,00.

Enrolou o papelzinho no dinheiro correspondente e, saindo de debaixo da marquise, passou disfarçadamente pelo Papai-Noel e espalmou na sua mão a fezinha. Papai Noe1 apanhou tudo e disse baixinho:

— Obrigado, minha senhora. Um bom Natal para a senhora também.

quinta-feira, setembro 20, 2012

Hungria, Budapeste.

Blog

BLOG
Charles Fonseca

O saber eu compartilho
Revelo o drama humano
Mil personas, no entanto,
Pode estar bem escondido

Através de mil versões
Silêncios muito acanhados
Cicios do recalcado
Falas com muito ferrões

Esta é minha jornada
Meu jornal minha tribuna
Meu blog vez é verruma
Outras canto ou florada.

Charge do Chico Caruso

Ministros ingratos (19/09/2012)

Dois mil e dois

DOIS MIL E DOIS
Charles Fonseca

Feliz aniversário, um eu sozinho
Dois mil e dois, um vate vário
Jogado às traças em um calvário,
Bateram à porta três seus sobrinhos

Feliz aniversário, sorriu-lhe dulce,
Disse-lhe o irmão e a mulher doce,
Sorriu-lhe ela, tristeza foi-se,
O irmão também, saudade intui-se.

A cabra e o cabreiro

A CABRA E O CABREIRO

Chamava um cabreiro a suas cabras para levá-las ao estábulo.
Uma delas, ao passar por um rico pasto se deteve, e o cabreiro lhe jogou uma pedra, porém com tão má sorte que lhe quebrou um chifre. Então o cabreiro lhe suplicou que não contasse ao patrão, ao que a cabra respondeu:
- Quisera eu ficar calada, mas não poderia! Bem claro está à vista meu chifre quebrado.

Esopo

quarta-feira, setembro 19, 2012

Nossa história em dois minutos

Seixos

SEIXOS
Charles Fonseca

Só o céu por testemunha,
Eu e a amada, sós,
O vento a empurrar nós,
Só nós, a ancora afunda.

No mar de emoções, beijos,
Barquinha a balançar, céus,
Estrelas a brilhar, véus,
Conchas, beira mar, seixos.

Hans Leinberger, 1511-14, Virgin and Child - Parish church Moosburg (Bavaria)

218. No decorrer da sua história, Israel pôde descobrir que Deus só tinha uma razão para Se lhe ter revelado e o ter escolhido, de entre todos os povos, para ser o seu povo: o seu amor gratuito (19). E Israel compreendeu, graças aos seus profetas, que foi também por amor que Deus não deixou de o salvar (20) e de lhe perdoar a sua infidelidade e os seus pecados (21).

219. O amor de Deus para com Israel é comparado ao amor dum pai para com o seu filho(22). Este amor é mais forte que o de uma mãe para com os seus filhos (23). Deus ama o seu povo, mais que um esposo a sua bem-amada (24); este amor vencerá mesmo as piores infidelidades (25); e chegará ao mais precioso de todos os dons: «Deus amou de tal maneira o mundo, que lhe entregou o seu Filho Único» (Jo 3, 16).

220. O amor de Deus é «eterno» (Is 54, 8): «Ainda que as montanhas se desloquem e vacilem as colinas, o meu amor não te abandonará» (Is 54, 10). «Amei-te com amor eterno: por isso, guardei o meu favor para contigo» (Jr 31, 3).

221. São João irá ainda mais longe, ao afirmar: «Deus é Amor» (1 Jo 4, 8, 16): a própria essência de Deus é Amor. Ao enviar, na plenitude dos tempos, o seu Filho único e o Espírito de Amor, Deus revela o seu segredo mais íntimo ": Ele próprio é eternamente permuta de amor: Pai, Filho e Espírito Santo; e destinou-nos a tomar parte nessa comunhão.
Catecismo

Beijinhos no Rosto. Rubem Fonseca

Beijinhos no Rosto
Rubem Fonseca


A sua bexiga terá que ser removida inteiramente, disse Roberto. E nesses casos prepara-se um lugar para a urina ser armazenada, antes de ser excretada. Uma parte do seu intestino será convertida num pequeno saco, ligado aos ureteres. A urina desse receptáculo será direcionada para uma bolsa colocada em uma abertura na sua parede abdominal. Estou descrevendo esse procedimento em linguagem leiga para que você possa entender. Essa bolsa será oculta pelas suas roupas e terá que ser esvaziada periodicamente. Fui claro?

Foi, respondi acendendo um cigarro.

Gostaria de marcar a cirurgia para logo depois desses exames que estou pedindo. Já lhe falei da relação entre o câncer da bexiga e o fumo?

Não me lembro.

Três em cada cinco casos de câncer na bexiga são ligados ao fumo. Esse vínculo entre o fumo e o câncer da bexiga é especialmente forte entre os homens.

Prometo que vou deixar de fumar.

Este ano, no mundo, ocorrerão cerca de trezentos mil novos casos de câncer de bexiga.

É mesmo?

É o quarto tipo de câncer mais comum e a sétima causa de morte por câncer.

Tive vontade de mandar o Roberto parar de me chatear, mas ele, além de meu médico, era meu amigo.

O câncer de bexiga, ele continuou, pode ocorrer em qualquer idade, mas usualmente atinge pessoas com mais de cinqüenta anos. Você faz cinqüenta anos no mês que vem. É um mês mais velho do que eu.

Estou atrasado para um compromisso, tenho que ir, Roberto.

Não se esqueça de fazer os exames.

Saí correndo. Eu não tinha encontro algum. Queria fumar outro cigarro em paz. E também precisava encontrar alguém que me arranjasse um revólver. Lembrei-me do meu irmão.

Telefonei para ele.

Você ainda tem aquela arma? Tenho. Por quê?

Quer vender?

Não.

Você não tem medo de que um dos teus filhos ache o revólver e dê um tiro na cabeça do outro? Uma coisa assim aconteceu outro dia. Deu no jornal.

Meu revólver está trancado numa gaveta.

O desse infeliz, segundo dizia o jornal, também.

Eu não li nada sobre isso.

Você sempre diz que só lê a manchete do jornal. Isso não dá manchete, acontece todo dia.

E como é que foi?

O menino estava brincando de mocinho e bandido com o irmão e a desgraça aconteceu. Qualquer dia vou ler no jornal que um sobrinho meu matou o outro numa brincadeira.

Deixa de ser agourento.

Vou passar aí hoje à noite.

Chegando na casa do meu irmão ele me disse, olha aqui esta gaveta, você acha que dois pirralhos podem arrombar essa fechadura?

Podem. Como? Quer ver eu arrombar essa merda?

Você é um adulto.

Onde é que está a Helena?

Está no quarto.

Chama ela aqui.

Contei para a mulher dele a tal notícia do jornal, que eu inventara.

Vivo pedindo ao Carlos para se livrar dessa porcaria, mas ele não me ouve, disse Helena.

Eu vim aqui para comprar o revólver, mas esse idiota não quer vender.

O que você vai fazer com o revólver?, perguntou Carlos.

Nada. Possuí-lo, apenas. Eu sempre quis ter um revólver.

Helena e o meu irmão discutiram algum tempo. Ela venceu o debate ao dizer que um dos meninos podia pegar o chaveiro quando meu irmão estivesse dormindo, ou quando ele esquecesse o chaveiro num lugar onde os moleques pudessem achar, ou em outra ocasião qualquer. Afinal, Carlos abriu a gaveta e tirou o revólver.

E você, para piorar as coisas, mantém esse troço carregado, eu disse, depois de examinar a arma.

Maluco irresponsável, disse Helena, furiosa, você sempre me disse que o revólver não tinha balas. Olha, deixa o seu irmão levar essa porcaria com ele, agora. Do contrário eu saio de casa e levo as crianças.

Peguei o revólver e fui para o meu apartamento. Telefonei para a minha namorada. Senti vontade de ir ao banheiro mas sabia que ia ver sinais de sangue na urina, o que sempre me dava calafrios. Isso podia atrapalhar o meu encontro. Urinei de olhos fechados e também de olhos fechados acionei a válvula de descarga várias vezes.

Enquanto esperava minha namorada, fiquei pensando no futuro, fumando e tomando uísque. Eu não ia ficar a vida inteira enchendo com xixi uma bolsa colada no corpo, que depois tinha que ser esvaziada, sei lá de que maneira. Como eu poderia ir à praia? Como poderia fazer amor com uma mulher? Imaginei o horror que ela sentiria ao ver aquela coisa.

Minha namorada chegou e fomos para a cama.

Você está preocupado com alguma coisa, ela disse, depois de algum tempo.

Não estou me sentindo bem.

Não se preocupe, querido, podemos ficar apenas conversando, adoro conversar com você.

Essa é uma das piores frases que um homem pode ouvir quando está nu com uma mulher nua na cama.

Levantamos e nos vestimos sem olhar um para o outro. Fomos para a sala. Conversamos um pouco. Minha namorada olhou para o relógio, disse tenho que ir, querido, me deu uns beijinhos no rosto, foi embora e eu dei um tiro no peito.

Mas esta história não termina aqui..Eu devia ter atirado na cabeça, mas foi no peito e não morri. Durante a convalescença, Roberto me visitou várias vezes para dizer que tínhamos pouco tempo, mas ainda podíamos fazer a cirurgia da bexiga, com êxito.

Isso foi feito. Agora eu esvazio com facilidade a bolsa de urina. Ela fica bem escondida sob a roupa, ninguém percebe que está ali, sobre o meu abdome. O câncer parece que foi extirpado. Não tenho mais namorada e estou viciado em palavras cruzadas. Deixei de ir à praia. Fui uma vez, para jogar o revólver no mar.

terça-feira, setembro 18, 2012

Ruinas

RUINAS
Charles Fonseca

Para crescer fiz-me pequeno
para amar pus-me no exílio
pra não chorar de mim sorrio
pra nunca mais vivo com menos

Do que pensava e nunca fui
do que já fui e que não era
do que ainda sou mera quimera
do que serei o agora rui.

A charge de Chico Caruso

História de bem-te-vi. Cecília Meireles

História de bem-te-vi
Cecília Meireles


Com estas florestas de arranha-céus que vão crescendo, muita gente pensa que passarinho é coisa só de jardim zoológico; e outras até acham que seja apenas antigüidade de museu. Certamente chegaremos lá; mas por enquanto ainda existem bairros afortunados onde haja uma casa, casa que tenha um quintal, quintal que tenha uma árvore. Bom será que essa árvore seja a mangueira. Pois nesse vasto palácio verde podem morar muitos passarinhos.

Os velhos cronistas desta terra encantaram-se com canindés e araras, tuins e sabiás, maracanãs e "querejuás todos azuis de cor finíssima...". Nós esquecemos tudo: quando um poeta fala num pássaro, o leitor pensa que é leitura...

Mas há um passarinho chamado bem-te-vi. Creio que ele está para acabar.

E é pena, pois com esse nome que tem — e que é a sua própria voz — devia estar em todas as repartições e outros lugares, numa elegante gaiola, para no momento oportuno anunciar a sua presença. Seria um sobressalto providencial e sob forma tão inocente e agradável que ninguém se aborreceria.

O que me leva a crer no desaparecimento do bem-te-vi são as mudanças que começo a observar na sua voz. O ano passado, aqui nas mangueiras dos meus simpáticos vizinhos, apareceu um bem-te-vi caprichoso, muito moderno, que se recusava a articular as três sílabas tradicionais do seu nome, limitando-se a gritar: "...te-vi! ...te-vi", com a maior irreverência gramatical. Como dizem que as últimas gerações andam muito rebeldes e novidadeiras achei natural que também os passarinhos estivessem contagiados pelo novo estilo humano.

Logo a seguir, o mesmo passarinho, ou seu filho ou seu irmão — como posso saber, com a folhagem cerrada da mangueira? — animou-se a uma audácia maior Não quis saber das duas sílabas, e começou a gritar apenas daqui, dali, invisível e brincalhão: "...vi! ...vi! ...vi! ..." o que me pareceu divertido, nesta era do twist.

O tempo passou, o bem-te-vi deve ter viajado, talvez seja cosmonauta, talvez tenha voado com o seu team de futebol — que se não há de pensar de bem-te-vis assim progressistas, que rompem com o canto da família e mudam os lemas dos seus brasões? Talvez tenha sido atacado por esses crioulos fortes que agora saem do mato de repente e disparam sem razão nenhuma no primeiro indivíduo que encontram.

Mas hoje ouvi um bem-te-vi cantar E cantava assim: "Bem-bem-bem...te-vi!" Pensei: "É uma nova escola poética que se eleva da mangueira!..." Depois, o passarinho mudou. E fez: "Bem-te-te-te... vi!" Tornei a refletir: "Deve estar estudando a sua cartilha... Estará soletrando..." E o passarinho: "Bem-bem-bem...te-te-te...vi-vi-vi!"

Os ornitólogos devem saber se isso é caso comum ou raro. Eu jamais tinha ouvido uma coisa assim! Mas as crianças, que sabem mais do que eu, e vão diretas aos assuntos, ouviram, pensaram e disseram: "Que engraçado! Um bem-te-vi gago!"

(É: talvez não seja mesmo exotismo, mas apenas gagueira...)

Gabriela. Gal Costa.

segunda-feira, setembro 17, 2012

A cabra e o asno. Esopo.

A CABRA E O ASNO

Uma cabra e um asno comiam ao mesmo tempo no estábulo. A cabra começou a invejar o asno porque acreditava que ele estava melhor alimentado, e lhe disse:
- Tua vida é um tormento inacabável. Finge um ataque e deixa-te cair num fosso para que te dêem umas férias.
Aceitou o asno o conselho, e deixando-se cair, machucou todo o corpo.
Vendo-o o amo, chamou o veterinário e lhe pediu um remédio para o pobre. Prescreveu o curandeiro que necessitava uma infusão com o pulmão de uma cabra, pois era muito eficiente para devolver o vigor. Para isso então degolaram a cabra e assim curaram o asno.

Esopo

A letra A: palavra por palavra. (III) Vinicius de Moraes

A letra A: palavra por palavra. (III)
Vinicius de Moraes


Abajur: Foi, talvez a primeira palavra francesa de que tive conhecimento, e ela me traz recordações tão lindas da Ilha do Governador que, ainda agora, a escrever estas memórias, tenho os olhos rasos d'água.
Nossa casa, com duas janelas de frente, ficava à beira-mar, em Cocotá, a meio quilômetro da grande amendoeira onde o bondinho da ilha rangia na curva, em demanda de Freguesia. Eu tinha por aí uns nove anos, e era a coisa mais pulante, grimpante e nadante que já existiu. Nunca menino algum aceitou menos as vias normais de acesso. Sempre em carreira, desviava compulsivamente minha velocidade para as sebes, que varava, os muros, que escalava, e os fossos, que transpunha. Vivia aos saltos, de baixo para cima, de cima para baixo. Bastava ver um acidente qualquer de terreno, uma cerca, uma catraia a seco, um valado, e eu, dando tudo, precipitava-me a mil e - zumpt! - saltava-os feito um doido dançarino. Era como um Nijinski infante a dar entrechats cada vez mais altos e elásticos, numa ânsia de alcançar não sei o quê, quem sabe o infinito, quem sabe Deus...
E caía exato
Como cai um gato.
…para recomeçar uma correria nova, fosse para a casa de Mário e Quincas, meus amiguinhos pobres, fosse para o pontão das barcas da Cantareira, de onde Augusto mergulhava.
Augusto era o meu deus. Irmão mais velho de Mário, Quincas e Marina, minha namoradinha secreta, Augusto representava para mim o herói total configurado no mergulhador. Eu admirava, da ponte de Cocotá, a agilidade com que ele, numa escalada de macaco, subia as estacas mais altas, de onde dava os saltos de anjo mais lindos, penetrando o mar como uma faca em ponta, sem qualquer espadana, e com um marulho apenas perceptível. E eu ficava sempre numa aflição, de não vê-lo nunca mais voltar à tona. Augusto demorava dois minutos folgados a vasculhar o fundo, do qual trazia sempre qualquer coisa de belo ou de útil: caranguejo, ferro-velho, estrela-do-mar, ou o que fosse, que me atirava de baixo, em saltos que lhe faziam soerguer meio corpo da superfície, como um golfinho brincalhão. Nós andávamos os quatro sempre de súcia, e a mim me espantava a naturalidade em que seus irmãos o tinham, sem nenhuma mostra de admiração. Foi ele que me ensinou a mergulhar e mover-me no fundo do mar, rente ao lodo; e mais tarde a pescar a dinamite: uma barbaridade que, na época, eu achava o máximo. Augusto colocava-se à proa do barco, nós nos agachávamos na popa como podíamos, ele acendia o pavio, esperava um momento, soprando-o forte, e, de repente, no segundo antes, lançava a banana de dinamite ao mar. A explosão, gorda e cava, levantava, ato contínuo, um cogumelo espumarento, e logo os peixes mortos começavam a subir. Mas os que nos interessavam eram os que ficavam atordoados, atrás dos quais mergulhávamos rápido. Levávamos, para essas ocasiões, pequenos sacos, e, uma vez cheios, metíamos o peixe dentro da camisa da roupa de banho - como se usava na época - e voltávamos semi-asfixiados à tona. Nunca mais pude esquecer o contato frio e viscoso dos peixes contra a minha pele.

*

À tarde, na sala de visitas, como então se dizia, onde tudo o que havia de luxo era o belo jarrão chinês, trazido por meu bisavô de uma de suas andanças, minha mãe sentava-se ao piano e ficava tocando horas perdidas.
Nós ficávamos, minha irmã mais velha e eu, sentados no chão, geralmente a armar colagens ou a folhear o Tico-Tico, o Eu sei tudo e o Tesouro da juventude, nossa primeira leitura infantil. Os sons vinham, encantatórios, mergulhar ainda mais nossas vidas naquele clima doméstico, como se nós fôssemos a única família do mundo. E a verdade é que éramos a única família do mundo, unidos pelos mesmos horários e pelos mesmos desígnios de poupança, pois meu pai, por uns maus negócios que fizera, andava mal de vida.
Minha mãe, ainda tão moça, aflorava as teclas, o olhar perdido longe. Ela tinha sido aluna de francês de meu pai, na velha chácara da Gávea, e se casara aos 15 anos com esse homem bem mais velho, que se apaixonara perdidamente por ela, e que, bom poeta, vivia a lhe fazer sonetos, odes, rimancetes, baladas, elegias - tudo enfim que constitui e consolida a arte de fazer versos.
Eu a achava linda, toda rechonchuda, os longos cabelos soltos e os olhos de um azul tão vivo que, às vezes, parecia perturbar-lhe a visão, como se ela estivesse enxergando mais do que devia. Posso ouvir ainda os primeiros tangos que ela tocava, dos quais "La cumparsita" era o mais vibrante e "Caminito" o mais terno...
E de repente foi o fox-trot. Que alucinação! Meu pai chegava com novas partituras, que minha mãe tirava laboriosamente ao piano:
Hindustão
Paraíso das mulheres divinais
Ó Hindustão
Quem te ama não te esquece nunca mais...
Eram os primeiros doces tentáculos do polvo tateando à toa num mundo despreocupado e sem malícia. Nós não sabíamos de nada ainda. Sabíamos que éramos uma família que morava numa ilha pertencente à capital de um país que não sabíamos tampouco subdesenvolvido. Sabíamos vagamente que houvera uma guerra mundial e um terremoto no Japão. E súbito, aquele ritmo diferente e cheio de langor, a insinuar conivências pecaminosas na penumbra...
Abajur
Com tua branda luz de cor bleu
Tu, só tu
Tu me inspiras não sei por quê...
Minha irmã e eu dançávamos, dois passos para lá, e dois para cá, como mandava o figurino. E os sons me envolviam dessa tristeza que nunca mais me abandonou, que tem a ver com alguma coisa sempre buscada e nunca totalmente possuída: não sei se o amor, não sei se a vida, não sei se a paz. Saudade, certo, que me fez poeta e compositor, e que, apesar de todas as flores e amores que a vida me deu, só me fez crescer em melancolia e solidão.

Frase do dia


Se alguém tem a ilusão de que, me condenando, cometendo essa violência contra mim, vai me derrubar, pode tirar o cavalinho da chuva.
José Dirceu, réu no processo do mensalão, sobre a hipótese de ser condenado e preso

Lampejos

LAMPEJOS
Charles Fonseca

 Numa noite morna nos encontramos
 Junto ao mar azul, cheiro de jasmim,
 O amor então nos envolveu enfim,
 Cheiro de mar, lufadas de ar, vamos

 A caminhar, nós de mãos dadas, beijos
 Da lua no mar, nós a olhar, sonhos,
 As ondas do mar a balançar como
 Nós, ao luar, chamas do amor, lampejos.

Hans Leinberger, 1511-14, Virgin and Child - Parish church Moosburg (Bavaria)

sexta-feira, setembro 14, 2012

Oh, linda Holanda!


214. Deus, «Aquele que É», revelou-Se a Israel como Aquele que é «cheio de misericórdia e fidelidade» (Ex 34, 6). Estas duas palavras exprimem, de modo sintético, as riquezas do nome divino. Em todas as suas obras, Deus mostra a sua benevolência, a sua bondade, a sua graça, o seu amor; mas também a sua credibilidade, a sua constância, a sua fidelidade, a sua verdade. «Hei-de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade» (Sl 138, 2) (13). Ele é a verdade, porque «Deus é luz, e n'Ele não há trevas nenhumas» (1 Jo 1, 5); Ele é «Amor», como ensina o apóstolo João (1 Jo 4, 8).

DEUS É A VERDADE

215. «A verdade é princípio da vossa palavra, é eterna toda a sentença da vossa justiça» (Sl 119, 160). «Decerto, Senhor Deus, Vós é que sois Deus e dizeis palavras de verdade» (2 Sm 7, 28); é por isso que as promessas de Deus se cumprem sempre (14). Deus é a própria verdade; as suas palavras não podem enganar. É por isso que nos podemos entregar com toda a confiança e em todas as coisas à verdade e à fidelidade da sua palavra. O princípio do pecado e da queda do homem foi uma mentira do tentador, que o levou a duvidar da palavra de Deus, da sua benevolência e da sua fidelidade.

216. A verdade de Deus é a sua sabedoria, que comanda toda a ordem da criação e governo do mundo (15). Só Deus que, sozinho, criou o céu e a terra (16) pode dar o conhecimento verdadeiro de todas as coisas criadas na sua relação com Ele (17).

217. Deus é igualmente verdadeiro quando Se revela: todo o ensinamento que vem de Deus é «doutrina de verdade» (Ml 2, 6). Quando Ele enviar o seu Filho ao mundo, será «para dar testemunho da verdade» (Jo 18, 37): «Sabemos [...] que veio o Filho de Deus e nos deu entendimento para conhecermos o Verdadeiro» (1 Jo 5, 20) (18).
Catecismo

Van der Weyden: Deposição (1435) - Prado, Madrid

quinta-feira, setembro 13, 2012

D. Quixote. Euclides da Cunha.

D. Quixote
Euclides da Cunha

Assim à aldeia volta o da triste figura
Ao tardo caminhar do Rocinante lento;
No arcabouço dobrado um grande desalento,
No entristecido olhar uns laivos de loucura.

Sonhos, a glória, o amor, a alcantilada altura,
Do ideal e da fé, tudo isto num momento,
A rolar, a rolar, num desmoronamento,
Entre risos boçais do bacharel e o cura.

Mas certo, ó D. Quixote, ainda foi clemente,
Contigo a sorte ao pôr neste teu cérebro oco,
O brilho da ilusão do espírito doente;

Porque há cousa pior: é o ir-se pouco a pouco
Perdendo qual perdeste um ideal ardente
E ardentes ilusões e não se ficar louco.

Alvin Langdon Coburn

Espelho

ESPELHO
Charles Fonseca

Além, muito além das estrelas,
Por trás do oculto infinito,
Do espelho quebrado, negrito,
Está minha alma a querê-la.

Além, muito além do profundo
Dos mares, dos ares, estás
Aqui, minha amada, aliás,
Em mim, eu em ti, nosso mundo.

Chico Buarque - Cotidiano

A Caminho de Assunção. Rubem Fonseca

A Caminho de Assunção
Rubem Fonseca


Meu dólmã azul-ferrete de alamares brancos estava puído nos punhos e na gola. Minhas botas não tinham saltos, e estavam furadas nas solas. O punho da minha espada partira-se. Os soldados tinham os pés descalços e os uniformes remendados pelas mãos das chinas que seguiam voluntariamente nosso exército ou eram arrebatadas nos povoados que atravessávamos a caminho de Assunção.

O Coronel Procópio, comandante do 2°. Regimento de Cavalaria, recusava-se a nos deixar vestir roupas civis.

Sabemos que o próprio General-Comandante veste sobre o seu uniforme um poncho azul de forro vermelho. E que oficiais e praças gaúchos do 5°. Regimento se vestem de bombachas, ponchos e chapéus de vaqueiro, disse Procópio, na reunião do Estado-Maior.

Procópio era um homem magro, de testa pontuda e queixo fino. Passava as noites lendo na barraca. Diziam que ele não andava bom da cabeça.

Não somos um bando de peões de estância. Somos os Dragões Reais de Minas. Nosso regimento foi criado por Carta Régia.

Quando Procópio gritava, sua voz ficava áspera e rouca. Estávamos em dezembro. Havíamos acabado de atravessar o Chaco e metade do nosso regimento fora dizimado pelo cólera, o beribéri e o tifo. Em meio à marcha rápida para o sul, bivacamos perto das coxilhas de Vileta. O acampamento fervilhava de homens e material de guerra. Íamos atacar Avaí.

Ouvia-se, ao longe, uma paródia obscena do hino da Cavalaria, cantada pelos gaúchos do 5°.

Partimos de madrugada. Raiou um dia de céu azul e nuvens muito brancas. Ao cruzar um desfiladeiro sombrio ouvimos o troar das bocas de fogo inimigas. O alferes Rezende, que crescera comigo em Santo Antônio do Paraibuna, caiu com o pé preso no estribo, a cabeça uma polpa sangrenta, e foi arrastado pelo seu cavalo em disparada até desaparecer num capinzal alto. De entre a macega, os mosquetões inimigos atiravam sem parar. O céu começou a escurecer e logo uma chuva grossa desabou sobre o campo de batalha.

Procópio ordenou uma carga sobre as baterias do flanco esquerdo. Atravessamos um capoeirão, um chão coberto de mata rala. Com as lanças em riste, investimos sobre a artilharia inimiga.

Carreguem, carreguem!, bradava Procópio.

O ruído das patas dos cavalos em galope acelerado e dos nossos gritos era tão forte quanto o estrondo dos canhões. O primeiro que matei estava sem a barretina, os cabelos lisos, de índio, molhados pela chuva.

Muitos dos nossos, os cavalos mortos, combatiam a pé. A lâmina da minha espada brilhava lavada de sangue e chuva. Um artilheiro inimigo, um menino, agarrou meu estribo e me atacou com um facão. Decepei-lhe a mão direita, num golpe seco e hábil.

Aos poucos a luta foi cessando, apenas pequenas escaramuças ocorriam esporadicamente. O exército inimigo havia sido desbaratado. Não se ouvia mais o estrondo dos seus canhões. Dezessete deles haviam sido capturados.

Nas ribanceiras e montes, nas macegas e capoeiras estavam caídos corpos mortos de muitos milhares de homens e animais. Saía do chão um cheiro de terra molhada e sangue e pólvora misturado com a fragrância doce da bosta dos cavalos.

O Coronel Procópio e o Tenente-Coronel Rubião estavam mortos. O Major José Rias assumiu o comando do regimento. Os oficiais e sargentos se reuniram em torno de sua cabeça pelada pelo tifo. A pele do rosto de Rias era pálida como cera de vela de santo e seus olhos, encravados fundo no crânio, brilhavam de febre e loucura. O espírito de Procópio parecia ter entrado no seu corpo. Vamos até Assunção! Viva a Cavalaria!

Um estafeta surgiu para avisar que o General-Comandante estava passando em revista as tropas. José Rias percorreu o acampamento berrando com os homens que estavam deitados, dormindo ou apenas olhando exaustos para o céu.

A cavalo! de pé! Rias dava pontapés no rosto dos que não respondiam às suas ordens, enfiava a espada nas costelas dos recalcitrantes.

Em pouco tempo os homens montaram nos seus cavalos. Aqueles que haviam perdido as montarias perfilavam-se a pé, alguns com os arreios ao lado, a lança na mão direita usada como apoio, para não caírem ao chão de cansaço.

No meio da neblina, do lado norte do campo, surgiu o General-Comandante cavalgando um tordilho, acompanhado de um ajudante-de-ordens. Vestia o poncho azul com forro vermelho, segurava as rédeas na mão esquerda e com a direita mantinha um lenço negro contra o rosto. Um tiro arrebentara seu maxilar e alguns dentes da frente. Havia manchas de sangue no seu poncho. Ele estava enganchado na sela como alguém que tivesse passado a vida inteira naquela posição. Os soldados, obedecendo ao comando de Rias, ficaram em posição de sentido.

O General imobilizou sua montaria e sem soltar as rédeas levantou a mão esquerda pedindo silêncio. Mas ouvia-se apenas o ranger do couro das selas e dos loros, o retinir das esporas e barbelas, o resfolegar dos cavalos contidos pelos freios. O General tirou o lenço do rosto e começou a falar.

Camaradas do 2º. Regimento, Dragões Reais de Minas...

O ferimento da boca não permitia que ele pronunciasse as palavras corretamente. Eu dormitava sobre a minha sela e mal entendia o que ele dizia.

O velho Sargento Andrade, dado como morto, esticado ao lado de uma carreta de munição, as esporas gastas de ferro enfiadas na terra estrangeira, o uniforme roto e sujo de lama, levantou-se, fez uma continência e caiu ao chão. Alguns soldados riram à socapa.

Osório parou de falar. Respondeu a continência olhando o corpo imóvel de Andrade, seu rosto meio escondido pelo lenço negro. Fez um gesto para o ajudante-de-ordens, esporeou o cavalo e partiu num trote curto em direção ao acampamento do 5°.

A lorota de Lula

quarta-feira, setembro 12, 2012

Terror noturno

http://pt.wikipedia.org/wiki/Terror_noturno

Charge do Néo Correia

Frase do dia

Perto de completar uma década no comando do país, o PT ainda tenta atribuir ao governo FHC os problemas que não conseguiu resolver nos dois mandatos de Lula e em quase metade do governo da presidente Dilma.
Sérgio Guerra, presidente do PSDB

A História da Música - Da Grécia antiga ao Barroco - Parte 2

212. No decorrer dos séculos, a fé de Israel pôde desenvolver e aprofundar as riquezas contidas na revelação do nome divino. Deus é único, fora d'Ele não há deuses (12). Ele transcende o mundo e a história. Foi Ele que fez o céu e a terra; «eles hão-de passar, mas Vós permaneceis; tal como um vestido, eles se vão gastando [...] Vós, porém, sois sempre o mesmo e os vossos anos não têm fim» (Sl 102, 27-28). N'Ele «não há variação nem sombra de mudança» (Tg 1, 17). Ele é «Aquele que é», desde sempre e para sempre; e assim, permanece sempre fiel a Si mesmo e às suas promessas.

213. A revelação do nome inefável «Eu sou Aquele que sou» encerra, portanto, a verdade que só Deus «É». Foi nesse sentido que já a tradução dos Setenta e, na sua sequência, a Tradição da Igreja. compreenderam o nome divino: Deus é a plenitude do Ser e de toda a perfeição, sem princípio nem fim. Enquanto todas as criaturas d'Ele receberam todo o ser e o ter, só Ele é o seu próprio Ser, e Ele é por Si mesmo tudo o que Ele é.
Catecismo

Michael Erhart, Ravensburg Madonna of Mercy - c. 1480 Staatliche Museum, Berlin.

terça-feira, setembro 11, 2012

O psicopata. Alguns sintomas (Hair)

Charme superficial /loquacidade
Superestima
Busca por estimulação e tendência ao tédio
Mentira patológica
Manipulação e chantagem
Ausência de remorso ou culpa
Insensibilidade afetiva e emocional
Indiferença e falta de empatia com os outros
Estilo de vida parasitário
Descontroles comportamentais
Promiscuidade sexual
Problemas graves de comportamento na infância
Ausência de metas realistas a longo prazo
Impulsividade
Irresponsabilidade
Incapacidade de arcar com as conseqüências pelos seus próprios atos
Casamentos ou relacionamentos de curta duração
Delinqüência juvenil
Violação de liberdade condicional
Versatilidade criminal

Análise socrática dos tempos atuais. Frei Beto.

ANÁLISE SOCRÁTICA DOS TEMPOS ATUAIS
FREI BETO


Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom então de manhã você pode brincar dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada.

Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'

Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito.

Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

A palavra hoje é 'entretenimento' ; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.

Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping Center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas.

Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:

- "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz !"

Chagall: Eu e a Aldeia (1911) - Museu de Arte Moderna de Nova York

O Sono – Distúrbios em adultos

http://www.cadastro.abneuro.org/site/publico_sono.asp

No meio do caminho. Carlos Drummond de Andrade.

NO MEIO DO CAMINHO
Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra

Que tal?

TDAH e comorbidades

Clique fhttp://tdahecomorbidades.com.br/tdah_Info_basicas.asp?parametro=3

A História da Música - Da Grécia antiga ao Barroco - Parte 1

A macaca e a raposa. Esopo.

A MACACA E A RAPOSA

Rogava a macaca à raposa que cortasse a metade do seu rabo e lho desse, dizendo:
- Bem vês que o teu rabo arroja, e varre a terra, e é defeito por demasiado; o que dele sobeja me podes prestar a mim, e cobrir-me estas partes, que vergonhosamente trago descobertas.
- Antes quero que arroje - disse a raposa - e varra o chão, e me seja pesado, que aproveitares-te tu dele. Por isso não lho darei nem quero que coisa minha te preste. E assim ficou sem ele a macaca.

Esopo

Gal Costa-Baby

A prótese do PT no Supremo

http://colunas.revistaepoca.globo.com/guilhermefiuza/2012/09/10/a-protese-do-pt-no-supremo/

Os grandes enjeitados. Euclides da Cunha.

Os grandes enjeitados
Euclides da Cunha

Servis!… dançai, folgai – na régia bacanália…
Quadro-voz essa luz que nos raios espalha
A treva e o crime atrai!…

Valsai – nesse delírio atroz, brutal que assombra -
Folgai… a grande Luz espia-vos na sombra!
Folgai, cantai – valsai!…

Que vos importa – ó vis, caricatos atletas -
Se o povo dorme nu – nas lôbregas sarjetas -
Entre o pântano e os Céus!….

Q’importa se essa luz – faz as noites da História!
Q’importa se os heróis ‘stão entre a lama e a Glória
Entre a miséria e Deus!…

Q’importa-vos a dor; – a lágrima brilhante
Do seio dos heróis -, estrela palpitante
Que ao céu do porvir vai…

Q’importa-vos a honra, a consciência, a crença,
A justiça, o dever!?… ah! vossa febre é imensa! -
Folga, folgai, folgai!…

Q’importa-vos a Pátria…a pátria – é-vos um nome!….
Q’importa-vos o povo – esse galé da fome -
Ó cortesãos, ó rei!?

Se o olhar das barregãs, de amor e febre aceso
Vos ferve dentro d’alma – e se o direito é preso
Nessa grilheta – Lei!

Fazeis bem em rir – ó pequeninos seres…
O crime, o vício e o mal são os vossos deveres -
Avante pois – gozai…

Atufai-vos – rolai ó almas guarida -
No abismo fundo e frio – o seio da perdida!…
– Cantai… cantai, cantai!…

Gritai com força! assim… não percebeis agora
O eco de vossa voz?… – de vossa voz sonora -
Tremer na vastidão!?

Não ouvis as canções que o seu frêmito espalha?…
Ele desce de Deus – ó dourada canalha -
Ele é – Revolução!…

Pierre Puget - Filósofo

Além do mais

ALÉM DO MAIS
Charles Fonseca

Esvai-se o tempo pro adeus,
só resta o tempo do agora
alçar aos céus e embora
saudades levar dos meus

daqueles que trouxe ao mundo
dos outros que me trouxeram
dos que sendo nunca eram
dos que serão no além túmulo.

Eugène Atget

História de uma letra. Cecília Meireles

História de uma letra
Cecília Meireles


Muita gente me pergunta se deixei de escrever o meu sobrenome com letra dobrada devido à reforma ortográfica; e quando estou com preguiça de explicar, digo que sim. Mas hoje tomo coragem, abalanço-me a confessar a verdade, que talvez não interesse senão aos meus possíveis herdeiros.

A verdade nunca é simples, como se imagina. E em primeiro lugar, devo dizer que o meu sobrenome simplificado só vale na literatura. Nos documentos oficiais prevalece a forma antiga, e eu por mim gosto tanto da tradição que não me importava nada carregar um ípsilon, um th, todas as atrapalhações possíveis que enrugam e encarquilham um idioma.

Por outro lado, as reformas ortográficas são sempre tão arrevesadas que já perdi as esperanças de estar algum dia completamente em condições de escrever sem erros, descansando assim no tipógrafo e no revisor, que são os grandes responsáveis pelas nossas faltas e pelas nossas glórias. Não foi, portanto, por afeição às reformas que sacrifiquei uma letra do meu nome. A história é mais inverossímil.

Todos na vida atravessamos certas crises. Dever-se-ia mesmo escrever sobre a gênese, desenvolvimento, apogeu e fim das crises. Se uma pessoa está sem emprego, o natural é que se empregue. Se está doente, o natural é que morra ou se cure. Mas o fenômeno da crise é importante precisamente por ser o contrário do natural. De modo que se a pessoa está desempregada, não há maneira de arranjar emprego, e se está doente não há maneira de se curar, etc...

As crises são muito variadas. Há crises sentimentais, econômicas, de inspiração, de talento, de prestígio — e o povo classifica essa situação, que ele, em sua sabedoria, já observou, com o fácil nome de azar.

O azar não é lógico. Isso é que o torna desesperador. A pessoa sai de casa, bem com a sua consciência, com as faculdades mentais em perfeita ordem, os músculos, os nervos, tudo bem governado, atravessa a rua como um cidadão correto, observando o sinal, e quando chega do outro lado, apanha na cabeça um tijolo que um operário, inocente, deixou cair do sétimo andar de uma construção.

Naturalmente, todo o mundo tem refletido sobre as razões secretas dessas coisas inexplicáveis. E foi assim que, com o correr do tempo, se chegou à caracterização de um certo número de fatos e objetos que servem de prenúncio ao azar: espelhos quebrados, relógios parados, sal entornado na mesa, sapato emborcado, tesoura aberta, gato preto, mariposas, sexta-feira dia treze, mês de agosto, gente canhota e estrábica, vestido marrom, para só falar dos principais.

Penetrando mais no estudo de todas essas superstições, pessoas entendidas têm procurado explicá-las pelas correlações existentes com as crenças do paganismo, estas por sua vez baseadas no empirismo e na ignorância dos nossos antepassados, e assim por diante, o que não impede que as pessoas ainda hoje se benzam, quando bocejam, para que o Demônio não lhes entre pela boca; e não cruzem a mãos, quando se cumprimentam, para não atrapalharem algum matrimônio, e não se deitem com os pés para a rua, e não façam muitas outras coisas, só pelo medo das suas conseqüências ocultas.

Outras pessoas, igualmente entendidas, dão rumo diverso aos seus estudos, descobrem o entrelaçamento das causas e efeitos universais, chegam até a afirmar que tudo quanto nos acontece nesta encarnação é fruto remoto de encarnações anteriores, e respeitam o que diz um provérbio oriental — que o simples roçar da roupa de um passante, na nossa roupa, é indício de alguma proximidade de vidas, em tempos imemoriais.

E há os que seguem o caminho dos astros, e com uma circunferência, umas retas, uns planetas, uns cálculos, dizem e predizem os nossos destinos, com todas as suas inesperadas trajetórias.

E há os que lêem nas linhas das mãos, e contam as nossas viagens, os nossos padecimentos de fígado, o que vamos fazer daqui a vinte anos, e o minuto em que empalidece a nossa estrela...

Está claro que creio em tudo isso. Eu justamente creio em tudo. Creio até no contrário disso. A minha faculdade de crer é ilimitada. Não compreendendo por que as pessoas crêem numas coisas e noutras não. Tudo é crivei. Principalmente o incrível. Não estou fazendo paradoxo. A vida é que já é por si mesma paradoxal, desde que seja vista não apenas pela superfície.

Ora, uma vez, todas as coisas começaram a correr contra mim. Fazendo a mais profunda e leal introspecção, estou bem certa de que não merecia tanto. Se punha roupa branca, chovia; se precisava ver a hora, o relógio estava parado; muitas coisas pequenas, assim e outras maiores, já com intervenção humana, e que, por isso, não é necessário contar.

Então, considerando que tal concordância de acontecimentos desagradáveis devia ter uma razão secreta, pus-me a procurá-la.

Ao contrário do que geralmente se faz, comecei por atribuir a mim mesma a razão dos meus males. É certo que todos temos muitos defeitos. Mas nunca me dei ao luxo de ter tantos que justificassem a conspiração que se fazia contra mim.

Admitida a minha inocência, passei ao exame das circunstâncias que por acaso estivessem sob a minha responsabilidade. Nem espelho partido nem vestido marrom nem gato preto nem número fatídico na porta.

E assim descendo de observação em observação, e consultando algum conhecido — e os nossos conhecidos sempre sabem essas coisas ocultas e se não nos ajudam com as suas luzes é pela timidez em não acreditarem o momento propício — passei a analisar o meu nome.

Esqueci-me de dizer que estava disposta a todos os despojamentos. Se a culpa fosse de algum mau sentimento, de alguma ação malvada, eu me castigaria energicamente. E até para me estimular recordava o exemplo daquela senhora americana que arrancou um olho e cortou a mão, convencida de que esses dois fragmentos do seu corpo estavam estragando a sua alma.
Foi nessa ocasião que me explicaram o valor cabalístico das letras, e a razão por que muitas pessoas mudam de nome, trocando aquele que lhes foi dado por outro em que haja uma combinação de valores mais favorável aos seus destinos.

Todos os conhecimentos têm uma profunda sedução. Quem conseguisse saber tudo ficava igual a Deus. Por isso é que muitos são de opinião que se saiba o menos possível, para não se ter a mesma sorte de Eva, que logo no princípio do mundo estragou o Paraíso com o pecado do saber.

Digo isto porque um tratado de biologia me atrai com a mesma força que um volume de ciências ocultas, e os números e as letras me parecem tão organizados, tão sensíveis, tão vivos, tão poderosos, enfim, como um animal, uma planta, um átomo.

Naturalmente, desmontei o meu nome, peça por peça, calculei, pesei, refleti, devo ter chegado a alguma conclusão de que já não me lembro, e não tenho a impressão de que os meus cálculos fossem assim desfavoráveis. Mas pelo sim, pelo não, como havia uma letra disponível, achei melhor sacrificar essa letra.

Há os que sacrificam os filhos, os carneiros, as aves, e há os que sacrificam o seu coração. Sacrifiquei o meu. Porque eu gostava de todas as minhas letras, fervorosamente. Ter de cortar uma, não foi assim coisa tão fácil como as reformas ortográficas ordenam. Uma letra é um signo, é uma coisa misteriosa que as gerações vêm carregando consigo, modificando de longe em longe, por mão inexperiente, por súbito esquecimento, por ignorância de algum escriba emprestado.

Deu-me um trabalho muito grande, ficar sem essa letra. Quando olhava para o meu nome sem ela, sentia como se me faltasse um pedaço, como se estivesse realmente mutilada, sem a mão ousem o olho. Consolava a letra perdida. Escrevia-a sozinha, do lado, sorria-lhe, contava-lhe coisas, para distraí-la. Tudo era muito infantil e muito triste. A pobrezinha ficava para trás, e dava-me saudade. Recapitulando estas coisas, sinto-me entristecer, e preciso recobrar a minha força de vontade para não alterar outra vez o sobrenome.

Afinal, como último trabalho convincente, estabelecemos este acordo. A letra não ficaria perdida: seria usada nos documentos oficiais, nesses lugares respeitáveis em que a firma é a garantia da nossa pessoa recebendo e pagando os lugares que nos vemos que merecem a consagração e a estima unânimes dos nossos colegas humanos.

Quanto às coisas literárias, essas efêmeras coisas pelas quais vamos morrendo dia a dia, não são assim de tal modo graves que precisem da firma autêntica, daquela firma por que os juízes nos podem perguntar um dia, brandindo um papel pavoroso e fulminante: "Dize, bandido, foste tu que assinaste este documento?" Não, as coisas literárias não chegam a esse ponto. O mais que nos pode acontecer é tirarem o nome que escrevemos no fim e substituírem-no por outro, sem juiz, sem fulminação, sem defesa...

Isto posto, a letra abandonada e eu nos abraçamos ternamente, e nos separamos. Como era uma letra suave, terá querido dizer com o seu romantismo: "Quero apenas que sejas menos infeliz. Acompanhei-te durante tanto tempo! Tiveste tanta dificuldade em aprender a escrever-me... Pensavas com inocência no mistério das letras dobradas... Sentias orgulho, na escola, por essa letra dobrada no nome... Mas talvez eu esteja pesando demais na tua vida. Não fiques triste. Adeus."

Fiquei muito triste. Faltava-me a letra. Já não era como se me faltasse um pedaço de mim, — mas, um parente, um amigo extraordinário.

A minha vida, porém, mudou tanto que, por mais saudade que me venha dessa letra perdida, não me animo a fazê-la voltar.

E está feita a confissão. Como se vê, uma história longa, que não se pode repetir a cada instante. Principalmente porque é uma história íntima, e ninguém deve cortar as letras do seu nome só por ter visto outras pessoas fazê-lo. E fica explicado para sempre que assino deste modo por motivos sobrenaturais, fantásticos, como quiserem, mas não pela reforma ortográfica, aliás muito cautelosa com os nomes próprios, respeitando-os tanto quanto me parece deverem ser respeitados, principalmente pelos mistérios que dentro deles vão navegando.

Quando fotografo